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24.11.2025 Inovação

É possível medir a inovação?

Manual de Oslo ajuda a construir indicadores setoriais, regionais e nacionais capazes de potencializar a inovação na sociedade

Imagem mostra folhas de um livro emitindo luzes em alusão ao conhecimento voltado para a inovação Conhecimentos reunidos em manuais técnicos qualificam a atuação profissional e orientam para a inovação em diferentes áreas | Imagem: Herry Sutanto | Unsplash

A obediência estrita a regras recebe em inglês a denominação “by the book”. Essa graciosa expressão idiomática, que alguns reputam ser influenciada pela presença marcante da Bíblia, cognominada “The Book” no mundo cristão de fala inglesa, recebe valorações díspares, conforme as circunstâncias. 

Em atividades especializadas, agir dessa forma é altamente desejado, particularmente quando há riscos pessoais envolvidos, cuja mitigação requer o seguimento rigoroso de instruções escritas, como protocolos médicos, normas construtivas ou procedimentos de cibersegurança. 

Por outro lado, em diversas situações, quem assim atua adquire reputação negativa. A inflexibilidade na realização de uma tarefa ou desempenho de uma função recebe em nossa cultura algo personalista, designado como “falta de jogo de cintura”. 

Num outro contexto, funcionar by the book é uma forma de protesto de trabalhadores, praticada nos setores em que a greve é restrita ou vedada. São as perturbadoras “operações-padrão” no serviço público, que chegam a durar meses. 

Qualquer que seja o valor atribuído à severidade no seu seguimento, determinações dessa natureza estão habitualmente compiladas em manuais, coletâneas ou guias. Tais obras contêm uma síntese propositiva, cuidadosamente organizada, do conjunto de conhecimentos práticos de um determinado âmbito profissional. 

Um exemplo é o “Guia para o Conjunto de Conhecimentos em Gerenciamento de Projetos (Guia PMBOK®)”, referência tradicional nesse domínio. A sigla BOK da versão inglesa “body of knowledge”, adotada também em alguns guias brasileiros, pode causar confusão mental transitória em neófitos, pela parecença com book.

Manuais ampliados

Esse ramo de publicações tem sido essencial para facilitar e qualificar a atuação de profissionais em numerosas áreas de interesse da sociedade ampla. Elas diferem de livros-texto e outros materiais instrucionais pela ênfase em informações práticas. 

Essa característica leva alguns manuais a incorporar gradativamente variadas súmulas de informações potencialmente úteis para a respectiva profissão, que são consultadas à medida que surge uma indagação específica

Um exemplo pessoal é o paradigmático “Perry’s Chemical Engineers’ Handbook”, amplamente conhecido como a “Bíblia do engenheiro químico”, do qual o autor destas linhas foi usuário em priscas eras. 

A edição mais recente contém de fórmulas matemáticas e estatísticas a propriedades físicas e químicas de materiais, de técnicas de operações unitárias a procedimentos para segurança de processos, totalizando 2.272 páginas e pesando 4,2 kg. O nome Manual (Handbook) só continua a fazer sentido por estar disponível também em versão digital.   

Os manuais e guias relevantes são periodicamente republicados em versões atualizadas. Elas refletem a evolução dos conhecimentos sobre os quais a área se fundamenta, assim como modificações no entendimento sobre quais as práticas profissionais mais efetivas para lidar com a complexidade crescente do seu campo de atuação. 

A primeira edição do “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM)”, publicada em 1952, descrevia 106 diagnósticos em pouco mais de 100 páginas. A edição revisada em vigor (DSM-5-TR) da que passou a ser chamada de a “Bíblia da Psiquiatria” descreve em detalhe número três vezes maior de condições mentais, ocupando mais de mil páginas. 

Diretrizes em CT&I

Duas referências no campo da ciência, tecnologia e inovação (CT&I) são o Manual de Frascati e o Manual de Oslo. Os dois são intitulados pelo nome da cidade em que a sua primeira edição foi consolidada, após extensos trabalhos colaborativos de especialistas. 

Ambos são publicados por iniciativa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como parte de uma família de manuais que estabelecem diretrizes para a medição de atividades de CT&I. 

O Manual de Frascati, lançado em 1963 (dois anos apenas após a criação da OCDE), concentra-se nos dados relativos à pesquisa e ao desenvolvimento experimental, atividades conhecidas pela sigla “P&D”. Já o Manual de Oslo, cuja primeira edição é de 1992, focaliza dados que permitem medir a inovação.

Três perguntas emergem. A primeira é qual o interesse da OCDE nesse tipo de publicações? Trata-se de uma organização internacional voltada à construção de “políticas melhores para vidas melhores”, entendidas como aquelas que promovam prosperidade e oportunidades, sustentadas pela igualdade e bem-estar. 

