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18.07.2024 Fisiologia

A surpreendente conexão entre amamentação e saúde óssea

Descoberto por pesquisadores da Universidade da Califórnia, hormônio no cérebro constrói ossos e protege a mãe durante a amamentação

Além de nutrir o bebê, a amamentação também desencadeia uma verdadeira sinfonia hormonal na mãe, com direito a um maestro inesperado: o CCN3, um hormônio que garante não só a saúde óssea da mãe, como também pode ser a chave para futuros tratamentos contra a osteoporose | Imagem: Shutterstock

Amamentar a prole é algo que fazemos antes mesmo de nos tornarmos uma espécie humana. Nada mais natural, embora mesmo depois desses milhões de anos de evolução ainda exista gente que se incomode em ver um bebê sendo alimentado dessa forma em público.

Mas o que eu queria contar aqui é sobre um artigo muito interessante que saiu na edição da revista Nature de 10 de julho. E já peço desculpas pelo tetesplaining (termo que acabo de cunhar para pessoas que nunca amamentaram falar do ‘tetê’ dos outros).

A amamentação pode ser uma verdadeira maratona para a mãe. Além da dificuldade de se estabelecer a pega correta, as noites mal dormidas, as dores nas costas e nos mamilos, a sensação de que o leite “não sai”, a jornada da amamentação também é uma verdadeira montanha-russa hormonal.

Desde a ocitocina liberada durante o ato (que ajuda a liberação do leite e fortalece a ligação afetiva entre mãe e bebê) até os outros hormônios e neuro-hormônios (que mexem em várias coisas nas mulheres: da produção do leite até a estrutura e composição dos ossos).

O paratormônio (ou PTH, para os íntimos) é um hormônio que tira o cálcio dos ossos da mãe para “colocar” no leite que vai ao bebê. Graças a ele, uma mãe que amamenta perde até 10% da sua massa óssea, que depois, após o período de amamentação, volta ao normal.

O estrógeno (sempre ele) está associado com o crescimento e maturação dos ossos, porém, adivinhem, seus níveis caem muito após o nascimento do bebê. Então, se não é o estrógeno, quem é esse santo hormônio que protege os ossos das mamães?

Essa foi a grande descoberta da semana: um “novo” hormônio no cérebro que constrói ossos e protege a mãe enquanto ela amamenta.

O nome dele é CCN3 e foi descoberto pelo grupo da doutora Holly Ingraham, fisiologista americana e professora da Universidade da Califórnia, junto a outros colegas.

Apesar de sermos a única espécie que coloca o leite de outra espécie em uma caixa para depois misturar no café e beber, não somos a única espécie a amamentar.

Na verdade, isso é algo que define o grupo de bichos fofinhos e peludos (nem todos) que se chama mamíferos. Como camundongos também são mamíferos, o grupo da Dra. Ingraham pôde fazer todas essas descobertas nesses animais. 

Experimentos

Para garantir que não era o estrógeno, os pesquisadores usaram modelos de camundongos mutantes, nos quais o receptor de estrógeno havia sido deletado de neurônios específicos do hipotálamo. Esses neurônios regulavam a força e a massa dos ossos de fêmeas, mas não de machos.

Para entender se essa característica era devido a um fator circulante no sangue, os autores fizeram experimentos de parabiose que uniam a circulação sanguínea de um camundongo controle com um camundongo mutante.

Os resultados mostraram que os camundongos controle também desenvolveram maior massa óssea, confirmando a existência de um fator circulante.

Em seguida, os autores investigaram o papel das células-tronco esqueléticas (células importantes para a formação óssea) nesse processo.

Eles transplantaram células-tronco de camundongos controle para camundongos mutantes e vice-versa, e observaram que as células-tronco dos camundongos controle, quando transplantadas para os mutantes, também apresentavam maior capacidade de formar osso. Para identificar o fator circulante responsável por esse efeito, os autores utilizaram sequenciamento de RNA e outras técnicas moleculares.

Eles descobriram que o CCN3, produzido por esses neurônios específicos chamados KISS1, era o principal responsável pelo aumento da massa óssea, uma vez que a expressão de CCN3 aumentou significativamente durante a lactação em camundongos fêmeas.

Para confirmar a importância do CCN3, os autores realizaram experimentos em que reduziram a expressão desse hormônio nos neurônios KISS1 de camundongos fêmeas lactantes, e elas apresentaram perda óssea e dificuldade em amamentar seus filhotes, especialmente quando alimentadas com uma dieta pobre em cálcio.

Para completar essa lindeza de trabalho, os autores investigaram se o CCN3 poderia ser usado como terapia para aumentar a massa óssea, injetando o hormônio em camundongos.

Com isso, observaram um aumento significativo na formação óssea, tanto em fêmeas quanto em machos, além da aceleração, pelo CCN3, da recuperação de fraturas em camundongos idosos.

Assim, a ciência nos mostra que a amamentação, além de nutrir o bebê, também desencadeia uma verdadeira sinfonia hormonal na mãe, com direito a um maestro inesperado: o CCN3, um hormônio que garante não só a saúde óssea da mãe, como também pode ser a chave para futuros tratamentos contra a osteoporose. Quem diria que até para a construção dos ossos o cérebro das mamães teria uma solução?

Helder Nakaya é imunologista e pesquisador sênior do Hospital Israelita Albert Einstein.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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