
Regulação do ciclo circadiano contra o câncer
Pesquisadores demonstram como alterações no metabolismo tumoral podem influenciar ritmos biológicos, abrindo novas possibilidades terapêuticas

Uma vez que grande parte dos tratamentos quimioterápicos contra o câncer tem como alvo genes ou proteínas que atuam no crescimento e replicação das células tumorais, estudos na área têm focado em novas abordagens. Nos últimos anos, a regulação do ciclo circadiano tem sido explorada como um possível novo alvo.
Os ciclos circadianos são sistemas que geram ritmos periódicos de cerca de 24 horas e estão presentes em quase toda forma de vida, de organismos unicelulares a plantas e animais. Eles integram desde estímulos ambientais, como a luz do dia, até metabólicos, como o consumo de alimentos.
Tudo isso para regular atividades biológicas como o sono, o metabolismo da energia, funções imunes e hormonais e proliferação de células.
Além do desenvolvimento de transtornos de sono e humor, obesidade e diabetes, distúrbios no ritmo circadiano – causados por privação de sono, por exemplo – estão também associados ao câncer.
Perturbações genéticas e ambientais dos ciclos circadianos alteram largamente a expressão e a atividade de genes supressores de tumores e oncogenes, como aponta uma revisão sobre o assunto publicada em 2021.
Em um estudo publicado em julho no periódico Proceedings of the National Academy of Science (PNAS), pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, demonstraram, em um modelo de tumor de pâncreas e em células tumorais de melanoma humano, que alterar o metabolismo dos tumores tem um papel essencial na regulação do ciclo circadiano.
Com isso, abrem caminho para que, no futuro, drogas possam tratar tumores aumentando ou diminuindo esse ritmo.
“Observamos que perturbar os ritmos circadianos aumenta a patologia do tumor”, disse ao Science Arena Amita Sehgal, professora da Escola Perelman de Medicina da Universidade da Pensilvânia e coordenadora do estudo.
A pesquisadora lembra que uma abordagem já usada na clínica, que leva em conta os ciclos circadianos, é a administração de quimioterapia em determinada hora do dia, de acordo com o ciclo circadiano do paciente ou do tumor.
Interferência da atividade metabólica
No estudo, os pesquisadores analisaram primeiro um modelo animal de adenocarcinoma pancreático, um tumor com poucas opções de tratamento.
Nos experimentos, observaram que o aumento significativo da taxa metabólica perturba o ciclo circadiano, que só pode voltar ao normal através da redução da atividade metabólica por meio de medicamentos.
O grupo analisou, ainda, um painel de linhagens celulares de melanoma retiradas de pacientes humanos. Aquelas que tinham a maior atividade metabólica também tinham o ritmo circadiano mais fraco.
“Esses achados fornecem uma explicação para a diversidade de fenótipos circadianos no câncer, o que tem implicações para entender a progressão e o tratamento do câncer”, escrevem os autores.
“Acreditamos que os ritmos circadianos são amplamente relevantes para a patogênese e o tratamento do câncer. No entanto, como os tumores são bastante diferentes um do outro, os efeitos específicos dos ciclos circadianos podem variar”, explicou Amita Sehgal, em e-mail à reportagem.
Na linhagem de melanoma com taxa metabólica mais baixa, os pesquisadores aumentaram a fosforilação oxidativa, processo celular que regula o metabolismo. Com isso, diminuíram a amplitude de oscilação circadiana.
Mais importante, a inibição da fosforilação aumentou os ritmos circadianos apenas na linhagem em que a glicólise também era baixa, o que define com clareza um estado de baixo metabolismo.
“No câncer de pâncreas, vimos que inibir a atividade metabólica melhorou o ciclo circadiano no tumor, permitindo que ele ficasse mais alinhado com a hora do dia”, observa Sehgal.
“Esse estudo basicamente mostra que ritmos circadianos são ditados pelo metabolismo. No futuro, talvez possamos manipulá-lo para melhorar os ritmos circadianos e tratar o câncer”, vaticina a pesquisadora.
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