
Genética psiquiátrica: estudos ignoram América Latina e ampliam desigualdades
Falta de diversidade étnica em pesquisas pode privar populações miscigenadas de diagnósticos mais precisos e tratamentos personalizados para transtornos psiquiátricos

Um estudo publicado na revista Nature Genetics revelou que 85% dos participantes de pesquisas em genética psiquiátrica têm ancestralidade europeia. A baixa representatividade de populações miscigenadas, como as latino-americanas, pode impedir o acesso a novas ferramentas de diagnóstico e tratamento no campo da psiquiatria de precisão.
“Esse desequilíbrio na amostra pode limitar nosso entendimento da genética psiquiátrica humana e criar novas desigualdades na saúde”, alerta Diego Rovaris, geneticista da Universidade de São Paulo (USP) e primeiro autor do estudo.
Ao Science Arena, Rovaris explica que a complexidade genética das populações da América Latina e a falta de financiamento para pesquisas na região são fatores que dificultam sua inclusão. O genoma latino-americano é resultado da mistura entre diferentes origens populacionais, o que exige abordagens específicas e maior investimento científico.
“É fundamental aumentar a diversidade das amostras em estudos psiquiátricos”, afirma a geneticista Maria Cátira Bortolini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que não participou do estudo. “Esse trabalho deve chamar atenção de autoridades e órgãos financiadores.”
A base genética dos transtornos psiquiátricos
Para entender a base genética dos transtornos psiquiátricos, os cientistas utilizam a metodologia GWAS (Estudo de Associação Genômica Ampla).
O método compara o genoma de pessoas com e sem determinados transtornos, buscando variantes associadas ao risco de desenvolvimento da doença.
Um estudo recente sobre depressão analisou 5 milhões de participantes, incluindo miscigenados, e identificou dezenas de variantes genéticas relevantes. As variantes de risco são mutações que, isoladamente, têm efeito pequeno, mas, em conjunto, podem influenciar o surgimento de transtornos.
“Os genes afetados interagem entre si, e seu impacto depende da composição genética do indivíduo”, explica Bortolini, da UFRGS. “Uma variante pode representar risco numa população europeia, mas não entre latino-americanos.”
Com base nas variantes identificadas, os pesquisadores investigam as vias biológicas associadas, como a produção de dopamina, neurotransmissor relacionado à atenção e ao controle de impulsos.
“Identificamos 76 genes associados à depressão, ligados a baixos níveis de dopamina em regiões específicas do cérebro”, destaca Rovaris.
Terapias mais eficazes e diversificação de amostras
Uma das ferramentas em desenvolvimento é o Escore de Risco Poligênico (ERP), que mede a predisposição genética a um transtorno a partir da análise das variantes no DNA. “Quem tem muitas variantes associadas a um transtorno tende a responder melhor ao tratamento”, observa Rovaris.
A aplicação do ERP em aconselhamento genético pode ajudar na prevenção e escolha de terapias mais eficazes. No entanto, é fundamental que o escore seja calibrado com dados da população local.
“Não adianta usar um ERP feito na Europa ou nos EUA para a população brasileira”, ressalta Rovaris.
Para ampliar a diversidade nos estudos, foi criado o Consórcio de Genômica Latino-Americano, reunindo mais de cem geneticistas de diversos países da região. A iniciativa busca facilitar a formação de equipes, captar recursos e capacitar pesquisadores.
“Esse artigo serve como um guia para a diversificação das amostras”, observa Bortolini.
O consórcio também atua na ampliação dos bancos de dados regionais, para engajar mais participantes e fortalecer a representatividade das populações latino-americanas na ciência psiquiátrica.
“Nosso objetivo é promover a colaboração científica na América Latina e expandir os bancos de dados com amostras representativas da região”, conclui Rovaris.
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