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28.07.2025 Comunicação

Daniel Dahis: “Cientistas precisam falar a língua das redes”

Radicado nos EUA, engenheiro biomédico brasileiro transforma sua rotina de pesquisa em conteúdo para milhares de seguidores nas redes sociais

O engenheiro biomédico Daniel Dahis transforma a rotina acadêmica em conteúdo acessível para o público nas redes sociais | Imagem: Arquivo Pessoal

“Não entendi uma palavra do que ele falou, mas achei incrível”, comentou o apresentador Luciano Huck, uma das principais celebridades da televisão brasileira, durante a edição de 2024 da Brazil Conference, que acontece anualmente em Boston, nos Estados Unidos. 

O evento é organizado pela comunidade brasileira de estudantes da Universidade Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), com o propósito de debater passado, presente e futuro do Brasil. 

Na edição do ano passado, a conferência completou 10 anos e Huck foi convidado para relembrar histórias de brasileiros nos Estados Unidos que ele conheceu. 

O pesquisador que impressionou o apresentador e foi citado durante sua palestra no auditório de Harvard é Dr. Daniel Dahis

“Encontrei Luciano Huck andando pela escola de negócios de Harvard, gravando um quadro para o programa de TV dele, e executivos de uma farmacêutica que me acompanhavam falaram que ele precisava conhecer o meu laboratório”, relembra Dahis. 

“Ele pegou o celular, fez um vídeo comigo para os stories e publicou para 21 milhões de pessoas.”

Até aquele momento, Dahis não tinha um perfil aberto no Instagram. Suas postagens eram como de qualquer usuário da plataforma: fotos de viagens, paisagens do Rio de Janeiro, sua cidade natal, de aniversários, amigos, a família e a namorada (atual esposa).  

A partir da visibilidade gerada pelo vídeo no perfil de Luciano Huck, no entanto, Dahis resolveu arriscar e começou a postar vídeos curtos sobre como é a vida e a rotina de um pesquisador brasileiro no exterior

Ciência com sotaque carioca

Com seu sotaque carioca característico, o engenheiro biomédico de 33 anos começou a mostrar o laboratório onde trabalha. Passou a falar sobre temas de interesse geral como saúde, ciência e pesquisas científicas com potencial de melhorar a vida da população

Em pouco mais de um ano, conquistou centenas de milhares de seguidores – até junho de 2025, seu perfil contava com aproximadamente 214 mil seguidores. 

Sua forma acessível de falar sobre ciência e saúde nas mídias sociais atraiu tanto público que, em fevereiro, ele se juntou a dois outros criadores de conteúdo (os brasileiros Mari Krüger e Yago Stephano), para oferecer treinamento on-line em comunicação científica. 

Foram mais de 200 inscritos na oficina de três horas de duração. 

Além de falar sobre ciência para um grande público no Instagram, o engenheiro biomédico é cientista líder da startup Biodevek, ex-incubada no ecossistema de Harvard. A empresa desenvolve soluções para prevenir hemorragias internas. 

“Trabalhamos com um biomaterial para fazer tratamento de lesões internas do corpo”, conta animadamente o pesquisador, da mesma forma como descreveu para Huck e empresários no ano passado.

Em outras palavras: “É como se fosse um band-aid para prevenir sangramento interno.”

Quando concluído o processo de pesquisa, a invenção poderá ajudar pacientes com úlcera, por exemplo, ou outras doenças que podem gerar complicações internas, além de ser utilizada para procedimentos minimamente invasivos durante a execução de uma colonoscopia e endoscopia – como a remoção de um pólipo ou tumor – que podem gerar risco de hemorragia interna. 

Medicina sem jaleco

Há pouco mais de três anos Dahis integra a equipe da Biodevek, mas seu interesse pela área da saúde começou muito tempo antes. “Formado” em medicina pelas séries House e Grey’s Anatomy, o adolescente Daniel Dahis achava que seria médico como os personagens que via na televisão. 

Na hora de decidir, no entanto, percebeu que queria estudar medicina, mas sem ser médico. Sua vocação estava menos no trabalho do cuidado direto a pacientes e na presença em consultório e mais nos bastidores da pesquisa na área da saúde. 

Foi sua prima quem o aconselhou a seguir na área de engenharia. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Dahis entrou em contato com o campo da engenharia médica.

