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14.10.2025 Imunologia

Nobel de Medicina reconhece estudos que ajudaram a desvendar sistema imunológico

Laureados ajudaram a desvendar as chamadas células T reguladoras, que impedem sistema imune de atacar o próprio organismo

Ilustração de célula T reguladora personificada como uma nave espacial roxa, com a inscrição “Treg” e um operador usando capacete com o nome “Foxp3”, observando outras células coloridas por meio de binóculos em um ambiente azul. Ilustração representa uma célula T reguladora (também chamada de Treg) em forma de “nave de patrulha”, guiada pelo gene Foxp3 — elemento-chave que controla sua função de “freio” do sistema imunológico; essas células monitoram e mantêm o equilíbrio entre defesa e autodestruição no organismo | Imagem: © The Nobel Committee for Physiology or Medicine. Ill. Mattias Karlé

Passados 125 anos desde que o microbiologista alemão Emil Adolf von Behring (1854–1917) se tornou o primeiro laureado com o Nobel de Fisiologia ou Medicina por desenvolver uma terapia de soro contra a difteria — sendo considerado um dos precursores da imunoterapia —, outros três cientistas da área foram agraciados em 2025 pelo Instituto Karolinska, na Suécia, responsável por selecionar os vencedores.

O Nobel de Medicina de 2025, anunciado na segunda-feira (06/10) reconheceu pesquisas que desvendaram mecanismos do sistema imunológico

A láurea foi concedida aos imunologistas Mary Brunkow, 63 anos, e Frederick Ramsdell, 64, ambos dos Estados Unidos, e Shimon Sakaguchi, 74, do Japão. Os três vão compartilhar (em partes iguais) a premiação no valor de 11 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 6,2 milhões). Além disso, cada um receberá um diploma e uma medalha de ouro.

A cerimônia de entrega está prevista para 10 de dezembro, aniversário da morte do químico sueco Alfred Nobel (1833-1896), inventor da dinamite e que, em testamento, destinou parte de sua fortuna para premiar pessoas que, de alguma forma, contribuíram para trazer algum benefício à humanidade.

Tolerância imune periférica

Basicamente, os três cientistas mostraram – em pesquisas publicadas entre 1995 e 2003 – como o organismo evita atacar a si mesmo. É como se o sistema imunológico dissesse: “se não me regular, eu vou atacar”.

Eles impulsionaram linhas de pesquisa que revelaram a função dos chamados linfócitos T reguladores (Treg) – células do sistema imune que suprimem a resposta inflamatória e desativam outras células T capazes de atacar o próprio corpo. 

“Os achados publicados por esses pesquisadores foram decisivos para a nossa compreensão de como o sistema de defesa funciona e por que nem todas as pessoas desenvolvem doenças autoimunes graves”, declarou Olle Kämpe, presidente do comitê Nobel, em um comunicado de imprensa

Na prática, os linfócitos T reguladores impedem que o sistema imune ataque as próprias células e tecidos do organismo. Quando falham em sua missão de controle, o corpo se volta contra si mesmo e pode desencadear doenças autoimunes como lúpus, esclerose múltipla, diabetes tipo 1 e artrite reumatoide.

O comunicado oficial da Assembleia do Instituto Karolinska destaca que as descobertas lançaram as bases para um novo campo de pesquisa, dedicado a investigar a chamada tolerância imune periférica. 

Trata-se de um dos mecanismos responsáveis por controlar a ação de linfócitos T efetores – um tipo específico de linfócito que combate ativamente os agentes infecciosos. A tolerância periférica, porém, só começou a ser desvendada em meados dos anos 1990, pelo japonês Shimon Sakaguchi.

Até então, já se sabia desde a década de 1980 que, após serem produzidas no interior dos ossos, uma parte das células de ataque (os linfócitos T efetores) passam por um processo de seleção no timo.

Nesta glândula, localizada na parte mais alta do peito, são identificados e eliminados exatamente os linfócitos T capazes de reconhecer proteínas do próprio organismo, gerando resposta autoimune. 

Ocorre que esse primeiro mecanismo de controle, conhecido desde os anos 1980 e batizado de tolerância imune central, não é infalível: alguns linfócitos T efetores “burlam” a triagem do timo, levando ao desenvolvimento de doenças autoimunes.  

Por muito tempo, cientistas se perguntaram por que o sistema imunológico não se volta contra o próprio corpo com mais frequência – uma vez que há células T que escapam desse “processo seletivo” no timo.  

