
Bruce Lewenstein: Divulgar ciência é parte do trabalho de pesquisadores
Para professor da Universidade de Cornell, nos EUA, a busca por diversidade de vozes na divulgação científica exige autorreflexão de cientistas e comunicadores

Há 17 anos o professor Bruce V. Lewenstein ministra oficinas de comunicação científica para estudantes de pós-graduação. Desde a primeira edição, ele faz a mesma pergunta no início do curso: “Quantos de vocês ficariam com medo se seus orientadores descobrissem que vocês estão aqui hoje?”. Naquela primeira turma, metade da sala levantou a mão. Na última edição do curso, ninguém levantou um dedo.
Lewenstein gosta de contar esta anedota para exemplificar o quanto a divulgação científica mudou. “Caras mais velhos como eu têm uma visão mais rígida sobre a ciência. No entanto, quando converso com estudantes, eles já sabem que divulgar ciência fará parte do trabalho como cientistas”, observa.
Doutor em história e sociologia da ciência e política científica pela Universidade da Pensilvânia e professor da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, Lewenstein é considerado referência na pesquisa sobre comunicação e divulgação científica.
Em artigo publicado em agosto no Journal of Science Communication (JCOM), Lewenstein reflete sobre a importância, a aceitação e os maiores desafios na busca pela diversidade de vozes dentro da comunicação de ciência. “Algumas das maneiras como pensamos sobre diversidade questionam o que é a ciência”, afirma.
Em entrevista ao Science Arena, Lewenstein – que também é ombudsman da Universidade de Cornell – aponta quais são as maiores dificuldades enfrentadas por comunicadores de ciência ao buscar mais diversidade em seus trabalhos, além de elencar exemplos reunidos ao longo de sua investigação sobre o tema.
Science Arena – No artigo publicado recentemente no JCOM, você diz que a diversidade na divulgação científica é complicada. Quais são essas complicações?
Bruce Lewenstein – Em primeiro lugar, e mais importante, é que a diversidade é fundamental. Uma das coisas cruciais que precisamos reconhecer é que boa parte da nossa comunicação científica excluiu pessoas ou não reconhece as forças culturais que as moldam, seguindo todos os outros preconceitos que temos na sociedade. Portanto, prestar atenção à diversidade é algo que precisamos fazer para melhorar.
O desafio surge porque algumas das maneiras como pensamos sobre diversidade questionam o que é a ciência. Em particular, pensamos na ciência como uma forma de produzir conhecimento confiável sobre o mundo natural. Mas quem decide o que é confiável, o que é razoável? E o que acontece se uma dessas maneiras de promover a diversidade desafiar essas ideias sobre o que é confiável?
Pode citar exemplos?
Um deles é o trabalho da antropóloga Lea Taragin-Zeller em Israel. Ela e seu colega estavam trabalhando com uma comunidade ultra religiosa. Lá, as pessoas não leem a mídia convencional, a maioria estuda até o ensino fundamental, não faz o ensino médio, não têm muito conhecimento em ciência. Mas tem um grupo pequeno de pessoas ali que trabalha como “tradutores.” Essencialmente, são divulgadores de ciência, levando principalmente informações sobre saúde até a comunidade.
Por um lado, isso é ótimo, são pessoas com quem eles poderiam dialogar. Mas, por outro lado, Taragin-Zeller e sua equipe descobriram que esses tradutores omitiam informações que entravam em conflito com crenças religiosas da comunidade. Então, se você acredita que Deus criou o mundo em sete dias, e tenta falar sobre a resistência bacteriana a antibióticos por meio da evolução, isso é um problema, pois a evolução não se encaixa ali.
Os divulgadores alertam sobre o uso de antibióticos, mas não explicam o porquê. Esse grupo religioso em particular é dominado por homens. Portanto, descobertas de mulheres cientistas são ignoradas, eles não falam sobre isso. Se há dados científicos e partes da história que não combinam com a religião, eles [os “tradutores”] não comentam.
A pergunta é: o que estamos fazendo ao divulgar ciência? Estamos tentando comunicar alguns fatos e, se eles não são imprescindíveis, apenas ignoramos sua existência? Ou estamos tentando passar para frente ideias de um sistema ocidental, com o qual achamos que temos um compromisso e, então, por isso, é errado deixar coisas de fora?