Uma parte fundamental da missão da OCDE é incentivar os países a cooperar e aderir a padrões estatísticos internacionais comuns, que lhes permitam subsidiar com análises comparativas confiáveis os processos de formulação de soluções para os seus desafios sociais, econômicos e ambientais. 

O vasto trabalho metodológico associado se materializa em dezenas de manuais, guias e diretrizes. 

Mesmo países que não fazem parte da OCDE, como o Brasil, moldam nessas diretivas as suas estatísticas oficiais, particularmente quando intencionam aceder à condição de membro. O Brasil é parceiro-chave da OCDE desde 2007 e, desde 2022, é candidato à acessão como membro pleno.

A segunda interrogação é: por que criar uma família de manuais para medir atividades de CT&I? 

O professor Robert Merton Solow, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), demonstra nos anos 1950 que, ao contrário do pensamento econômico tradicional, os avanços na taxa de progresso tecnológico contribuem mais para estimular o crescimento econômico do que a acumulação de capital e o aumento da força de trabalho, que são fatores de produção clássicos. 

Falecido em 2023, Solow atribuiu a metade do crescimento econômico dos Estados Unidos no período anterior do século 20 à inovação tecnológica. Esse estudo, publicado em 1957, rendeu-lhe, trinta anos depois, o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel

A partir de então, as atividades de CT&I passam a ser percebidas pelos formuladores de políticas públicas como essenciais para o desenvolvimento econômico.

A terceira pergunta: é por que é necessário estabelecer diretrizes meticulosas para medir atividades de CT&I? 

Como em toda atividade humana, é necessário estabelecer definições operacionais sobre o que medir, assim como critérios consensuados sobre como medir. Por exemplo, o que é inovação? 

O Manual de Oslo a define como “um produto ou processo novo ou aprimorado (ou uma combinação deles) que difere significativamente dos produtos ou processos anteriores da unidade e que foi disponibilizado aos usuários potenciais (produto) ou colocado em uso pela unidade (processo)”. 

Mas o que é um produto novo, que difere significativamente de produtos anteriores? 

Respondendo pelo lado negativo, ou seja, o que não é um produto novo, o Manual indica que “os lançamentos de produtos que envolvem apenas pequenas alterações estéticas, como uma mudança de cor ou uma pequena alteração na forma, não atendem ao requisito de uma ‘diferença significativa’ e, portanto, não são inovações de produto”.  

Apoio à Inovação

As diretrizes para coleta, relato e uso de dados sobre inovação contidas no Manual têm como objetivo principal apoiar os órgãos nacionais de estatística e outros produtores de dados sobre inovação. 

No Brasil, é o caso da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, que produz sua Pesquisa de Inovação (PINTEC) a cada três anos com base nas diretrizes do Manual de Oslo. 

Ela “fornece informações para a construção de indicadores setoriais, regionais e nacionais das atividades de inovação das empresas brasileiras com 10 ou mais pessoas ocupadas, tendo como universo de investigação as atividades das indústrias extrativas e de transformação, bem como dos setores de eletricidade e gás e serviços selecionados”.

Uma função adicional desses manuais é firmar conceitos. 

Assim, o Manual de Oslo ressalta que “a inovação é mais do que uma nova ideia ou invenção. Uma inovação requer implementação, seja por ser colocada em uso ativo ou por ser disponibilizada para uso por outras partes, empresas, indivíduos ou organizações. Os impactos econômicos e sociais de invenções e ideias dependem da difusão e da adoção de inovações relacionadas”. 

A implementação é geralmente a parte mais difícil do processo de inovação. Lembra o dito, atribuído a Thomas Edison, de que “Gênio é 1% de inspiração e 99% de transpiração”. 

A disseminação do Manual contribuirá para reduzir o risco de desgaste do termo inovação, que vem sendo objeto de utilização abusiva ou enganosa, quando empresas e outras organizações se promovem como inovadoras, mas suas ações não correspondem a essa imagem. 

Igualmente, contribuirá para potencializar a inovação na sociedade, ao enfatizar que ela “é uma atividade dinâmica e abrangente que ocorre em todos os setores de uma economia; não é uma prerrogativa exclusiva do setor de empresas”. 

A tradução ao português da quarta edição do Manual de Oslo, feita pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), acaba de ser lançada. A publicação em forma de livro tem a parceria da Federação da Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI-SP). 

Novo Manual de Oslo, seja muito bem-vindo ao Brasil e demais nações lusófonas!

Guilherme Ary Plonski é professor sênior da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária e do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), do qual foi diretor. Foi diretor superintendente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec) e coordenador científico do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica da USP. Membro Titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (ACIESP), é pesquisador-emérito do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Integra o Comitê de Pesquisa e Inovação do Hospital Israelita Albert Einstein e é membro da Junta de Governadores do Technion – Israel Institute of Technology.

Retrato: Leonor Calasans/IEA-USP

 

Os artigos opinativos não refletem necessariamente a visão do Science Arena e do Einstein.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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