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21.11.2024 Envelhecimento

Onde moram os verdadeiros centenários?

Falhas em dados de projeção de vida das populações podem afetar políticas públicas, taxas de aposentadoria e planejamento de hospitais e casas de repouso

Iriomote Island in Okinawa, Japan | Image: Shutterstock

Para onde você mudaria se quisesse viver por mais de 100 anos? A resposta que muitos dariam seria: uma vila charmosa nas montanhas da Itália ou da Grécia, regiões conhecidas como “blue zones” ou zonas azuis, onde as pessoas parecem desafiar o tempo, vivendo mais de 100 anos com saúde.

O cenário é digno de filme: refeições mediterrâneas saudáveis, passeios pelas montanhas e aquela vida social ativa, onde os velhinhos trocam fofocas enquanto pegam emprestado um pouco de azeite do vizinho.

Mas, segundo Saul Justin Newman, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, essas zonas azuis podem não ser tão “azuis” assim. Seu trabalho sobre isso rendeu a ele o prêmio IgNobel 2024.

Este prêmio é dado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, para trabalhos que primeiro nos fazem rir e, depois, refletir.

Newman cita Okinawa, no Japão, que foi tema de um documentário no Netflix sobre seus centenários.

Em 2010, uma revisão feita pelo governo japonês revelou que 82% das pessoas que supostamente tinham mais de 100 anos em Okinawa já estavam mortas há muito tempo.

Além disso, Okinawa, longe de ser a região mais saudável, tem consistentemente uma das piores dietas do Japão desde 1975, com baixo consumo de vegetais e um elevado consumo de álcool.

Essa tendência de longevidade “superestimada” também pode ser aplicada a outras zonas azuis, como Sardenha, na Itália, e Icaria, na Grécia. Lá, muitos dos dados também são problemáticos.

Newman estima que, em algumas regiões da Grécia, mais de 70% dos supostos centenários estavam mortos, desaparecidos ou envolvidos em fraudes previdenciárias.

Pelo visto, o segredo para viver até os 100 anos, nestes lugares, é não registrar a própria morte.

Um fenômeno similar acontece em países para os quais você provavelmente não pensaria em se mudar na aposentadoria.

Foi o que Saul mostrou nesse artigo em preprint.

Dados distorcidos

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), Tailândia e Malaui são dois países que possuem as maiores taxas de centenários por número de habitantes. São também países com muitos problemas de fraudes previdenciárias.

Uma coisa é certa: alimentação saudável, exercícios regulares, vida social ativa e menos estresse financeiro são, sim, a chave para uma vida longa e com qualidade | Imagem: Shutterstock

Para se ter uma ideia do problema, nesses lugares certidões de nascimentos já nem são consideradas como documentos legais.

E mesmo na Grécia e na Itália, dezenas de milhares de centenários coletam suas aposentadorias, mesmo que estejam vivos apenas no papel.

As distorções nos dados de longevidade, como as reveladas por Newman, impactam mais do que apenas histórias divertidas de “velhinhos” felizes em lugares idílicos.

Projeções de vida são usadas para planejar políticas públicas, definir taxas de aposentadoria e planejar hospitais e casas de repouso.

Se esses dados são falhos, o planejamento de nossa saúde futura também será. Isso é crucial a um mundo que só está ficando mais velho.

Mas, apesar das falhas estatísticas, uma coisa é certa: alimentação saudável, exercícios regulares, vida social ativa e menos estresse financeiro são, sim, a chave para uma vida longa e com qualidade.

A biologia não mente – esses fatores realmente contribuem para o bem-estar e a longevidade.

O que precisa ser questionado é a estatística, não a saúde.

Então, ainda que viver nas montanhas da Itália ou da Grécia não garanta a imortalidade (como almejam os bilionários atuais), viver bem e de forma equilibrada, com certeza, nos dá boas chances de aproveitar muitos anos com saúde e felicidade.

Helder Nakaya é imunologista e pesquisador sênior do Hospital Israelita Albert Einstein.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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