A mesma coisa acontece quando falamos sobre conhecimento indígena tradicional sobre ecologia. Sabemos que essas comunidades têm um tremendo conhecimento sobre vários tipos de tratamento para doenças, mas, normalmente, o “mundo da ciência” extrai esse conhecimento, aplica biologia molecular, extrai genes, fabrica medicamentos. É um processo muito exploratório.
O que podemos fazer diante disso?
Como divulgadores, sabemos que temos que trabalhar com as comunidades, nos atentar às suas crenças culturais. Mas como podemos ajudá-los a tirar vantagem deste conhecimento e serem reconhecidos pela ciência ocidental, se, ao mesmo tempo, fazendo isso, podemos estar encorajando a exploração que eles já sofrem?
É difícil, e eu quero ser bem claro: eu não tenho respostas para estes problemas. Mas quero que, enquanto comunicadores, nós reconheçamos que estes problemas existem, são reais, e que temos que pensar sobre eles.
Fazer divulgação científica em um idioma nativo em países que não falam inglês é uma forma de decolonizar o acesso à ciência?
Sabemos que isso é necessário por várias razões. Primeiro que nem todo mundo fala inglês. Então, para atingir essas pessoas, temos que falar em outras línguas, até mesmo dentro dos Estados Unidos, onde 12% da população fala espanhol como primeiro idioma. E aí temos que tomar cuidado, porque algumas traduções diretas não funcionam.
Há ideias e conhecimentos intrínsecos no idioma local que não conseguimos simplesmente traduzir para o inglês, para o espanhol ou para o português.
Gosto do exemplo do francês: eles chamam a comunicação científica de “culture scientifique” (cultura científica). Se eu traduzir para o inglês, não significa a mesma coisa. Em francês, significa que a cultura é permeada pela ciência.
Mesmo em espanhol, eles usam “divulgación“, como em português (divulgação), e não tem a mesma ideia de que a ciência está em todo lugar, que faz parte da cultura local e que a cultura depende da ciência.
Outro problema é que, em muitos países, as pessoas que falam inglês e têm acesso a informações de qualidade em inglês são das elites. Quando passamos informação exclusivamente em inglês, estamos aumentando a desigualdade social, porque, dessa forma, as elites estão tendo mais acesso à informação do que pessoas que não falam inglês.

Grupos anticiência também são um obstáculo. Como dialogar com negacionistas?
O mais difícil é que precisamos ser humildes. Temos que lidar com o fato de que talvez nós não tenhamos respostas e de que, talvez, as redes sociais e a mídia tradicional não sejam os meios certos de informar. Temos que adentrar nessas comunidades e ouvi-las, perguntar por que elas não acreditam nas vacinas, quais são suas preocupações.
Nos Estados Unidos, as comunidades afro-americanas têm bons motivos para suspeitar das corporações médicas por causa do histórico de racismo e de coisas horríveis que foram feitas com as pessoas negras. Então, elas podem não querer uma agulha no braço e não têm razões para confiar nas empresas.
Observar essas comunidades permite que a gente entenda as motivações e possa pensar em outras saídas. Talvez a resposta seja: “OK, não tome vacina, mas então não saia de casa”. Podemos pensar em opções.
Mas é preciso criar confiança, não basta apenas passar as informações pela televisão, pelo rádio ou pela internet. A comunidade científica tem que investir em entender essa comunidade.
Não basta destinar 2% do orçamento para a comunicação. Precisamos de recursos, tanto em dinheiro quanto em pessoas, para a comunicação científica. Não é uma saída barata nem simples, requer muito trabalho.
Existe um certo estereótipo do cientista como um homem branco cisgênero. Como podemos desconstruir essa imagem?
Temos que ter muita consciência e buscar novas caras da ciência. Buscar mulheres, pessoas negras, pessoas de diferentes sexualidades. Alguns se destacam e mostram que são diferentes, fazem questão de mostrar que são uma minoria dentro da ciência. Temos que dar palco para essas pessoas, entrevistá-las, postar nas redes sociais. E não apenas perguntar sobre como é ser uma minoria na ciência, mas deixá-las falar sobre a ciência que elas de fato fazem.
Como jornalistas, podemos nos questionar sobre qual é a melhor fonte. É muito comum buscarmos o chefe do departamento ou a pessoa que mais publicou sobre o assunto, mas às vezes alguém em um cargo menor que faz parte de uma minoria é capaz de dar entrevista.
