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24.07.2024 meio ambiente

Calor extremo na Olimpíada de Paris

Pesquisadores e atletas se unem para alertar sobre os riscos das altas temperaturas durante os jogos e propõem revisão dos patrocínios do setor de combustíveis fósseis

Os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, realizados em 2021 devido à pandemia, entraram para a história como a Olimpíada mais quente já registrada; as temperaturas chegaram a ultrapassar 34°C, com umidade a 70%, levando muitos atletas a passarem mal com o forte calor | Imagem: Shutterstock

“Na Olimpíada de Tóquio, no Japão, era impossível se hidratar o suficiente para combater o calor e a umidade. Desidratação, dores de cabeça e letargia eram normais e era pura má sorte ter de jogar no período mais quente do dia. Na época, senti como se o calor estivesse beirando o risco real – o tipo de risco que poderia potencialmente ser fatal. Um dos melhores jogadores de tênis do mundo [Daniel Medvedev, que levou o ouro em 2021] disse que pensou que alguém poderia morrer em Tóquio e eu não acho que fosse exagero, especialmente quando você está jogando pelo seu país e o desespero por performance está correndo pelas suas veias.”

O depoimento do tenista neozelandês Marcus Daniell, que ficou com o bronze na última Olimpíada, dá uma ideia da sensação dos atletas durante os jogos que ficaram conhecidos como os mais quentes da história. Em Tóquio, a temperatura ultrapassou os 34º C e a umidade chegou perto dos 70%.

Competidores vomitaram e desmaiaram na linha de chegada, cadeiras de rodas foram usadas para carregar atletas de arenas causticadas pelo sol. Casos de calor extremo minando a saúde e a satisfação de assistir a competições esportivas apenas aumentaram de lá para cá.

As perspectivas para a Olimpíada de Paris, marcada para acontecer entre 26 de julho e 11 de agosto, não são as melhores. O aquecimento global tem levado as temperaturas globais a baterem recordes: 2023 foi o ano mais quente e 2024 teve o maior calor já registrado em abril na história.

Desde que Paris abrigou a Olimpíada de 1924, as temperaturas aumentaram 1,8º C. Durantes os meses das competições, a média agora é 3,1º C acima do que era 100 anos atrás.

Por isso, um grupo de 11 atletas, organizações e pesquisadores lançou o relatórioRings of Fire: Heat Risks at the 2024 Paris Olympics” (“Anéis de fogo: Riscos do Calor na Olimpíada de Paris de 2024”).

No documento, os autores alertam a respeito dos perigos do calor extremo nos esportes e fazem cinco recomendações para os jogos na capital francesa.

As duas primeiras, mais imediatas, são o agendamento das competições em horários que evitem extremos de calor e a garantia da segurança dos atletas e do público diante das altas temperaturas, com melhorias nos planos de reidratação e resfriamento em relação aos jogos passados.

As três últimas recomendações são voltadas para o médio prazo. Uma delas é o empoderamento dos atletas para que falem sobre as mudanças climáticas.

Outra diretriz é impulsionar a colaboração entre federações esportivas e atletas em campanhas de conscientização. A sugestão mais ousada é reavaliar o patrocínio de empresas de combustíveis fósseis.

“A principal causa das mudanças climáticas é clara: emissões advindas de combustíveis fósseis. O esporte precisa reexaminar sua relação com empresas desse setor. O patrocínio pode trazer o tão necessário financiamento, mas o custo em longo prazo dessas parcerias deve ser reavaliado”, diz o documento.

Males do calor extremo

“Condições de calor e/ou umidade podem dificultar a perda de calor para o ambiente e tornar mais difícil a regulação da temperatura corporal. Isso prejudica a performance física, particularmente quando a exposição é prolongada e um alto rendimento é necessário”, escrevem Mike Tipton e Jo Corbett, professores da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, e coordenadores do relatório.

Os pesquisadores explicam ainda que o desempenho dos atletas diminui à medida que a temperatura aumenta além de 11º C.

Calor e umidade em excesso podem provocar ainda outros impactos: de queimaduras de sol a cãibras, passando por exaustão e até mesmo o chamado colapso pelo calor induzido por esforço, um risco para a saúde e o bem-estar não apenas dos atletas, mas dos espectadores, autoridades e trabalhadores da organização.

“Em Nápoles, durante os Jogos Universitários de 2019, a exposição ao calor causou uma longa fadiga que me seguiu por quase dois meses. Eu tinha sintomas similares aos do excesso de treino, mas era basicamente o calor que tinha ‘fritado’ meu sistema nervoso. Eu me sentia cansada, na maior parte do tempo, exausta”, conta no documento a corredora suíça Ajla Del Ponte, atleta olímpica medalhista de ouro nos 60 metros do Campeonato Europeu de Atletismo Indoor de 2021.

“É preocupante o quão rápido isso está se tornando uma realidade. E enquanto nos adaptamos à probabilidade de competir no calor extremo, o panorama maior do porquê estamos vivenciando isso não está sendo abordado, é apenas aceito e planejado para [se adaptar]”, completa a australiana Kelsey-Lee Barber, medalhista de bronze no lançamento de dardo em Tóquio.

“Enquanto nos adaptamos à probabilidade de competir no calor extremo, o panorama maior do porquê estamos vivenciando isso não está sendo abordado, é apenas aceito e planejado para [se adaptar]”, diz a australiana Kelsey-Lee Barber (na foto acima), medalhista de bronze no lançamento de dardo em Tóquio | Imagem: Erik van Leeuwen/ WikiCommons

Segundo os autores, o relatório fornece aos atletas uma plataforma para se opor ao ambiente de medo que tem se instalado entre eles, para dar voz ao alerta e trazer esperanças de mudança.

“Fica por conta de o resto do mundo esportivo ouvir e se engajar com essas preocupações e recomendações”, afirmam os autores do relatório.

“E, fundamentalmente, dentro e fora do esporte, temos que acelerar a ação sobre as mudanças climáticas e reduzir urgentemente as emissões, advindas sobretudo dos combustíveis fósseis. O bem-estar de atletas e torcedores, o futuro dos Jogos Olímpicos e a sobrevivência do esporte dependem disso”, concluem.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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