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15.05.2025 Pesquisa clínica

Otávio Berwanger: “Precisamos ampliar a eficiência dos ensaios clínicos randomizados”

Cardiologista brasileiro à frente do George Institute for Global Health UK e professor titular em Clinical Trials do Imperial College London defende estudos clínicos mais eficientes, inovadores e representativos, com uso de desenhos pragmáticos, tecnologia digital, uso de IA, dados do mundo real e participação ativa dos pacientes

Otávio Berwanger, cardiologista brasileiro, usando terno e gravata em ambiente corporativo, com fundo de vidro desfocado Otávio Berwanger, diretor do George Institute for Global Health: "Acho que é importante ter duas carreiras paralelas ou um hobby, algo que abra os horizontes" | Imagem: Arquivo Pessoal

Apesar de serem cruciais para o avanço da medicina, os ensaios clínicos randomizados ainda enfrentam diversos obstáculos: de tempo prolongado e alto custo para execução à falta de diversidade. Para enfrentá-los, o cardiologista e pesquisador Otávio Berwanger lidera iniciativas globais de larga escala que buscam tornar os estudos mais inclusivos, ágeis e cientificamente relevantes.

Professor titular em Clinical Trials do Imperial College London, no Reino Unido, Berwanger assumiu em novembro de 2022 a direção executiva do George Institute for Global Health UK em Londres, especializado, dentre outros tipos de pesquisa, em ensaios clínicos randomizados de larga escala.

Envolvendo colaborações em mais de 50 países, inclusive o Brasil, o instituto aborda diversos aspectos de saúde como doenças cardiometabólicas, AVC, doença renal crônica, pesquisa em UTI, doenças respiratórias e saúde da mulher.

Antes de se mudar para Londres, Berwanger liderou o desenvolvimento da primeira e maior Organização de Pesquisa Acadêmica (Academic Research Organization – ARO) do Brasil, no Hospital Israelita Albert Einstein, de 2017 a 2022.

A ARO do Einstein é uma unidade que coordena ensaios clínicos multicêntricos de alto impacto nacional e internacional, fornecendo suporte em áreas como liderança acadêmica, gerenciamento de centros e de dados, análise estatística e publicação dos resultados.

O pesquisador, que toca guitarra nas horas vagas, levou para a Inglaterra sua coleção de 25 instrumentos vintage (como Gibsons e Fenders dos anos 1950 e 1960).

Nesta entrevista, concedida por vídeo ao Science Arena, Berwanger fala sobre a evolução dos estudos clínicos e conta como concilia música e trabalho.

Science Arena – Como você aprendeu a projetar ensaios clínicos? 

Como o tema não era abordado na faculdade, aprendi estudando no tempo livre e comecei a trabalhar na área depois de me tornar cardiologista. A experiência prática da clínica me ajudou na hora de projetar ensaios de alto impacto nessa área.

Quais são os principais problemas dos ensaios clínicos atuais? 

Um dos entraves é que as amostras são pequenas para produzir resultados confiáveis – dependendo da questão de pesquisa, podem ser necessários entre 10 mil e 25 mil participantes. Outro problema é a falta de diversidade (a maioria dos estudos atuais incluem predominantemente homens brancos, que pode chegar a 70%, e poucos idosos). Também destaco o custo e o tempo elevados de execução consequentes da complexidade operacional demasiada e desnecessária destes projetos.

Por que isso acontece? 

Os estudos geralmente são restritos a hospitais ou centros de pesquisa altamente qualificados, em países desenvolvidos, atraindo pessoas brancas e de alta renda. As mulheres geralmente são sub-representadas devido a preocupações excessivas dos pesquisadores com os efeitos do tratamento na fertilidade e na gravidez.

Mesmo em países desenvolvidos, pessoas que moram longe terão dificuldade de chegar ao local ou sequer ficarão sabendo do estudo.

E pacientes idosos nem sempre contam com acompanhantes. Tudo isso acaba limitando muito a representatividade da amostra. Além disso, muitos estudos incluem processos demasiadamente complexos de recrutamento e seguimento de participantes, o que precisa ser urgentemente revisto. 

Como o George Institute for Global Health tenta superar esses desafios? 

Criamos recentemente um Innovative Clinical Trials Hub que está trabalhando o estado da arte em pesquisa clínica em áreas como desenhos pragmáticos alinhados à prática clínica, uso de dados de rotina, desenhos decentralizados, uso de inteligência artificial e envolvimento de representantes dos pacientes no desenho e condução dos estudos.

