
Por que o canto das aves nos faz bem?
Mais do que contribuir para nossa saúde, sons produzidos por aves são indicativos do bem-estar da natureza

Vivemos em um mundo repleto de sons, classificados conforme sua origem: geofonia, como o som do vento, da chuva ou das ondas do mar; biofonia, sons produzidos por seres vivos — entre eles, os pássaros; e antropofonia, tudo aquilo que deriva da presença humana.
Essa paisagem sonora nos acompanha mesmo quando não a percebemos.
Ver é diferente de ouvir. Podemos fechar os olhos, mas não os ouvidos. Todo som entra sem pedir licença. Nosso cérebro os processa, identifica e, muitas vezes automaticamente, decide se vale a pena manter a atenção.
Sons constantes ou irrelevantes são ignorados graças à habituação, como o tique-taque de um relógio. Mas nem todos os sons são iguais.
A chamada paisagem sonora de um lugar é composta por tudo o que se ouve em determinado ambiente. Ambientes naturais, nos quais predominam geofonia e biofonia, têm demonstrado efeitos restauradores à saúde.
E entre os sons da natureza, o canto das aves se destaca — por sua beleza, complexidade, variação e, sobretudo, pela forma como nos afeta.
O Brasil abriga cerca de 1.971 espécies de aves, o que reforça, de alguma forma, nossa intimidade sonora com esses seres.
Embora não haja evidência de que o canto das aves tenha influenciado diretamente o desenvolvimento da música humana, é possível que sua riqueza melódica tenha inspirado, de forma intuitiva, as primeiras formas de expressão sonora humana.
Por que esse canto pode produzir bem-estar?
Ver passarinhos ou ouvir seu canto nos proporciona uma experiência estética-emocional e, muitas vezes, evocam memórias prazerosas da infância.
Dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indicam que cerca de 4 milhões de aves vivem em cativeiro no Brasil, o que sugere um desejo humano de proximidade com esses animais.
Mesmo sendo possível apreciá-las em liberdade, inclusive em áreas urbanas, manter aves aprisionadas parece gerar algum tipo de satisfação. Essa escolha revela influências tanto individuais quanto culturais na relação entre humanos e pássaros.
Há um crescente corpo de evidências científicas mostrando que ouvir o canto das aves está associado a benefícios para o bem-estar psicológico, emocional e até fisiológico.
Pesquisadores têm demonstrado que os chamados de pássaros são o tipo de som natural mais comumente associado à recuperação percebida do estresse e à restauração da atenção, por suas propriedades acústicas, estéticas e associativas.
Outro estudo demonstrou que mesmo a exposição virtual a gravações de canto de pássaros reduziu significativamente sintomas de ansiedade, paranoia e tristeza em adultos saudáveis.
Os sons naturais, como o canto das aves, semelhante ao que ocorre também com a música, ativam áreas do cérebro associadas ao sistema de recompensa, como o núcleo accumbens, promovendo sensações de prazer e bem-estar.
Essas ativações estão ligadas à liberação de neurotransmissores como a dopamina, que desempenham um papel crucial na regulação do humor e na motivação.
Outro aspecto interessante é que as aves nos fazem experimentar serenidade – não pelo silêncio, mas por sua presença.
Elas são consideradas bioindicadores de qualidade por serem muito sensíveis às variações das condições do ambiente.
Sua presença, de certa forma, nos indica que estamos em um ambiente saudável.
Bioindicadores sensíveis
Bernie Krause, músico e ecologista estadunidense, tem se dedicado por mais de 50 anos a gravar os sons de paisagens naturais. Em um dos seus trabalhos, gravou a paisagem sonora de uma floresta antes e depois de uma extração seletiva de árvores.
Ele demonstrou que, embora a paisagem visual permanecesse a mesma, os sons de aves haviam desaparecido e não retornaram, mesmo após anos.
Outro monitoramento que ele tem feito recai sobre a relação dos sons e as mudanças climáticas, demonstrando que, em locais afetados por secas, incêndios florestais ou aquecimento gradual, as aves mudam seus padrões de vocalização, ou simplesmente desaparecem da paisagem sonora.
O número e a diversidade dos cantos de aves têm diminuído em várias regiões e, mesmo antes de alterações visíveis no ambiente, os sons já denunciavam perda de biodiversidade.
O canto das aves não só afeta nosso bem-estar, como indicam o bem-estar da natureza. Sua presença é sinônimo de vida.
Talvez por isso sejam fonte de inspiração para tantos poetas, compositores e escritores, como para Manoel de Barros (1916-2014), que escreveu em ‘O apanhador de desperdícios’:
“Fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso.”
E, para além dos poetas, talvez ainda, porque quando as aves cantam, algo em nós se acalma.

Lis Leão é pesquisadora sênior do Hospital Israelita Albert Einstein e líder do Grupo de Pesquisa e-Natureza: estudos interdisciplinares sobre conexão com a natureza, saúde e bem-estar (CNPq).
Os artigos opinativos não refletem necessariamente a visão do Science Arena e do Einstein Hospital Israelita.
*
É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).