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10.01.2025 Saúde Pública

Como nos preparar para os próximos desafios globais: o exemplo da vacina contra o Ebola

Desenvolvimento e fabricação de vacinas com impacto mundial exigem trabalho com parceiros globais, visando entregar soluções reais para a ameaça contínua de uma próxima pandemia

Ilustração do vírus Ebola: o vírus é da família Filoviridae, e foi descoberto em 1976, a partir de surtos ocorridos ao sul do Sudão e norte da República Democrática do Congo, próximos ao Rio Ebola (mesmo nome dado ao vírus) | Imagem: Shutterstock

Existe necessidade urgente não atendida de desenvolver e testar vacinas e terapêuticas contra patógenos emergentes e de surtos, assim como de definir soluções rápidas, escaláveis ​​e implementáveis ​​por meio das quais essas vacinas e terapêuticas sejam usadas.

Em setembro de 2022, Uganda declarou o primeiro surto de Ebola em uma década, causado pelo vírus Ebola do Sudão (SUDV). Logo depois, dois surtos distintos do vírus de Marburg foram declarados na Guiné Equatorial e na Tanzânia e, mais recentemente, em Ruanda.

O vírus Ebola, cujo nome provém do vale do Rio Ebola – local de seu primeiro surto em 1976 –, é um filovírus que causa febre hemorrágica e está associado a uma alta taxa de mortalidade

Existem cinco espécies bem conhecidas no gênero: Zaire ebolavirus, Sudan ebolavirus, Taï Forest ebolavirus (anteriormente chamada de Cote d’Ivoire ebolavirus), Reston ebolavirus e Bundibugyo ebolavirus, descoberta em 2007.

O vírus Ebola do Sudão sobrevive em animais selvagens, e os humanos são frequentemente infectados pela exposição animal.

Preocupação de longa data

O vírus de Marburg (MARV), outro membro da família dos filovírus, permanece sendo uma grande preocupação desde 1967, causando muitos surtos na África Subsaariana, com dois graves tendo acontecido em 1998 e em 2004.

Existe uma única espécie do vírus de Marburg: Marburg Marburgvirus. A infecção humana com MARV geralmente resulta da exposição prolongada a colônias infectadas de morcegos Rousettus e, semelhante ao EBOV e ao SUDV, sua infecção causa febre hemorrágica grave, falência de órgãos e morte.

Embora menos frequente do que o vírus Ebola do Zaire (EBOV), a infecção pelo SUDV apresenta sintomas semelhantes aos do EBOV, com uma taxa de mortalidade de 55%. A doença do vírus de Marburg pode ter uma taxa de mortalidade de até 88%.

O controle é alcançado principalmente por meio da vigilância e do envolvimento da comunidade, do rastreamento de contatos e do gerenciamento de casos, bem como da comunicação de risco. 

O surto mais recente em Ruanda (outubro de 2024) destaca a séria ameaça à saúde pública que a transmissão de um filovírus representa.

O alto número de fatalidades e o potencial da rápida disseminação na comunidade significam que o desenvolvimento de vacinas e de terapias segue sendo uma alta prioridade.

Várias vacinas contra o vírus Ebola (originalmente chamado de vírus Ebola do Zaire) foram licenciadas para uso.

Essas vacinas incluem tecnologias de plataforma de vetor viral, algumas das quais demonstraram eficácia durante o surto da África Ocidental de 2013-2015 e outras que foram licenciadas pela “regra de eficácia animal”.

Não há vacinas licenciadas contra o vírus Ebola do Sudão ou contra o vírus de Marburg. No entanto, a tecnologia da plataforma ChAdOx1, que foi usada com sucesso durante a pandemia de covid-19, representa uma solução viável para desenvolver uma vacina contra os filovírus.

Plataforma eficaz

Quando comparada a outras tecnologias, a plataforma ChAdOx1 responde bem à alta demanda, ao alto volume, ao baixo custo, às condições globais de armazenamento e à necessidade de rápida implantação em uma situação de pandemia.

Esta plataforma é altamente imunogênica, provocando uma resposta imune mediada por células, especificamente uma resposta por linfócitos T CD8 +, e uma resposta imune humoral.

Outras vantagens igualmente importantes são:

A vacina ChAdOx1 nCoV-19 foi aprovada ou recebeu autorização de emergência em aproximadamente 100 países e teve mais de 20 parceiros colaborando em sua fabricação.

Isso resultou em mais de 3 bilhões de doses liberadas para fornecimento em mais de 180 países e uma estimativa de mais de 6 milhões de vidas salvas somente em 2021.

Trabalhar com parceiros globais é a melhor abordagem para gerar vacinas suficientes e causar um impacto global.

Durante os surtos de filovírus em 2022 e em 2023, as vacinas candidatas contra filovírus projetadas e desenvolvidas pela equipe da professora Lambe na Universidade de Oxford foram selecionadas pelo Grupo Consultivo Técnico da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre priorização de vacinas candidatas (TAG-CVP) para inclusão em protocolos de vacinação em anel para combater os surtos.

A profa. Lambe e sua equipe, baseados no Pandemic Sciences Institute e no Oxford Vaccine Group, trabalharam com parceiros para escalar rapidamente a produção de vacinas, gerando mais de 300 mil doses de imunizantes.

Eles preencheram 40 mil doses em menos de 80 dias após receber o material inicial para a vacina candidata contra a cepa do surto de vírus Ebola do Sudão. 

Parcerias globais, trabalhando em estreita colaboração com a OMS e os ministérios da saúde relevantes, oferecem soluções do mundo real para a ameaça contínua da próxima pandemia.

A pandemia de covid-19 demonstrou que um caminho mais rápido para o desenvolvimento e a implantação de vacinas é necessário e, dada essa experiência, estamos em uma posição única para fazer mudanças reais e nos preparar melhor para o próximo surto.

Sue Ann Costa Clemens é chefe do Instituto de Saúde Global da Universidade de Siena, onde é diretora do Programa de Mestrado em Vacinologia e Desenvolvimento de Medicamentos e professora de Infectologia Pediátrica. Professora titular da cadeira de Saúde Global e Desenvolvimento Clínico na Universidade de Oxford e diretora do Grupo de Vacinas Oxford Latam, professora e coordenadora científica internacional do Instituto Carlos Chagas. Consultora sênior na Fundação Bill e Melinda Gates desde 2012, membro de conselhos científicos em várias instituições; em 2023 foi membro do grupo de experts para o acesso e informação a vacinas da Organização Mundial da Saúde- OMS (TAG-MI4A). Ela contribuiu para o desenvolvimento de mais de 20 vacinas e medicamentos licenciados globalmente ao longo de mais de 25 anos de carreira. Sue Ann foi condecorada pela Rainha Elizabeth II com a Ordem do Império Britânico, CBE, pelos serviços prestados à Saúde Pública; ela é também Comendadora da República Federativa do Brasil nas Ordens do Rio Branco e do Mérito Médico.

 

 

Os artigos opinativos não refletem necessariamente a visão do Science Arena e do Hospital Israelita Albert Einstein.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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