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20.03.2025 Saúde Pública

O aumento da mortalidade por câncer

Transição epidemiológica de doenças cardiovasculares para câncer desafia pesquisadores e sistemas de saúde, afirma Leandro Rezende (Unifesp)

Unidade Básica de Saúde (UBS) no Distrito Federal: redução de mortes por doenças cardiovasculares no Brasil reflete avanços em políticas públicas e no acesso à atenção primária à saúde, enquanto o câncer ainda é desafio crescente | Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

As doenças cardiovasculares, como hipertensão e infarto do miocárdio, continuam como a principal causa de morte no Brasil. Entretanto, um estudo publicado recentemente na revista The Lancet Regional Health – Americas revelou que, entre 2000 e 2019, o câncer passou a liderar como a principal causa de mortalidade em 727 cidades brasileiras, o equivalente a 13% dos 5.570 municípios do país.

Em 2000, apenas 7% das cidades brasileiras tinham taxas de mortalidade por câncer superiores às taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares.

O educador físico Leandro Rezende, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coautor do artigo, explica que regiões economicamente mais desenvolvidas do país, como o Sudeste, registraram uma queda mais significativa nas mortes por doenças cardiovasculares.

Já o câncer segue crescendo em todas as regiões, incluindo áreas com menos recursos e menor acesso a serviços de saúde.

Em entrevista ao Science Arena, Rezende ressalta que a queda nas mortes por doenças cardiovasculares decorre principalmente de políticas contra o tabagismo e de avanços na atenção primária à saúde – enquanto o aumento de casos de câncer decorre de fatores como envelhecimento populacional e hábitos modernos, entre eles o consumo de alimentos ultraprocessados (geralmente ricos em gorduras, açúcares e conservantes).

Science Arena – Quais foram os principais fatores responsáveis pelo aumento das mortes por câncer em comparação às doenças cardiovasculares? Há algum fator específico que tenha surpreendido a equipe de pesquisa?

Leandro Rezende – Os principais fatores que explicam essa queda exacerbada nas mortes por doença cardiovascular é a redução no tabagismo, fruto de políticas de controle do consumo de tabaco que vêm sendo implantadas no Brasil desde a década de 1990 (como tributação, rotulagem e zonas livres de fumo).

Essa redução é mais mensurável a curto prazo para as doenças cardiovasculares, ao passo que, para os cânceres, nós precisaremos ainda de alguns anos para conseguir observar, por exemplo, uma redução expressiva nas mortes por câncer de pulmão.

O câncer é uma doença heterogênea, o que torna seu tratamento mais desafiador.

Esses fatores de risco explicam o fato de os municípios com maior renda per capita apresentarem o maior aumento da mortalidade por câncer?  

O fato de mostramos que o câncer passou, de forma gradual, a predominar como a principal causa de mortalidade em diversos municípios do país, especialmente naqueles que apresentam maior renda per capita (em estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul), é reflexo do maior controle de doenças cardiovasculares por parte desta população.

Em municípios com maior renda familiar per capita, também houve aumento dos casos de câncer impulsionados por fatores como o envelhecimento da população e mudanças no estilo de vida moderno – com destaque para o alto consumo de alimentos ultraprocessados.

Paralelamente, houve intervenções positivas em cardiologia que contribuíram para a queda de mortalidade por doenças cardiovasculares, em comparação com os óbitos por câncer?

Com o aumento da cobertura da atenção primária à saúde no Brasil, houve um melhor controle de comorbidades como hipertensão e diabetes, principalmente em municípios de maior renda.

Além disso, os avanços no diagnóstico precoce e no tratamento das doenças cardiovasculares podem ter contribuído para a transição epidemiológica em que há predominância do câncer no que diz respeito à mortalidade.

Quais são as principais barreiras, no Brasil, para o diagnóstico precoce e o tratamento adequado do câncer, especialmente em áreas com infraestrutura de saúde mais limitada?

Intensificar a prevenção primária do câncer, ou seja, evitar que a doença ocorra, é uma medida fundamental para frear o aumento da mortalidade. Já a prevenção secundária, que consiste no diagnóstico precoce, apresenta gargalos inclusive nos programas de rastreamento da doença no país.

A prevenção e a detecção precoce do câncer são estratégias fundamentais para reduzir a mortalidade de pacientes com tumor.

Ao mesmo tempo, políticas abrangentes com foco em fatores de risco modificáveis ​​– [condições ou comportamentos que podem ser alterados com mudanças de hábitos e estilo de vida] – são fundamentais para reduzir substancialmente a mortalidade por todas as doenças crônicas não transmissíveis, incluindo câncer e as cardiovasculares.

Com a mortalidade por câncer superando os óbitos por doenças cardiovasculares em uma em cada oito cidades brasileiras, quais são as mudanças estruturais que precisam ser adotadas no sistema de saúde público e privado, levando em consideração as disparidades sociais do país? 

Aproximadamente um terço das mortes por câncer poderiam ser evitadas por meio da redução dos fatores de risco conhecidos. Para tanto, são necessárias políticas públicas e programas que não só incentivem as pessoas a fazerem mudanças individuais, mas que ocorram, de fato, transformações substanciais nos hábitos da população.

Isso significa, por exemplo, realizar a tributação e a regulação da publicidade de alimentos ultraprocessados. São ferramentas que precisam ser acionadas para que consigamos ter um controle efetivo dos fatores de risco.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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