
Por que a beleza importa?
Mais do que momentos de contemplação, a beleza percebida no cotidiano também proporciona sensações e experiências que nos ajudam a manter-nos mais equilibrados e saudáveis

A beleza é um tema universal. Grandes filósofos, em diferentes abordagens, apresentaram suas ideias sobre ela. Desde Platão (428-347 antes da era comum), que a concebia como uma forma de perfeição e verdade eterna, passando por Aristóteles (384 a.e.c.-322 a.e.c.), que a associava a harmonia, proporção e ordem, ou com um caráter mais espiritual, como observamos em Santo Agostinho (354-430) e Hegel (1770-1831), até à concepção nietzschiana de que a beleza está ligada à vida, à força vital e à capacidade de superação, em oposição à harmonia estática.
Fato é que, mesmo que não nos detenhamos a pensar e refletir sobre ela, a beleza (ou a ausência dela) nos afeta diretamente.
Não precisamos necessariamente defini-la para sermos influenciados por ela, e quem sabe em um mundo que, por vezes, nos parece muito caótico, ela possa nos redimir, de alguma forma, como na famosa frase “a beleza salvará o mundo” – atribuída a Dostoievski (1821-1881) –, por ser capaz de inspirar o ser humano a buscar o bem, mesmo em um mundo marcado pelo sofrimento e pela corrupção.
A beleza está presente nas artes, na natureza, mas também está presente na vida cotidiana para quem tem olhos atentos.
Nas artes, nas grandes escolas, como a Clássica, o Renascentismo, o Romantismo e o Modernismo, por exemplo, observamos que a beleza seguiu os passos da filosofia, sendo ligada à simetria, proporção e harmonia na busca de retratar a perfeição do corpo humano e da natureza.
Mas ela também esteve ligada à ideia de um reflexo de virtudes, até chegar a uma representação que busca descontruir as ideias convencionais e inaugurar outras formas de expressão artística. Aqui, estamos no campo da criação humana.
Neurotransmissores e sanidade
Na natureza, a beleza se revela em harmonia e contemplação, cujo deleite afeta nossa saúde.
Pesquisadores têm demonstrado que reportamos significativamente maior satisfação com a vida somente se sentirmos mais conexão com a natureza, caracterizada por um sentimento de identidade e pertencimento, e nos maravilharmos com sua beleza natural.
Nossa resposta emocional à beleza está ligada a processos cerebrais profundos, nos quais a harmonia visual ou auditiva desencadeia a liberação de neurotransmissores, que nos proporcionam uma sensação de bem-estar.
Isso ocorre porque a harmonia visual desencadeia a liberação de dopamina, que proporciona sensações de recompensa e prazer.
Por outro lado, a exposição à degradação ambiental e ao caos de estruturas pode resultar em um efeito oposto.
Há algumas décadas, os norte-americanos James Wilson (1931-2012) e George Kelling (1935-2019) preconizaram que sinais visíveis de desordem e negligência em um ambiente, como janelas quebradas, grafites ou lixo espalhado, levam ao aumento de comportamentos antissociais e vandalismo.
Ainda que a arte possa emprestar certa poesia para a morte, retomando Nietzsche (1844-1900), é a afirmação e a força da vida que nos seduz e nos enriquece.
No cotidiano, a beleza também está presente em momentos de restauração da vida.
Profissionais de saúde, por exemplo, veem a beleza na recuperação de uma lesão por pressão onde houve necrose (morte celular), quando o fluxo sanguíneo é restaurado e o tecido vermelho brilhante e saudável reaparece.
O mesmo ocorre quando vemos a natureza se regenerar após incêndios devastadores, sejam eles na floresta, no cerrado, no pantanal ou em qualquer outro lugar do planeta.
A morte, geralmente, apaga a beleza da vida humana, da flora e da fauna e, com isso em mente, talvez tenhamos maior cuidado em preservá-la.
Em tempos de estresse, ansiedade ou desafios, a beleza atua como alento, proporcionando alívio e uma perspectiva renovada.
A exposição a ambientes naturais, considerados belos pela maioria das pessoas, pode reduzir, ainda, os níveis de cortisol, o hormônio do estresse, promovendo uma sensação de relaxamento e recuperação emocional, assim como a teoria da restauração da atenção busca explicar a sua capacidade de reduzir nossa fadiga mental.
Isso parece também estar no cerne do senso comum do porquê, muitos de nós, procuramos a natureza quando queremos “recarregar as energias”, “desestressar” ou resgatar uma sensação de “voltar para casa”, por configurar uma resposta enraizada no nosso processo evolutivo, no qual o concreto urbano e o asfalto fazem parte de uma experiência ainda muito recente na história humana.
Por isso, talvez, nossa necessária busca pela beleza, em meio às vicissitudes da vida, seja um pouco como aquela retratada por Guimarães Rosa: “O sertão está em toda parte, mas as veredas são como um milagre”.
No nosso cotidiano, a beleza é como veredas a nos nutrir, proporcionando pouso, abrigo, refúgio, de forma a nos manter, em algum nível, mais sãos.

Eliseth Leão é pesquisadora sênior do Hospital Israelita Albert Einstein e líder do Grupo de Pesquisa e-Natureza: estudos interdisciplinares sobre conexão com a natureza, saúde e bem-estar (CNPq).
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