
Nos bastidores da edição gênica
Obra de Walter Isaacson é imperdível para entender contribuições da bioquímica Jennifer Doudna no desenvolvimento da técnica CRISPR-Cas9

O QUE RECOMENDO:
O livro A decodificadora: Jennifer Doudna, edição de genes e o futuro da espécie humana (Simon & Schuster, 2021), do jornalista e biógrafo estadunidense Walter Isaacson.
POR QUE ESTE LIVRO É RELEVANTE?
Nas últimas décadas, a terapia gênica vem se consolidando como uma alternativa terapêutica curativa, segura e eficiente para diversas doenças adquiridas e genéticas. Isso se deve ao avanço vertiginoso das ferramentas de edição gênica, em particular do sistema CRISPR-Cas, baseado em uma nuclease dirigida por RNA guia.
Essa história tem início na década de 1980, quando o aluno de doutorado Yoshizumi Ishino, da Universidade de Osaka, no Japão, observou pela primeira vez sequências repetitivas de 29 nucleotídeos no genoma da bactéria E. coli – que posteriormente seriam reconhecidas como espaçadores.
Essa descoberta culminou na descrição do sistema CRISPR-Cas9, publicada em 2012 na revista Science. O trabalho rendeu às pesquisadoras principais, bioquímica norte-americana Jennifer Doudna e a microbiologista francesa Emmanuelle Charpentier, o Prêmio Nobel de Química de 2020.
A linguagem acessível e assertiva do autor e biógrafo norte-americano Walter Isaacson – autor de biografias de grandes nomes da ciência e da inovação, como Albert Einstein (1879-1955), Leonardo da Vinci (1452-1519) e Steve Jobs (1955-2011) – cativa o leitor a cada capítulo, ao relatar a trajetória de Jennifer Doudna (pesquisadora da Universidade da Califórnia em Berkeley, Estados Unidos), os bastidores e a ciência envolvida.
O livro descreve minuciosamente o processo científico que levou da pesquisa básica e da caracterização funcional da proteína Cas9 à inovação e aplicação na saúde, incluindo o uso do CRISPR-Cas9 como ferramenta de edição gênica.
Além disso, Isaacson aborda as diversas aplicações do CRISPR-Cas9 e suas consequências, incluindo seu uso em diagnóstico, no desenvolvimento de vacinas contra a covid-19, no biohacking e no melhoramento genético.
Nos últimos capítulos, são discutidas questões éticas sobre o uso da ferramenta e como seu mau uso pode moldar o futuro da humanidade.
O caso do pesquisador chinês He Jiankui, que violou regulamentações nacionais e produziu os primeiros bebês editados por CRISPR no mundo – mutando deliberadamente o gene CCR5 para promover resistência ao vírus HIV em recém-nascidos – foi um grande alerta e um marco negativo que questionou a moral da ciência globalmente.
Tal evento intensificou as discussões sobre permitir ou banir totalmente a pesquisa de edição gênica na linhagem germinativa em humanos.

Apesar do dilema moral existente, não podemos ignorar o potencial da edição de genes para curar síndromes genéticas sem tratamento disponível, além de doenças adquiridas, como câncer, isquemias e infecções virais.
Dessa forma, o autor levanta questões sobre o futuro da ciência e deixa clara sua opinião de que os benefícios das aplicações do CRISPR-Cas superam os riscos envolvidos.
O QUE FAZ DESTA OBRA UMA LEITURA IMPERDÍVEL?
A ciência não está limitada às universidades e centros de pesquisa. Walter Isaacson, por meio de sua narrativa envolvente, relata diferentes trajetórias de doutorandos e pós-doutorandos que tiveram sucesso ao deixar a academia para fundar suas próprias empresas, baseando-se na inovação gerada pelo produto de suas teses.
O processo é altamente competitivo e envolve uma equipe de cientistas e outros profissionais que precisam se adaptar para compreender os desafios jurídicos relacionados à propriedade de patentes, além de aprender a dinâmica do mundo corporativo.
O caminho de um cientista não termina necessariamente em um laboratório; as opções são diversas, e a multidisciplinaridade veio para ficar.

Davi Coe Torres é biólogo formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestre em biologia celular e molecular pelo Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) e doutor em ciências biológicas pela Technische Universität Dresden, na Alemanha. É pesquisador do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, atuando em temas como terapia gênica, engenharia genômica, doenças raras e hemoglobinopatias.
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