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24.05.2024 Diversidade

Equidade de gênero em patentes precisa melhorar

Participação de mulheres em solicitações de patentes cresce em ritmo mais lento do que em publicações científicas, analisa Fernanda Gusmão, da Elsevier

Considerando-se as patentes em que todos os inventores são mulheres, há uma relativa estabilidade em percentuais entre 3% e 6%, ao longo dos últimos 15 anos, de acordo com relatório da Agência Bori e da Elsevier | Imagem: Shutterstock

Entre 2002 e 2022 a participação de mulheres na ciência como autoras de publicações científicas no país cresceu 29%, saltando de 38% para 49% no período. O dado é do relatório Em direção à equidade de gênero na pesquisa no Brasil, lançado em março pela Agência Bori e a editora holandesa Elsevier.

O Brasil ocupa, atualmente, a terceira posição no rol de países com maior participação feminina na ciência, entre 18 países, mais a União Europeia, ficando atrás apenas da Argentina e de Portugal – ambos com 52% de publicações científicas com autoras mulheres.

Os dados do relatório mostram que a participação feminina nas duas décadas ultrapassa os 60% em áreas como Enfermagem (80%), Farmacologia, Toxicologia e Farmacêutica (62%) e Psicologia (61%). No entanto, fica abaixo dos 30% em áreas como Matemática (19%), Ciência da Computação (21%) e Engenharia (24%). Um ponto de atenção, segundo os autores, é a queda para 36% da participação das mulheres entre cientistas mais experientes. 

Além de abordar esses dados, em entrevista ao Science Arena, Fernanda Gusmão, gerente de Soluções para Pesquisa da América Latina da Elsevier, explica que, na área de patentes, a equidade de gênero é mais lenta. As patentes em que todos os inventores são mulheres ficaram com estabilidade nos últimos 15 anos, de apenas 3% a 6%.

Esse movimento não acompanha o ritmo de crescimento das patentes em que os inventores são homens e mulheres. Nos últimos anos, essas patentes cresceram de 24%, em 2008, para 33%, em 2022.

Science Arena – O que motivou a Elsevier e a Agência Bori a se unirem neste projeto?  

Fernanda Gusmão – A parceria entre Elsevier e Bori existe desde 2023, com o objetivo de ajudar na missão da Bori, que é difundir o conhecimento científico. Já publicamos outros relatórios sobre diferentes temas. Um deles, que teve muita repercussão, foi sobre a queda na produção científica do Brasil de 2021 para 2022. A ideia é publicarmos, periodicamente, relatórios que tragam informações novas e insights sobre a pesquisa no Brasil.

Qual foi a metodologia adotada para trazer, com significância estatística, este cenário da distribuição entre autores, por gênero, das públicas científicas?  

O relatório sobre diversidade de gênero na pesquisa faz parte de uma iniciativa maior da Elsevier de mapear a diversidade na pesquisa. A diversidade de gênero é apenas um dos aspectos analisados. Na metodologia adotada, a Elsevier fez parceria com uma empresa que oferece uma ferramenta que analisa o nome dos autores e consegue determinar se aquele nome é masculino ou feminino. Há algumas limitações nessa metodologia. Uma delas é que ela só reconhece gêneros binários. Apesar disso, o dado traz à tona a discussão da diversidade dentro da ciência. 

Foi possível identificar os fatores que mais contribuíram para esse aumento de 11 pontos percentuais de presença feminina em duas décadas?  

Esse relatório não se debruçou sobre esse ponto. Foi mais uma análise numérica. No entanto, podemos observar que esse avanço da participação feminina na ciência é um reflexo do avanço da participação feminina em diferentes aspectos. As mulheres têm realmente vencido barreiras e se destacado em diferentes áreas profissionais.

Hoje são CEOs e são presidentes em diferentes nações. A ciência também seguiu esse caminho. É um processo das mulheres realmente se sentirem mais empoderadas, correrem atrás dos seus sonhos e não terem medo de disputar cargos de liderança e posições de destaque.