Estudou tecnologia de imagem para detecção de câncer de mama e, no mestrado em engenharia biomédica, concluído no Instituto de Tecnologia de Israel (Technion), pesquisou métodos de ultrassom para medição da temperatura do cérebro. 

Na época do mestrado, com então 24 anos, foi crucial para Dahis desenvolver suas habilidades de comunicação. “Foram muitas mudanças ao mesmo tempo que me formaram em um nível cultural”, comenta o pesquisador. 

“Aprendi a dominar mais um idioma, tinha aulas em hebraico, então hoje falo quatro línguas”, conta. 

Em todas – português, inglês, espanhol e hebraico – precisou aprender a falar sobre seu trabalho, fosse com professores, colegas ou para um grande público. “Gosto de descomplicar as coisas”, afirma. 

Integrante da comunidade judaica, Dahis diz que sua origem e participação no movimento juvenil judaico durante sua vida influenciaram sua carreira. “Sempre fui participativo e estar em comunidade te faz interagir com outras pessoas e ser comunicativo, se preocupar com os outros”, reflete. 

“Um elemento muito presente na cultura judaica também é o do debate, está na nossa literatura, na nossa filosofia, então acho que minha curiosidade, o querer saber, buscar respostas, vem disso.”

Daniel Dahis cumprimenta Luciano Huck no palco do programa Domingão com Huck; ambos sorriem e conversam lado a lado diante de um letreiro luminoso do programa.
Encontro entre Daniel Dahis e o apresentador de TV Luciano Huck, que ajudou a impulsionar a visibilidade do cientista nas redes sociais | Imagem: Arquivo Pessoal

Do mestrado em Israel ao doutorado em Harvard

Foi de Israel que Dahis partiu para os Estados Unidos em 2020. Seu mestrado na Technion estava terminando quando ele assistiu a uma palestra de uma professora de Harvard sobre câncer. “Larguei meu celular e comecei a prestar atenção; no final na palestra eu estava pedindo para fazer doutorado com ela”, lembra Dahis. 

Entre 2019 e 2022 ele pesquisou métodos de imagens para tratamento e monitoramento de tumores, mais especificamente, de glioblastoma, um tipo de tumor cerebral. “É o mais comum e mais agressivo em adultos, o prognóstico é muito ruim”, afirma Dahis. 

“Pacientes sucumbem em até 20 meses, mesmo com os tratamentos mais radicais”, informa. “Imunoterapias ainda não funcionam e 98% dos fármacos não cruzam a barreira hematoencefálica que protege o tumor de receber fármacos da corrente sanguínea, é uma doença muito difícil”, diz. A ideia de seu projeto era usar o método ultrassônico (não invasivo) e nanotecnologia a fim de abrir temporariamente esta barreira no entorno do tumor para o tratamento localizado. 

“O câncer foi o motivo pelo qual tudo começou; eu perdi um tio para o câncer de pulmão, meu pai teve câncer colorretal e há estimativas de que um a cada dois homens vai ter câncer em algum momento da vida. Entre as mulheres, uma a cada três”, comenta Dahis. 

“Mas hoje não é mais um diagnóstico com uma sentença de morte como era antes, é uma doença séria; mas com mais possibilidades de tratamento”, afirma. 

A doença também é tema recorrente entre seus vídeos no Instagram. “É um assunto que sempre me deu medo e fascínio ao mesmo tempo”, diz. 

“Um cientista tem que saber falar a língua das redes sociais e não criar pânico.”

“Meu público é desde pessoas com pós-doutorado até adolescentes, acadêmicos e gente interessada em ciência e saúde, então sinto que tenho certa responsabilidade em comunicar a ciência.” 

Além do Instagram, um de seus projetos é escrever um livro infantil sobre o câncer. 

“Lidei com essa situação na família quando tinha 18 anos e meus irmãos eram muito mais jovens”, reflete. “Então acho que a comunicação é essencial para qualquer criança lidar com isso. O câncer não é mais uma sentença de morte como já foi um dia — e isso é muito bom. Remover estigmas e estabelecer perspectivas realistas sobre o tratamento pode fazer a diferença na vida de uma criança. Não podemos evitar a morte, mas podemos aprender a lidar melhor com ela.” 

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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