
CPI das Bets, influenciadores: apostas online expõem desafios de saúde e regulação
Plataformas digitais de jogos de azar avançam globalmente e já afetam a vida de milhões de pessoas, com impactos econômicos e na saúde mental

Com movimentações bilionárias e alcance global, as apostas online deixaram de ser entretenimento marginal para se tornarem um fenômeno que mistura marketing agressivo, vício em expansão e riscos à saúde pública. No Brasil, esse cenário ganhou contornos ainda mais preocupantes a partir da legalização das chamadas apostas de quota fixa, sancionada pelo então presidente Michel Temer, em dezembro de 2018, por meio da Lei nº 13.756. A norma autorizou a operação comercial desse tipo de jogo, criando brechas para a proliferação de plataformas digitais.
Desde então, mais de 2 mil casas virtuais de apostas passaram a atuar no país, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. Muitas dessas empresas estão sediadas em paraísos fiscais e operam localmente por meio de sócios brasileiros ou representantes contratados. Com isso, boa parte da arrecadação escapa da tributação nacional e não oferece contrapartidas públicas.
O impacto financeiro sobre a população é enorme. A previsão é de que os consumidores brasileiros perderão até R$ 1,2 trilhão em apostas até 2030. Já o mercado global de jogatina online deve movimentar cerca de US$ 700 bilhões (R$ 4 trilhões) até 2028.
Os custos sociais, porém, vão muito além dos números.
Epidemia silenciosa: vício, falência e rupturas familiares
Especialistas alertam para uma sequência de danos que não se limita ao aspecto financeiro. O vício em jogos de azar online aumenta o risco de suicídio, de violência doméstica, falência e desestruturação familiar. Esses efeitos, como mostram relatórios científicos e políticos, podem se estender por gerações, criando ciclos difíceis de romper.
Dados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets no Senado revelam que, só em 2024, cerca de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família destinaram R$ 3 bilhões a plataformas de apostas, deixando de consumir itens básicos como comida, roupas e remédios.
Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo aponta que 23% dos jogadores deixaram de comprar roupas, 19% deixaram de comprar alimentos e 19% cancelaram viagens por conta do jogo.
“Se demorarmos, os jogos de azar e os danos que eles causam se tornarão um fenômeno global ainda mais arraigado e muito mais difícil de enfrentar”, adverte relatório da The Lancet Public Health, que analisa o impacto mundial dessa indústria em ascensão.
Fenômeno global em expansão
Segundo o estudo publicado na The Lancet e coordenado pela pesquisadora Heather Wardle, da Universidade de Glasgow, na Escócia, 448,7 milhões de adultos em todo o mundo apostam online, sendo que 80 milhões já estão viciados.
A pesquisa mostra que as apostas estão presentes em mais de 80% dos países e têm crescido especialmente em regiões vulneráveis.

As plataformas são projetadas para estimular jogadas rápidas, frequentes e repetidas, com uso intensivo de publicidade e design comportamental. “O marketing e a tecnologia tornam mais fácil começar a jogar — e mais difícil parar”, destaca o relatório.
No Brasil, o Instituto Locomotiva estima que 52 milhões de adultos já apostaram online e 25 milhões iniciaram esse comportamento apenas em 2024.
Entre eles, 45% tiveram prejuízos financeiros e 37% utilizaram recursos que seriam destinados a outras prioridades.
Entendendo o comportamento de risco
Estudos apontam que o envolvimento em apostas problemáticas resulta da combinação de fatores neurológicos, psicológicos e ambientais. O cérebro dos jogadores responde aos ganhos com descargas de dopamina, semelhante ao que ocorre em outros tipos de vício.
Pessoas impulsivas ou com baixo autocontrole estão mais suscetíveis a desenvolver dependência.
Além disso, a constante exposição a propagandas e a presença de influenciadores que normalizam ou até glamourizam o jogo contribui para uma cultura de banalização.
Jogadores que apostam em mais de dois tipos de jogos ou que jogam com frequência mensal superior a quatro vezes já apresentam risco elevado de sofrer danos.
Caminhos para regulação e enfrentamento
Diante do avanço das apostas e seus efeitos colaterais, o relatório da CPI das Bets propõe:
- Proibição de jogos 100% virtuais, como o “tigrinho”, por risco elevado de manipulação;
- Criação de uma plataforma nacional de auditoria e monitoramento de jogos;
- Cadastro nacional de jogadores para rastreamento de padrões compulsivos;
- Maior controle sobre a publicidade e atuação de influenciadores digitais;
- Medidas para impedir que os jogos sejam vendidos como solução financeira.
A recomendação é clara: o setor exige uma regulação mais robusta, transparente e ética, com fiscalização ativa e instrumentos modernos de controle.
Saiba mais clicando nos tópicos a seguir:
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A escala global dos jogos de azar online
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Estatísticas globais:
- 448,7 milhões de adultos apostam online; 80 milhões estão viciados.
- 46,2% dos adultos e 17,9% dos adolescentes jogaram no último ano, com 10,3% dos adolescentes utilizando plataformas online.
Impactos regionais:
- Disponibilidade em mais de 80% dos países, incluindo regiões pobres da África Subsaariana.
- Acesso facilitado por marketing sofisticado e design que incentiva jogadas repetidas.
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O impacto no Brasil
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Números brasileiros:
- 52 milhões de adultos já apostaram online; 25 milhões começaram em 2024.
- 45% relataram prejuízos financeiros; 37% usaram dinheiro destinado a outras prioridades.
Legislação e crescimento:
- Apostas regulamentadas desde 2018 pela Lei nº 13.756.
- Mais de 2 mil casas virtuais de apostas operam no país, muitas delas sediadas em paraísos fiscais.
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Fatores de risco e comportamento problemático
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Causas biológicas e psicológicas:
- Envolvimento de circuitos cerebrais ligados à dopamina.
- Impulsividade e baixa capacidade de autocontrole.
Influências ambientais:
- Oferta abundante, publicidade intensa e histórico familiar de apostas.
- Risco aumentado para quem joga mais de quatro vezes por mês ou participa de múltiplos tipos de apostas.
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Estratégias da indústria
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Associação com esportes:
- Patrocínio de equipes esportivas e apostas ao vivo durante partidas.
- Aumento na frequência e intensidade das apostas.
Jogos online:
- Projetados para serem mais rápidos e intensivos, atraindo públicos amplos.
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Danos sociais e à saúde
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Principais consequências:
- Risco aumentado de suicídio, violência doméstica, falência financeira e ruptura familiar.
- Impactos intergeracionais e aumento de criminalidade.
Projeções econômicas:
- Até 2030, perdas estimadas de US$ 205 bilhões globalmente.
- Crescimento da indústria projetado para US$ 700 bilhões até 2028.
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