Fernanda Gusmão, da editora holandesa Elsevier: “são os homens aqueles que mais comumente são os líderes dos projetos de pesquisa e, com isso, eles acabam sendo os inventores das patentes” | Foto: Arquivo Pessoal

Embora praticamente metade daqueles que assinam os papers sejam mulheres, essa participação cai para 36% entre as cientistas mais experientes, quando comparadas com aquelas em início de carreira. Isso decorre do impacto da sobrecarga da mulher com dupla ou mais jornadas, por exemplo, na maternidade?  

Os números refletem exatamente isso. Conforme a mulher vai progredindo na carreira, alguns novos papéis se sobrepõem, o que acaba refletindo na carreira acadêmica. Um desafio muito comum, mencionado pelas pesquisadoras, é a questão da maternidade.

As mulheres bolsistas, por exemplo, têm o mesmo prazo para entregar os seus projetos que os homens bolsistas. Mas elas podem ter um filho durante esse processo. Com isso, a disponibilidade dessa mulher para escrever o seu projeto, para fazer sua pesquisa, acaba sendo comprometida.

Quais foram os principais pontos que vocês observaram ao analisar a presença das mulheres na ciência por área do conhecimento?  

Observamos que existe uma maior participação feminina em áreas do conhecimento ligadas à ciência da vida. Chega a ser mais de 60% em algumas dessas disciplinas. Há também uma participação menor em áreas como matemática, engenharia e física. Então, existe essa desproporcionalidade entre participação feminina e masculina, porém, notamos que nessas áreas de menor participação feminina, como física, engenharia, matemática, o crescimento foi bastante significativo nos últimos anos.

É desigual também a participação das mulheres como autoras principais, líderes de grupo de pesquisa e em busca por patentes?  

Analisamos a questão das patentes e observamos que a participação feminina, como inventoras de patentes, continua muito baixa. Ela era baixa no passado e continua assim, variando em torno de 3% a 6%. Estudando um pouco esse tema das patentes, uma das coisas que observamos é que são os homens aqueles que mais comumente são os líderes dos projetos de pesquisa e, com isso, eles acabam sendo os inventores das patentes.

Um dos obstáculos que identificamos, que poderiam atender ao anseio de mulheres inventoras, proprietárias de patentes, é que os grupos de pesquisa que geram patentes geralmente são liderados por homens.

Qual é o paralelo daquilo que se observou especificamente no Brasil com os demais países? Em que posição estamos e em quais exemplos o país deveria se inspirar para proporcionar equidade de gênero na ciência?  

O Brasil está na terceira posição em relação a países com maior número de mulheres autoras, ficando atrás apenas da Argentina e de Portugal, dentre uma lista de 18 países mais a União Europeia. O que observamos é que em outros países também existe essa predominância feminina em áreas mais voltadas a ciências sociais e áreas médicas. Nas ciências “mais duras”, como as áreas de ciências e matemáticas, a participação tende a ser um pouco menor. Isso se repete em outros países.

Esse é um tema muito novo, que o mundo da pesquisa, em geral, começou a olhar muito recentemente. Então, nós não identificamos nenhuma política ou nenhuma diretriz específica desses países, no sentido de aumentar a participação feminina na ciência. Eu acho que esse é um fenômeno que vem acontecendo, é um fenômeno mundial, as mulheres estão ocupando mais espaço em diferentes arenas e a ciência é mais um reflexo disso.

A boa notícia é que algumas universidades estão concedendo um prazo maior para bolsistas mulheres. Dentre as políticas, há um grupo de trabalho criado pelo Ministério da Educação [MEC], no começo do ano, para analisar a criação de uma política nacional de permanência materna nas instituições de ensino superior.

O que o estudo aponta sobre a ciência produzida cumprir com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos em 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU)?

Um aspecto interessante que a pesquisa trouxe é a questão da participação feminina nos artigos relacionados aos objetivos de desenvolvimento sustentável. Para quase todos os ODS, a contribuição feminina está no que a gente chama de zona de paridade, entre 40% e 60% dos autores sendo mulheres, com exceção do ODS 7, de energia acessível e limpa, e o ODS 9, de indústria, inovação e infraestrutura. Embora esses dois não estejam na zona de paridade, a participação feminina tem crescido nos últimos anos de forma significativa. 

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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