
Precisamos direcionar a mudança tecnológica
Inovações que precisamos não podem depender só do surgimento espontâneo da descoberta guiada pela curiosidade

Os grandes desafios de nossa geração – e é claro que estou falando da mudança climática e da maneira como cuidamos dessa terceira rocha a partir do Sol –, tornaram óbvia a necessidade da humanidade em produzir e difundir uma nova onda de inovações que permita desenvolver economicamente, sem destruir o que restou do planeta.
O problema é que o tempo urge. Por isso, não podemos depender da importante, porém lenta, transformação da curiosidade científica em soluções concretas. Esse modelo linear, que permite à Big Science criar a base de conhecimento na qual as sociedades capitalistas contemporâneas se apoiam, é por demais difuso para esse momento. É preciso acelerar, interagir, testar, mas, sobretudo, direcionar.
Justamente por isso, nós, economistas da tecnologia, mudamos a perspectiva de intervenção pública em ciência, tecnologia e inovação. Passamos a organizar essas intervenções com base nos problemas que precisamos resolver, e não no que já é possível fazer do ponto de vista tecnológico.
Justamente por isso, passamos a falar em políticas baseadas em missões e resgatamos os ensinamentos do impressionante Programa Apollo, que em surpreendentes oito anos, colocou o “Homem” na lua.
Capitaneados pela economista ítalo-americana Mariana Mazzucato, é isso que o mundo desenvolvido está fazendo neste momento.
Um de seus últimos livros, Mission Economy: A Moonshot Guide to Changing Capitalism, é uma verdadeira ode à capacidade humana de resolver problemas por meio do desenvolvimento tecnológico coordenado pelo Estado.
Só que executar esse tipo de intervenção na economia não é nada fácil. Principalmente em países periféricos.
Esse tipo de abordagem, baseada numa demanda concreta, exige toda uma mudança no sistema de fomento público e privado.
O apoio, que era setorizado por área científica, passa a ocorrer em decorrência da aplicação efetiva das soluções, e as relações de comando e controle, que estavam assentadas em torno da comunidade científica, se alteram.
O usuário potencial ganha maior destaque, e aqueles que produzem novo conhecimento passam a ser organizados em função da aplicação.
Isso significa que é preciso haver, agora, uma gestão efetiva do desenvolvimento científico e tecnológico, e que essa gestão seja coordenada por um corpo técnico altamente qualificado, que consiga fazer a correta tradução entre as lógicas científica e de mercado. Isso não é trivial e nem facilmente encontrado nos gestores públicos mundo afora.
De fato, o sucesso do programa Apollo não aconteceu só como resultado da montanha de dinheiro investida e nem só da pressão geopolítica da época.
O que os norte-americanos tinham, e ainda têm, são bons gestores de ciência e tecnologia, que têm sólida formação acadêmica, experiência em empresas e conhecimento da dinâmica do setor público.
É justamente este o profissional responsável pelo sucesso do modelo DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), que nos deu o GPS, a internet e a Boston Dynamics e seus robôs dançantes.
Sobre essa importantíssima instituição, eu sugiro a leitura de The Pentagon’s Brain: An Uncensored History of DARPA, America’s Top-Secret Military Research Agency, de Annie Jacobsen.
No final do dia, é o seguinte: quando passamos a fomentar a ciência e a tecnologia com vistas a resolver problemas concretos, específicos e socialmente relevantes, precisamos de um tipo de profissional que ainda não temos em grande escala, nem no país nem no mundo. Esse profissional se chama gestor de políticas ou ações em ciência, tecnologia e inovação. Historicamente, essa posição foi preenchida por notórios cientistas, que sabiam muito bem sobre suas áreas científicas de atuação, mas pouco da lógica de mercado e da maneira como funciona o serviço público, com seu orçamento plurianual, demanda por controle e compliance, bem como impacto social concreto.
O sucesso da intervenção pública em CT&I no século XXI não vai depender apenas do montante de recursos disponíveis, mas também da qualidade do profissional que planeja, executa e avalia essas intervenções.
Isso porque, diferentemente do passado, quando a dimensão dos problemas e a forma de tratar o desenvolvimento tecnológico – sempre de maneira linear – permitiam uma organização mais subjetiva e difusa, neste alvorecer de novo século, a realidade concreta se impõe, e é preciso direcionar e catalisar.
Certificação profissional
Por isso, é tão relevante a recente criação do Instituto da Inovação, iniciativa da qual faço parte, mas que conta, também, com as pessoas mais atuantes no tema no país.
Trata-se de uma instituição sem fins lucrativos, sem filiação partidária, que foi criada pela comunidade de prática aos moldes do Project Management Institute (PMI) e se destina a certificar o profissional de fomento à ciência, tecnologia e inovação no Brasil.
A ideia aqui é garantir que a complexidade do objeto de fomento se reflita na qualidade do profissional que atua sobre ele.
Independentemente da existência ou não de instituições certificadoras, o fato essencial é que o volume e velocidade das inovações que precisamos, neste momento histórico, não podem depender só do surgimento espontâneo da descoberta guiada pela curiosidade. É obvio que essa abordagem – da curiosidade – precisa continuar existindo, pois, do contrário, não teríamos base científica na qual nos apoiar. Contudo, só o tratamento profissional e direcionado dos recursos públicos e privados à CT&I pode nos tirar da enrascada ambiental em que nos colocamos.

André Tortato Rauen é economista, doutor em política científica e tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor da Escola Superior do Tribunal de Contas da União (TCU). Também é assessor especial da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
*
É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).