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08.09.2025 Medicina

Genética psiquiátrica: estudos ignoram América Latina e ampliam desigualdades 

Falta de diversidade étnica em pesquisas pode privar populações miscigenadas de diagnósticos e tratamentos mais precisos 

Ilustração de uma dupla hélice de DNA composta por esferas azuis, pretas e brancas, representando a estrutura genética humana em destaque sobre fundo branco Falta de diversidade étnica em estudos de DNA pode comprometer o avanço da psiquiatria de precisão em populações miscigenadas | Imagem: Unsplash 

Um estudo publicado na revista Nature Genetics revelou que 85% dos participantes de pesquisas em genética psiquiátrica têm ancestralidade europeia. A baixa representatividade de populações miscigenadas, como as latino-americanas, pode impedir o acesso a novas ferramentas de diagnóstico e tratamento no campo da psiquiatria de precisão

“Esse desequilíbrio na diversidade ancestral das amostras incluídas nesses estudos pode limitar nosso entendimento da genética psiquiátrica humana e criar novas desigualdades na saúde”, alerta Diego Rovaris, geneticista da Universidade de São Paulo (USP) e primeiro autor do estudo.

Ao Science Arena, Rovaris explica que a complexidade genética das populações da América Latina e a falta de financiamento para pesquisas na região são fatores que dificultam sua inclusão. O genoma latino-americano é resultado da mistura entre diferentes origens populacionais, o que exige abordagens específicas, muitas delas ainda em desenvolvimento, e maior investimento científico.

“É fundamental aumentar a diversidade das amostras em estudos psiquiátricos”, afirma a geneticista Maria Cátira Bortolini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que não participou do estudo. “Esse trabalho deve chamar atenção de autoridades e órgãos financiadores.” 

A base genética dos transtornos psiquiátricos 

Para entender a base genética dos transtornos psiquiátricos, os cientistas utilizam a metodologia GWAS (Estudo de Associação Genômica Ampla).  

O método compara o genoma de pessoas com e sem determinados transtornos, buscando variantes associadas ao risco de desenvolvimento da doença. 

Um estudo recente sobre depressão analisou 5 milhões de participantes, incluindo miscigenados, e identificou dezenas de variantes genéticas relevantes. As variantes de risco são mutações que, isoladamente, têm efeito pequeno, mas, em conjunto, podem influenciar o surgimento de transtornos. 

“Os genes afetados interagem entre si, e seu impacto depende da composição genética do indivíduo”, explica Bortolini, da UFRGS. “Uma variante pode representar risco numa população europeia, mas não entre latino-americanos.” 

Com base nas variantes identificadas, os pesquisadores investigam as vias biológicas associadas, como a produção de dopamina, neurotransmissor relacionado à atenção e ao controle de impulsos.  

“Em um GWAS de TDAH, identificamos 76 genes de risco, que atuam, principalmente, em neurônios que se comunicam por meio de dopamina em regiões do cérebro importantes para a atenção,” destaca Rovaris.

Terapias mais eficazes e diversificação de amostras 

Uma das ferramentas que está sendo aperfeiçoada é o Escore de Risco Poligênico (PRS, na sigla em inglês), que mede a predisposição genética a um transtorno a partir da análise das variantes no DNA. “Quem já nasce com muitas variantes associadas a um transtorno tende a ter um risco aumentado para desenvolver esse transtorno ao longo da vida, assim como um pior prognóstico”, observa Rovaris.

A aplicação do ERP em aconselhamento genético pode ajudar na prevenção e escolha de terapias mais eficazes. No entanto, é fundamental que o escore seja calibrado com dados da população local.  

“Não adianta usar um ERP feito na Europa ou nos EUA para a população brasileira”, ressalta Rovaris.

Para ampliar a diversidade nos estudos, foi criado o Consórcio de Genômica Latino-Americano, reunindo mais de cem geneticistas de diversos países da região. A iniciativa busca facilitar a formação de equipes, captar recursos e capacitar pesquisadores. 

“Esse artigo serve como um guia para a diversificação das amostras”, observa Bortolini. 

O consórcio também atua na ampliação dos bancos de dados regionais, para engajar mais participantes e fortalecer a representatividade das populações latino-americanas na ciência psiquiátrica.  

“Nosso objetivo é promover a colaboração científica na América Latina e expandir os bancos de dados com amostras representativas da região e tornar a psiquiatria de precisão uma realidade para todos, independentemente de grupo étnico e nível socioeconômico”, conclui Rovaris.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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