Presumimos que o chefe e a pessoa que mais publica é a que sabe mais, mas às vezes tem alguém com a mão na massa que pode falar sobre o tema. O que queremos quando buscamos um especialista? Queremos a pessoa que teve a ideia ou a pessoa que está ali no cotidiano do laboratório fazendo de fato a pesquisa? Talvez seja a história desse trabalhador a que vale a pena ser contada. Talvez isso seja difícil de aplicar em casos de hard news, em grandes redações, mas é um exercício.
Tem um jornalista chamado Ed Yong que, em 2018, escreveu um artigo no The Atlantic contando sobre sua experiência tentando aumentar a diversidade de suas fontes. Ele percebeu que citava muito mais homens do que mulheres, então criou um sistema, fez planilhas de fontes, buscou ativamente – o que deu muito trabalho.
Mais tarde, ele escreveu outro artigo questionando qual era a sua missão e o que esperava como repórter de ciência. Ele queria só explicar a ciência em si ou contar histórias relevantes para o público? Foi um trabalho de autoanálise importante.
Há muita divulgação científica sendo feita nas mídias sociais. Qual o papel das redes na ampliação da diversidade de vozes? Como elas mudaram a forma de se divulgar ciência?
A parte boa é que elas permitiram, sim, maior diversidade. Pessoas de institutos pequenos, pessoas que não têm acesso a grandes redes de notícias agora têm acesso a informações sobre ciência e respostas a algumas dúvidas que talvez surjam. Mas é aqui que a questão da diversidade se complica, porque não há filtros. Não há profissionais, como repórteres, editores, diretores de museus, agentes de saúde pública, filtrando essas informações; elas só são colocadas nas redes sociais, então fica muito difícil discernir o que é bom e o que é ruim.
Os cientistas precisam se comprometer com a comunicação no idioma local, ajudando a explicar por que algumas informações são mais confiáveis do que outras e como as pessoas podem julgar a confiabilidade dessas informações.
Quando você vê algo nas redes sociais, como você sabe se pode acreditar naquilo ou não? Só porque vários dos seus amigos compartilharam não significa que seja uma informação confiável. Sabemos que as pessoas compartilham coisas com as quais não concordam, então temos que entender melhor o comportamento nas redes sociais e como elas são usadas.
Os cientistas precisam entender o que acontece nas redes e isso é um longo processo de aprendizado. Não tem como lutar contra as redes sociais, sabemos que as pessoas se informam por elas.
Muitos jovens no TikTok produzem conteúdo sobre ciência. As novas gerações são mais tolerantes e mais dispostas a aceitar a diversidade na ciência?
Eu não acompanho muito, mas já vi alguns desses conteúdos e acho eles ótimos. São muito criativos. Acredito que houve uma mudança geracional. Caras velhos como eu têm uma visão mais rígida sobre a ciência, e, em alguns casos, têm mais resistência em falar com a imprensa. Mas quando eu converso com estudantes, pessoas nos seus vinte e poucos anos, elas já sabem que divulgar ciência fará parte do trabalho como cientista. Eles buscam disciplinas sobre o tema, sobre como se comunicar.
Qual é seu envolvimento na capacitação desses jovens cientistas?
Eu ministro um curso de final de semana todo semestre, um workshop de comunicação científica, para estudantes na pós-graduação. É um curso bem introdutório. Na primeira vez que ofereci essas aulas, 17 anos atrás, eu perguntei como os alunos tinham ficado sabendo do curso, se foi em algum panfleto ou por e-mail ou por indicação do orientador.
Metade das mãos se levantaram, o que eu achei positivo. Então eu perguntei: “Quantos de vocês ficariam com medo se seus orientadores descobrissem que vocês estão aqui hoje?”. E a outra metade da turma levantou a mão. Então eu passei a fazer essa pergunta em toda edição do curso.
Dezessete anos depois, quase nenhum aluno, entre mais de 20, levanta a mão com essa segunda pergunta. Alguns falam que o orientador não liga para o assunto, mas todos estão OK com seus alunos aprendendo a fazer comunicação científica. Cientistas jovens pensam sobre divulgação científica e sobre como se comunicar, e isso é ótimo. Fico muito feliz de ver essa mudança.
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