SOBRE
#Carreiras
23.01.2025 Reconhecimento

Psiquiatria e imunologia para decifrar psicoses

Prestes a iniciar um pós-doc no Reino Unido, Fabiana Corsi Zuelli recebeu prêmio global para jovens cientistas por seus estudos sobre mecanismos imunológicos em transtornos mentais

Fabiana Corsi Zuelli, a primeira brasileira a conquistar o USERN Prize, destaca-se por sua pesquisa que conecta psiquiatria e imunologia no estudo das psicoses | Imagem: Joel Silva

Desde criança, a pesquisadora Fabiana Corsi Zuelli, 34, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), acompanhava o pai biomédico, Edison Zuelli, nos laboratórios.  A curiosidade que a guiou para o mundo da ciência contribuiu para que, agora, ela se tornasse a primeira brasileira a receber o USERN Prize, prêmio internacional concedido pela Rede Universal de Educação Científica e Pesquisa (USERN, da sigla em inglês).

O reconhecimento é decidido por um conselho composto por mais de 600 cientistas de todo o mundo, incluindo ganhadores dos prêmios Nobel e Abel.

A honraria, concedida a cientistas em início de carreira, foi atribuída a Fabiana Corsi Zuelli pelos seus estudos sobre a relação entre alterações inflamatórias e fatores ambientais no desenvolvimento do primeiro episódio psicótico.

Zuelli construiu sua trajetória acadêmica inteiramente na rede pública. “Enfrentei as barreiras da escassez de recursos físicos e pessoais, mas com a vontade de ter um ensino superior público de qualidade.”

Em 2009, foi aprovada no vestibular para cursar a graduação na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP. Logo no primeiro ano, conseguiu uma bolsa de iniciação científica financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Zuelli também participou do Ciência sem Fronteiras – programa do governo brasileiro, que vigorou entre 2011 e 2017, a fim de apoiar o intercâmbio de universitários brasileiros no exterior. Zuelli passou uma temporada no Reino Unido, onde participou de pesquisas sobre o impacto do estresse no desenvolvimento de transtornos mentais.

A passagem pelo Reino Unido, ainda na graduação, ajudou a ampliar os horizontes de Zuelli na pesquisa. Também sedimentou o caminho da brasileira no exterior ao longo da pós-graduação stricto sensu na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

No mestrado em neurociências, concluído em 2019, a enfermeira passou um período “sanduíche” no King’s College London. Em seguida, engatou um doutorado (também em neurociências) com bolsa sanduíche na Universidade de Birmingham, no Reino Unido. A tese foi defendida em 2024 com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Em suas pesquisas, Zuelli busca integrar duas áreas das ciências da saúde: a psiquiatria e a imunologia. A motivação, diz ela, veio de uma experiência pessoal.

“Minha tia, já falecida, havia sido diagnosticada com esquizofrenia. Convivi diariamente com o sofrimento gerado por este transtorno debilitante, que também impacta a vida de quem cuida dos pacientes. No caso da minha tia, a ajuda era dada pela minha mãe”, conta Zuelli.

“Eu queria ajudar, de alguma forma, a melhorar a qualidade de vida de pessoas com transtornos mentais, como a esquizofrenia. Minha contribuição se dá por meio da pesquisa científica.”

Durante quase dez anos, Zuelli se dedicou a uma pesquisa que investigava alterações imunológicas e fatores ambientais no desenvolvimento das psicoses.

A iniciativa fez parte de um projeto temático (com apoio de FAPESP, CNPq e Center for Research in Inflammatory Diseases) e integrava um consórcio internacional conhecido como European Network of National Networks studying Gene-Environment Interactions in Schizophrenia.

Inflamação e comportamento

Em suas investigações em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, Zuelli e a equipe da pesquisa identificaram 588 casos de psicose entre 2012 e 2015. Cerca de 166 participantes concordaram em ceder amostras de sangue para serem analisadas.

“Observamos que pacientes no primeiro episódio psicótico apresentaram maiores concentrações de proteínas inflamatórias, como citocinas, no sangue, quando comparados aos demais indivíduos da comunidade”, explica Zuelli.

A pesquisa ainda sugere que pessoas que sofreram maus-tratos na infância podem ser mais suscetíveis a essas alterações inflamatórias. “Indivíduos que passaram por traumas na infância eram mais propensos a desenvolver enfermidades com causas inflamatórias.”

No doutorado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, com período sanduíche no Reino Unido, a enfermeira Fabiana Corsi Zuelli investigou mediadores inflamatórios em fases que antecedem a psicose: “A identificação de marcadores inflamatórios pode abrir caminhos para tratamentos personalizados” | Imagem: Joel Silva

De acordo com Zuelli, indivíduos com alterações inflamatórias também demonstraram maior vulnerabilidade aos efeitos negativos do consumo diário da planta Cannabis sativa, a maconha.

“O estado inflamatório detectado em alguns desses indivíduos estava associado com a exacerbação dos sintomas da doença, e com redução de estruturas do cérebro que estão envolvidas nos processos sociais e cognitivos”, esclarece Zuelli.

Um dos méritos da pesquisa, ressalta Zuelli, é seu caráter interdisciplinar. “Por muito tempo, os transtornos mentais foram considerados ‘problemas’ exclusivos do cérebro”, diz.

“Hoje, porém, sabemos que há uma interligação importante entre o cérebro e o restante do corpo, e os nossos resultados fundamentam essa perspectiva ao mostrar que alterações orgânicas – a inflamação detectada no sangue – podem influenciar o comportamento.”

Zuelli enfatiza que aproximadamente 30% dos pacientes diagnosticados com psicose não respondem às terapias convencionais com antipsicóticos.

A identificação de possíveis marcadores inflamatórios, diz Zuelli, pode abrir caminhos para tratamentos mais personalizados.

No doutorado-sanduíche na Inglaterra, ela participou do primeiro ensaio clínico que está testando a terapia adjuvante de antipsicóticos com um fármaco que modula a atividade do sistema imunológico, especificamente em pacientes com psicose que apresentem alterações inflamatórias no sangue.

“Esse é um excelente exemplo de medicina de precisão, em que a terapia é direcionada de acordo com as características biológicas do indivíduo.”

Reconhecimento internacional

A trajetória de Zuelli é marcada por diversas premiações internacionais, entre elas o reconhecimento de entidades como a Schizophrenia International Research Society e a World Federation of Societies of Biological Psychiatry.

No final de janeiro, a enfermeira embarca para a Universidade de Oxford, no Reino Unido, onde iniciará uma pesquisa de pós-doutorado.

“Darei continuidade à investigação sobre mecanismos relacionados às alterações inflamatórias e metabólicas causadas por transtornos mentais, para o delineamento de novos ensaios clínicos estratificados”, conta Zuelli.

“Acredito que, nos próximos anos, a chamada ‘imunopsiquiatria’ deve avançar para intervenções cada vez mais personalizadas, ajustadas às características individuais, promovendo tratamentos mais eficazes e alinhados às necessidades específicas de cada paciente.”

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

Carreiras

0 Comentários
Oldest
Newest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
Receba nossa newsletter

Newsletter

Receba nossos conteúdos por e-mail. Preencha os dados abaixo para assinar nossa newsletter

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!
Cadastre-se na Newsletter do Science Arena