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15.10.2024 Saúde Pública

Fungos mais resistentes desafiam a ciência 

Espécie encontrada no sangue de pacientes se torna mais virulenta a 37°C em contato com antifúngicos, fenômeno que pode se tornar mais comum com o aquecimento global

O fungo Rhodosporidiobolus fluvialis não apenas é resistente a medicamentos das três classes de antifúngicos existentes, como se torna mais virulenta a 37°C, a temperatura corporal dos mamíferos | Imagem: Shutterstock

Um grupo de cientistas da China encontrou, em amostras de sangue de dois pacientes, um fungo que até então não se sabia que poderia infectar pessoas. O que mais chamou a atenção na espécie em questão (Rhodosporidiobolus fluvialis), porém, é que ela não apenas é resistente a medicamentos das três classes de antifúngicos existentes, como se torna mais virulenta a 37 graus Celsius (°C), a temperatura corporal dos mamíferos. 

O estudo foi publicado na revista Nature Microbiology.

A temperatura corporal humana é uma das barreiras naturais contra infecções fúngicas, uma vez que grande parte das cepas não resiste a mais de 35°C. Por isso, a emergência de fungos termotolerantes tem sido um desafio de saúde pública.

Os autores do estudo fazem parte de um consórcio de centros de saúde da China que, desde 2009, isola fungos encontrados na corrente sanguínea de pacientes internados.

A iniciativa começou com 12 hospitais e atualmente tem mais de 100. A espécie em questão foi encontrada circulando no sangue de dois homens idosos, de cidades distantes, em diferentes períodos.

Em um modelo de infecção em camundongos, os pesquisadores demonstraram que depois de tratado com dois antifúngicos, de duas das três classes mais utilizadas na clínica, o R. fluvialis se tornou mais virulento.

Isso ocorreu, porém, apenas quando era cultivado na temperatura corporal dos mamíferos, 37°C. 

Quando tratado com anfotericina B, droga normalmente usada em cepas resistentes às outras classes, notou-se que a quantidade de mutações geradas pela temperatura corporal também criou resistência ao medicamento.

Para identificar a base genética da resistência, as duas cepas do fungo foram sequenciadas, revelando a duplicação do gene ERG11, que codifica a proteína-alvo de medicamentos como o fluconazol. 

Essa duplicação já havia sido reportada em outros fungos resistentes à mesma classe de drogas, a dos azoles.

No entanto, quando os pesquisadores deletaram a cópia adicional do gene, isso não alterou a resistência. Mais: ao expressar o gene em outra espécie, suscetível aos medicamentos, ela se tornou altamente resistente.

Perigos das altas temperaturas

“Fungos invasivos patogênicos são uma grande causa de morbidade e mortalidade, particularmente em indivíduos com sistema imune comprometido, resultando em aproximadamente 3,7 milhões de mortes anualmente”, escreveram os autores.

Eles explicam que, além dos fungos conhecidos pela capacidade de causar doença, fatores como o aquecimento global estão causando uma mudança nos nichos ecológicos de muitos fungos, levando à interação com a sociedade humana e à emergência de uma pletora de novos patógenos nas últimas décadas.

“Considerando a alta diversidade dos fungos, com estimativas recentes de 2,2 milhões a 3,8 milhões de espécies na Terra, acredita-se que o perigo e a importância de novos patógenos esteja seriamente subestimada”, alertam os pesquisadores.

Em um comentário publicado na mesma revista, pesquisadores não envolvidos no estudo explicam que as observações realizadas desafiam os atuais protocolos de testagem de susceptibilidade a medicamentos, realizados para prever a rápida emergência de resistência, assim como as interpretações dos resultados pelos médicos.

“À medida que as temperaturas globais aumentam, não apenas a termotolerância será selecionada pelos fungos, aumentando o conjunto de potenciais patógenos humanos”, escrevem Michael J. Bottery e David W. Denning, da Faculdade de Biologia, Medicina e Saúde da Universidade de Manchester, no Reino Unido. 

“As altas temperaturas podem também induzir taxas de mutação aumentadas, ampliando a adaptabilidade genômica desses microrganismos”, explicam. 

A boa notícia é que os autores do estudo encontraram um peptídeo antimicrobiano ativo contra o R. fluvialis, sem que tenha sido observada evolução de resistência mesmo em altas temperaturas. 

O resultado sugere que peptídeos parecidos podem se tornar, no futuro, uma alternativa para o tratamento. 

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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