
Como pesquisadores podem reinventar suas carreiras no mercado?
Especialista aponta caminhos para que pesquisadores possam reposicionar carreiras e aproveitar suas habilidades fora da academia

A fuga de cérebros no Brasil é uma realidade consolidada. O país tem dificuldades para reter seus talentos e é comum que pesquisadores busquem oportunidades no exterior após concluírem seus estudos. Um levantamento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) estima que entre 2 mil e 3 mil pesquisadores brasileiros atuem hoje fora do país.
A falta de reconhecimento, o corte de bolsas e a escassez de vagas nas universidades públicas são fatores que impulsionam esse movimento. A precarização das condições de trabalho na ciência contribui ainda mais para o problema.
“Existe uma percepção de que pesquisadores são ‘qualificados demais’ para o mercado de trabalho formal, e que este não irá incorporá-los”, afirma Jaqueline Ribas, estrategista de carreiras de profissionais da pesquisa e fundadora da Pesquisa de Impacto, iniciativa que busca facilitar a transição da academia para o mercado.
Apesar do considerável crescimento na parcela de mestres e de doutores na força de trabalho brasileira registrado nos últimos anos, tais participações ainda precisam crescer muito para se aproximarem das que existem em países como Portugal, França, Itália e Polônia, de acordo com o estudo Brasil: Mestres e Doutores 2024, do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).
“Existe um muro entre a academia e o mercado”, observa Ribas. “Informações sobre oportunidades de trabalho não chegam até pesquisadores em início de carreira. Há vagas formais, sim, mas esses profissionais não ficam sabendo delas ou não sabem como suas habilidades podem ser aplicadas em outros contextos.”
Esses outros contextos incluem organizações não governamentais (ONGs), empresas multinacionais e órgãos públicos. O desafio está em saber identificá-los e como se posicionar para aproveitá-los.
A seguir, Jaqueline Ribas compartilha passos fundamentais para pesquisadores que desejam explorar outras possibilidades profissionais além do meio acadêmico:
1. Reflita sobre suas competências
Olhar para si e para suas habilidades é o primeiro passo. “Pense na rotina de trabalho que você quer levar, nas responsabilidades que deseja ter e no tipo de empresa onde gostaria de trabalhar antes de olhar para o mercado”, orienta Ribas.
2. Valorize sua trajetória acadêmica como experiência profissional
Estudar é trabalhar. “É importante reconhecer a bagagem adquirida como um trabalho que exigiu muito esforço e que é perfeitamente transferível para o mercado de trabalho”, afirma a especialista. A comunicação científica, por exemplo, pode ser aplicada em consultorias ou na indústria farmacêutica.
3. Construa um networking além da academia
O LinkedIn é uma ferramenta poderosa para construir conexões fora do meio acadêmico. “Antes de começar a adicionar pessoas, atualize seu perfil. Ele será a sua vitrine”, recomenda Ribas. Além disso, participar de eventos e cursos do mercado pode ampliar significativamente as oportunidades.

4. Adapte seu currículo para o mercado
O formato do Currículo Lattes não é ideal fora da academia. Ribas sugere um currículo de no máximo duas páginas, com design limpo e foco na experiência prática. “Evite se apresentar como ‘estudante’, posicione-se como pesquisador”, orienta.
5. Fale a linguagem do mercado
Traduzir o jargão acadêmico para a linguagem mercadológica é essencial. “Evite termos muito técnicos ou específicos da academia.
Isso pode dificultar a triagem automática de currículos ou o entendimento de recrutadores de Recursos Humanos [RH]”, alerta.
6. Desenvolva novas habilidades
Busque cursos e certificações que ampliem sua visão de mercado, como gestão de projetos, comunicação corporativa, tecnologia ou conhecimentos gerais sobre negócios.
7. Explore setores em crescimento
Ribas destaca áreas que buscam profissionais com perfil acadêmico, como indústrias farmacêuticas, Organizações de Pesquisa Contratada (CRO), pesquisa clínica, análise de dados, ciência de dados, inteligência artificial (IA), educação, UX Research, ONGs e projetos de diversidade e inclusão.
“Há uma grande busca por profissionais com perfil acadêmico em áreas como análise de dados, IA, educação e, para quem vem da área de humanas, em UX Research e projetos de responsabilidade social”, explica.
8. Cuide da saúde mental
A transição de carreira pode ser desgastante. Jaqueline Ribas recomenda estabelecer limites, como evitar buscar vagas nos finais de semana ou acessar o LinkedIn diariamente.
“É importante se autoacolher, se respeitar e entender que existe um tempo para as coisas acontecerem”, conclui.
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