Mulher de cabelos grisalhos e longos, usa óculos e fala segurando um microfone durante uma coletiva de imprensa. Atrás dela há um painel azul com o logotipo do Instituto de Biologia de Sistemas (ISB) e o texto “Science Transforming Health”. Mary Brunkow fala em coletiva de imprensa realizada no Instituto de Biologia de Sistemas (ISB) após o anúncio do Prêmio Nobel, em 7 de outubro de 2025 | Imagem: Alex Garland/ISB
Homem asiático de terno azul e gravata, sorri durante uma coletiva de imprensa na Universidade de Osaka. À frente dele há microfones, flores e pelúcias de sapos; ao fundo, um painel com o logotipo e o nome da universidade em japonês e inglês. O professor Shimon Sakaguchi durante coletiva de imprensa na Universidade de Osaka, após o anúncio de seu Prêmio Nobel, em 6 de outubro de 2025 | Foto: Universidade de Osaka
Homem de meia-idade, com barba grisalha curta e óculos, veste paletó escuro e camisa azul clara. Ele está de braços cruzados e sorri em um laboratório iluminado, com prateleiras repletas de caixas e frascos de pesquisa ao fundo. Fred Ramsdell em laboratório, 2015 | Foto: Fredramsdell, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Tudo levava a crer que o sistema imunológico contava com um segundo mecanismo para frear linfócitos T fora de controle. Alguns pesquisadores trabalharam com a possibilidade de haver o que chamaram de “células supressoras”, isto é, linfócitos T encarregados de aniquilar linfócitos efetores que escapam do timo. 

No entanto, quando se constatou que algumas das evidências a favor da hipótese das células supressoras eram falsas, esse campo de investigação perdeu força e prestígio dentro da comunidade científica. 

Sakaguchi, contudo, seguiu na direção contrária. No Instituto de Pesquisa do Centro de Câncer Aichi, em Nagoia, no Japão, realizou experimentos com camundongos a fim de compreender a função do timo no controle do sistema imune.

A função do gene Foxp3

Inspirado por um experimento anterior, cujos autores removeram cirurgicamente o timo de camundongos recém-nascidos, Sakaguchi isolou linfócitos T que haviam amadurecido em camundongos geneticamente idênticos, e as injetou em camundongos sem timo. 

Isso teve um efeito surpreendente: parecia mesmo haver células T capazes de proteger os roedores de doenças autoimunes.

Este e outros resultados semelhantes convenceram o pesquisador japonês de que, entre os linfócitos T, deveria existir um tipo específico, que atuasse como “guarda” ou “vigilante”, acalmando outras células T e as mantendo sob controle. 

Em 1995, Sakaguchi conseguiu isolar um pequeno subconjunto de linfócitos T que expressavam uma proteína chamada CD25 e demonstrou que, quando essas células T eram removidas, os camundongos passavam a desenvolver doenças autoimunes graves. 

Esse achado foi a primeira evidência direta da existência dos linfócitos T reguladores. 

Em 2001, Mary Brunkow e Fred Ramsdell fizeram outra descoberta fundamental. Encontraram respostas para explicar por que uma linhagem específica de camundongos era particularmente vulnerável a doenças autoimunes. 

Brunkow e Ramsdell descobriram que os camundongos tinham uma mutação em um gene que chamaram de Foxp3. Também demonstraram que mutações no equivalente humano desse gene causam uma doença autoimune grave, a síndrome da imunodesregulação, poliendocrinopatia e enteropatia ligada ao cromossomo X (Ipex), mais comum em meninos. 

Dois anos depois, Sakaguchi conseguiu relacionar suas descobertas com as de Brunkow e Ramsdell. Ele provou que o gene Foxp3 “governa” o desenvolvimento das células que havia identificado em 1995 – os linfócitos T reguladores. 

Os achados dos três pesquisadores – somados aos de outros cientistas – ajudaram a estimular, nas últimas décadas, a busca por novos tratamentos contra câncer e doenças autoimunes. 

É o caso, por exemplo, dos medicamentos inibidores de checkpoint – um tipo de imunoterapia que procura diminuir a ação dos linfócitos T reguladores, possibilitando que o sistema imune ataque células tumorais de forma mais eficiente. 

Saiba mais sobre as células T reguladoras (Treg)

1. O que são?

As células T reguladoras, conhecidas como Treg, são um tipo de linfócito responsável por manter o equilíbrio do sistema imunológico. Elas controlam as respostas imunes para evitar que o corpo ataque os próprios tecidos.

2. Onde atuam?

São formadas no timo e circulam por diferentes tecidos do corpo, onde monitoram e ajustam a atividade de outras células do sistema imune.

3. Quando falham?

Quando as Treg perdem sua capacidade de controle, o sistema imunológico se torna hiperativo e começa a atacar o próprio organismo, originando doenças autoimunes como lúpus, esclerose múltipla e diabetes tipo 1.

4. Quando "pecam pelo excesso”?

Em alguns casos, as Treg podem ser “boas demais” — protegendo tumores e impedindo que o sistema imune os reconheça como ameaça. Esse efeito é uma das grandes barreiras na luta contra o câncer.

5. Como podem ser usadas em imunoterapias?

O desafio atual da medicina é ajustar esse equilíbrio. Em câncer, busca-se inibir as Treg para liberar a resposta imune; nas doenças autoimunes, o objetivo é fortalecê-las ou reeducá-las para restaurar a tolerância imunológica.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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