
“Sempre desconfiei que um bom cientista poderia ser um bom empreendedor”
Fundador de quatro startups, Fabrício Pamplona reflete sobre sua transição da academia para o empreendedorismo e o impacto da comunicação visual na ciência

Há mais de uma década, uma palestra do cientista Miguel Nicolelis, da Universidade Duke, causou um forte impacto no farmacêutico Fabrício Pamplona. No evento Campus Party, Nicolelis apresentou slides que, de acordo com Pamplona, não faziam jus ao notável legado do neurocientista brasileiro radicado nos Estados Unidos.
“Foi legal assistir a palestra”, afirma Pamplona, que é doutor em farmacologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Mas os slides eram muito feios”, relembra, com franqueza.
Na época, Pamplona havia acabado de fundar sua primeira empresa, a Mind The Graph, que oferece serviços de comunicação visual para pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento.
Os slides de Nicolelis fizeram Pamplona refletir e chegar a uma conclusão: “A crise é estética”, brinca. “Mesmo um cara daquele nível, pesquisador famoso no mundo todo, tinha slides feios.”
Inspirado não apenas por apresentações pouco atraentes como as do neurocientista, mas pela possibilidade de desenvolver produtos, acessar mais recursos e divulgar ciência, Pamplona abandonou um cargo importante de pesquisador na iniciativa privada – que havia assumido depois de concluir o doutorado-sanduíche no Instituto Max Planck de Psiquiatria, na Alemanha.
Em entrevista ao Science Arena, Pamplona (que fundou quatro startups, vendeu duas e hoje atua como consultor e mentor de fundadores em empresas, particularmente envolvendo farmacologia e estratégias “go to market” para produtos de saúde) fala sobre empreendedorismo e o papel da comunicação visual na divulgação de ciência.
Science Arena – Qual foi o ponto de virada na sua vida para você se tornar um empreendedor?
Fabrício Pamplona – Senti, primeiramente, certo desconforto com a maneira como a carreira acadêmica é construída, principalmente no Brasil, onde você já entra muito perto do topo que pode atingir. Além disso, eu somava muitos interesses e não sentia que a universidade seria o ambiente para desenvolvê-los.
Quando estava no doutorado-sanduíche no Instituto Max Planck de Psiquiatria, por volta de 2007, vi uma startup nascer em um dos laboratórios. Fiquei impressionado, pensei que era um modelo diferente de atuação profissional para cientistas, no qual as pessoas conseguem fazer pesquisa de ponta, desenvolver produtos e impactar a sociedade. Voltei com a impressão de ser uma carreira com maior potencial de retorno e onde podia atuar com mais liberdade.
Via pessoas mais felizes nas startups do que na academia.
Como a formação científica ajudou na jornada de criar uma empresa dentro da área de comunicação visual?
Sempre gostei de comunicação, quase prestei vestibular para jornalismo. Paralelamente a minha carreira acadêmica, estava nascendo o design thinking, metodologia de criação de negócios e produtos. Isso me aproximou do design e me deixou super curioso a respeito dessa abordagem.
Infográfico é algo que me atrai desde criança, eu lia [as revistas jornalísticas] Superinteressante, Mundo Estranho, e isso me influenciou bastante. A vertente de criar negócios teve muito a ver com o design thinking e com o lean startup, que são duas metodologias de criação de produto e construção de negócios.
Em que consiste estas metodologias?
Elas utilizam ideias como hipóteses e testam com o público-alvo. Tem uma conclusão a partir daquele teste, você refina a hipótese e vai desenvolvendo o produto com base na opinião do outro. Quando vi aquilo, pensei: “Isso é o método científico!”. Se era assim que uma startup poderia ser criada, então eu deveria saber criar uma.
Sempre desconfiei que um bom cientista poderia ser um bom empreendedor, mas resolvi transitar e passar por essa jornada, porque a lógica era a mesma do pensamento científico.
Exemplos de templates, infográficos e slides desenvolvidos pela Mind the Graph | Imagens: mindthegraph.com
Quais são os principais obstáculos que os pesquisadores enfrentam ao tentar comunicar visualmente seus trabalhos?
É difícil encontrar maneiras criativas de comunicar elementos abstratos, como uma molécula ou conceitos e pensamentos intangíveis. Agora, quando você tem uma ideia de como fazer… bom, normalmente faltam recursos. Falta habilidade e, por isso, tipicamente, os cientistas vão atrás de coisas já pré-produzidas, como templates e ilustrações existentes.
Esse é o caminho que a Mind The Graph aproveitou, porque sabendo que, na falta de habilidades, pesquisadores vão buscar recursos, nós vamos dar os recursos para que eles possam montar uma apresentação e consigam se comunicar.
O que notei, atuando junto com potenciais clientes, pesquisadores e na minha própria experiência, é que os recursos disponíveis não eram confiáveis. As imagens do Google não são necessariamente corretas, e você não pode usá-las porque, na maioria das vezes, você também não tem o copyright. Quando encontra algo, cada imagem é de um estilo, então você combina todas em uma publicação e fica feio, fica amador.
Por que é importante para os cientistas desenvolverem habilidades de comunicação visual?
Tem uma questão de marca pessoal, de reconhecimento. Mas tem principalmente a questão de que a imagem fala mais do que palavras, para usar um velho ditado.
No âmbito da ciência, em que há tanto jargão técnico e barreiras da comunicação escrita, a imagem é uma forma de resumir tudo muito rapidamente, de uma maneira visualmente apelativa e atrativa, podendo alcançar mais gente. É uma questão de compromisso com o impacto da pesquisa, especialmente fora da academia.
As imagens feitas por inteligência artificial têm tomado conta das mídias sociais e ferramentas que usam IA também estão cada vez mais presentes no processo de elaboração de trabalhos acadêmicos. Qual você acredita que será o papel da IA na comunicação visual da ciência?
A inteligência artificial pode ajudar cientistas a se comunicar de maneira visual, mas está sendo mal utilizada. A questão é que ela só é inteligente à medida que a gente dá inteligência a ela.
Acredito muito na IA como ferramenta para realizar tarefas, mas precisa haver um trabalho cuidadoso na elaboração das instruções para as IAs.
Na Mind The Graph, a gente quer criar imagens a partir de textos (prompts). O cliente vai poder escolher criar uma imagem com nosso estilo, mas que ainda não existe na biblioteca da empresa.
O maior desafio é garantir que as imagens sejam cientificamente corretas. Por isso, estamos treinando a IA e é um processo longo.
O ser humano ainda é necessário para fazer a checagem do conteúdo. Robôs ainda não fazem isso de maneira que podemos considerar cientificamente confiável.
Eu acredito que a colaboração entre as inteligências é o caminho para ganho de escala do que é produzido, mas mantendo um padrão confiável.
Será que esse é o caminho para realizar o meu sonho grande, de que as pessoas consumam ciência como se fosse lendo um gibi?
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