Tudo isso em perfeito alinhamento com as agências regulatórias, comitês de ética em pesquisa e autoridades em saúde. Por exemplo, dados de rotina de milhares de pessoas podem ser usados de forma segura e respeitando as normas de privacidade e confidencialidade, para rastreamento e recrutamento eficientes e rápidos de amostras de larga escala em ensaios clínicos randomizados.

Estes dados também podem evitar visitas e coletas desnecessárias. Fundamental também o uso de modelos pragmáticos de pesquisa, com o foco apenas nos dados absolutamente essenciais.

Além disso, a participação pode ser feita à distância. Por exemplo, dependendo do estudo, podemos enviar medicamentos até as pessoas, disponibilizamos questionários on-line, sessões de telemedicina e dispositivos automatizados para envio de dados. Só os procedimentos complexos são feitos no centro, agilizando imensamente todo o processo operacional do estudo.

Otávio Berwanger, cardiologista brasileiro, usando terno e gravata em ambiente corporativo, com fundo de vidro desfocado
Otávio Berwanger, diretor do George Institute for Global Health, com uma de suas guitarras vintage. Além da pesquisa científica, Berwanger é apaixonado por blues e rock | Imagem: Arquivo Pessoal

Procuramos envolver os pacientes no desenho do projeto, perguntando a eles o que esperam dos resultados. O objetivo da pesquisa deve ser ajudar o paciente, por isso saber suas expectativas é fundamental. 

Como a Inteligência Artificial pode agilizar a pesquisa? 

Realizando tarefas automatizadas, como determinando os desfechos do estudo num processo que chamamos de adjudicação de desfechos (para determinar de forma uniformizada a causa de eventuais mortes ou hospitalizações, por exemplo).

Tradicionalmente, os dados do óbito ou hospitalizações são enviados para um comitê independente de especialistas, que faz a análise a partir dos sintomas registrados no prontuário e em outros dados do paciente coletados para fins de pesquisa.

É um processo demorado e dispendioso. Como os critérios para essa avaliação são padronizados, um algoritmo pode descrever o óbito de forma eficiente e barata.

Além disso, também buscamos inovar no uso de desfechos de estudos e métodos estatísticos. Por exemplo, conduzimos alguns estudos adaptativos em plataforma que simultaneamente podem testar várias intervenções e identificar, precocemente, quais são aquelas com maior probabilidade de atingir resultados que possam beneficiar os pacientes.

Os governos estão investindo em plataformas desse tipo?

A Food and Drug Administration (FDA), dos EUA, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA), a Medicines and Healthcare products Regulatory Agency (MHRA) aqui no Reino Unido e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicaram diretrizes inovadoras para estudos descentralizados com dados de mundo real. Assim, estaremos preparados para testar novas vacinas e medicamentos em caso de futuras pandemias.

No Brasil, a Coalizão Covid-19 Brasil realizou ensaios clínicos randomizados com milhares de participantes em dezenas de centros do país e desenvolveu vacinas em tempo recorte. É um exemplo que deve ser seguido e ampliado.

O Brasil tem grande potencial para fazer estudos clínicos de alta qualidade devido à diversidade étnica da população e aos talentos de pesquisa.

A maior dificuldade é a colaboração entre instituições e grupos de pesquisa, mas estamos avançando graças aos estudos colaborativos globais.

Qual foi o balanço da ARO que você ajudou a desenvolver no Hospital Israelita Albert Einstein?

Fizemos estudos de alto impacto com colaborações nacionais e internacionais sobre doenças cardiovasculares e publicamos mais de 80 artigos em periódicos de alto impacto, como The Lancet, The New England Journal of Medicine e The Journal of the American Medical Association (JAMA). A experiência me ajudou a desenvolver as habilidades necessárias para assumir a direção do George Institute for Global Health UK, desta vez com um olhar global e de maior escala.

Como você concilia pesquisa e música?

São duas grandes paixões. A abordagem metódica é tão importante na pesquisa quanto na teoria musical. Na improvisação, a ideia é criar algo novo, assim como nos estudos clínicos é importante inovar.

Einstein tocava violino quando tinha uma equação complexa para resolver. Em uma escala de complexidade infinitamente menor do que a dele e dentro de minhas limitações, tento também fazer o mesmo com a guitarra, quando chego a um impasse na preparação de aulas ou quando travo escrevendo um artigo. Depois, as ideias deslancham.

Acho que é importante ter duas carreiras paralelas ou um hobby, algo que abra os horizontes.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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