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19.12.2024 Perfil

Márcia Cominetti: ciência e empatia contra o Alzheimer

Bióloga lidera pesquisa que busca desenvolver método simples e menos invasivo para diagnosticar a doença que acomete sua mãe

De acordo com a Organização Pan-americana da Saúde (Opas) 10,3milhões de pessoas vivem com a doença de Alzheimer na região das Américas | Imagem: Shutterstock

Há três anos, Maria Ivone Valentini Cominetti foi diagnosticada com a doença de Alzheimer. “Ela começou com os sintomas típicos de perda de memória”, comenta Márcia Cominetti, 49, filha de Maria Ivone. A bióloga é especialista em Alzheimer e coordena o Laboratório de Biologia do Envelhecimento (LABEN) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior paulista.

“Não sei se foi destino ou coincidência”, diz Cominetti sobre o surgimento da doença da mãe. “Não sei se é bom saber tudo o que pode acontecer com ela, ou se a ignorância seria melhor nesse caso, mas cada pessoa com demência é uma. A progressão depende de muitos fatores”, afirma.

No caso de Maria Ivone, ela continua ótima, animada e feliz, segundo a filha. “Ela está ciente de tudo, tem suas opiniões e se mantém ativa desde o diagnóstico. A doença está progredindo lentamente no caso dela”, conta.

Entre as investigações mais recentes de Cominetti está a busca por um método mais certeiro no diagnóstico de Alzheimer, algo que seja tão simples quanto um exame de sangue.

Atualmente, o Alzheimer é diagnosticado por meio de questionários sobre cognição e memória. Se o paciente não atingir uma pontuação esperada para sua idade e escolaridade, o médico pode pedir exames bioquímicos para avaliar se há deficiências nutricionais causando algum tipo de demência, ou exames de imagem, como uma ressonância magnética ou uma tomografia, que podem ajudar a confirmar o diagnóstico.

Outro exame que pode ajudar na detecção é o de punção lombar, um tipo de procedimento de coleta de uma amostra de líquido cefalorraquidiano (que circula pelo sistema nervoso central).

“Os exames de imagem são caros e nem todo lugar tem os aparelhos”, explica a pesquisadora. “Já a punção lombar é um exame invasivo que pode trazer dores e efeitos colaterais, especialmente em pessoas idosas que podem ter outras comorbidades, e os questionários não são suficientes para fechar o diagnóstico.”

“A possibilidade de um exame de sangue é importante para desenvolver uma maneira mais barata, menos invasiva e mais precisa de diagnosticar o Alzheimer”, diz Cominetti.

Em casos de suspeita de Alzheimer, a ideia é que sejam rastreadas proteínas específicas relacionadas à doença diretamente no sangue. Há algum tempo as proteínas tau e beta-amiloide são relacionadas ao diagnóstico e buscadas por neurologistas em exames de ressonância magnética.

No sangue, elas ficam muito diluídas para serem encontradas, mas uma terceira proteína pode fornecer pistas importantes, a chamada ADAM10, que impede a formação da beta-amiloide.

Márcia Cominetti, bióloga e especialista em envelhecimento, combina ciência e experiência pessoal para buscar diagnósticos mais acessíveis e menos invasivos | Imagem: Arquivo Pessoal

Em altas dosagens no plasma de indivíduos com Alzheimer, pode indicar que ela não está atuando no cérebro e, portanto, facilitando a progressão da doença.

“Até alguns anos atrás, não existia um equipamento sensível o suficiente para encontrar esses biomarcadores pelo sangue, era só pelo líquor que circula pelo cérebro”, diz Cominetti.

“Agora, porém, existem aparelhos ultrassensíveis que possibilitam exames muito menos invasivos”, comemora a pesquisadora.

Validação de biomarcador

Desde 2017, cientistas do LABEN, sob liderança de Cominetti, têm investigado a ADAM10 e buscado validá-la como biomarcador do sangue para diagnosticar o Alzheimer. A pesquisa está na fase de testes com voluntários acima de 60 anos.

“Tomamos muito cuidado na abordagem com essas pessoas porque, por incrível que pareça, depois dos últimos anos de governo, elas se assustam quando se fala de participar de pesquisa, se sentem como cobaias”, conta a bióloga.

Equipe do Laboratório de Biologia do Envelhecimento (LABEN) da UFSCar, liderado pela bióloga Márcia Cominetti | Imagem: Arquivo Pessoal

“Então explicamos que vamos fazer uma avaliação de saúde e que estamos trabalhando na busca por um diagnóstico precoce do Alzheimer”, diz.

O segredo, diz Cominetti, é ter sensibilidade e empatia em relação aos voluntários. “Existem formas de conversar com uma pessoa idosa. É preciso ter cuidado, paciência e estudar as melhores estratégias”, aconselha Marcia Cominetti, da UFSCar.

Mais informações sobre o Alzheimer

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Quantas pessoas vivem com Alzheimer no mundo?

Em todo o mundo, o número chega a 50 milhões de pessoas que vivem com a doença. De acordo com estimativas da Alzheimer’s Disease International, os números podem chegar a 74,7 milhões em 2030, e 131,5 milhões em 2050, em decorrência do envelhecimento da população. A Organização Pan-americana da Saúde (Opas) estima que 10,3 milhões de pessoas vivem com essa doença na região das Américas.

A doença pode ser desacelerada ou até prevenida?

Um estudo publicado em agosto na revista The Lancet calcula que até 45% de todas as demências poderiam ser retardadas, desaceleradas ou até prevenidas. Lembrando que o Alzheimer é a forma mais comum de demência nos seres humanos.

O que fazer para reduzir o risco da doença ao longo da vida?

O trabalho publicado na The Lancet traz recomendações específicas para reduzir o risco de Alzheimer e demências em geral. Muitas delas exigem esforços coletivos e a elaboração de políticas públicas. Algumas medidas são:

  • Garantir educação de boa qualidade para todos e incentivar atividades cognitivamente estimulantes na meia-idade;
  • Tratar a depressão de forma eficaz;
  • Incentivar a prática de exercícios físicos;
  • Reduzir o tabagismo por meio de educação, controle de preços e prevenção do fumo em locais públicos;
  • Detectar e tratar a elevação do colesterol de baixa densidade (LDL), conhecido como “colesterol ruim”;
  • Reduzir o alto consumo de álcool por meio do controle de preços e maior conscientização da população sobre os níveis e riscos do consumo excessivo;
  • Reduzir a exposição à poluição do ar;
  • Entre outras recomendações.

Por que não podemos mais falar em “mal” de Alzheimer?

De acordo com a Federação Brasileira de Associações de Alzheimer (Febraz) – que coordena no Brasil a campanha Setembro Lilás – Mês Mundial de Conscientização sobre Alzheimer –, o Alzheimer não é um mal, mas uma doença como outras. A entidade recomenda substituir termos como “mal de Alzheimer” e “portadores da doença de Alzheimer” por “pessoas que vivem com Alzheimer”.

O que se sabe sobre o estigma associado à doença?

De acordo com o Relatório Mundial de Alzheimer de 2024, 88% das pessoas que vivem com demência relatam sofrer discriminação.

O relatório é apoiado por uma pesquisa global com mais de 40.000 indivíduos em 166 países.

O estudo indica que a falta de conhecimento também é presente entre profissionais da saúde: 65% deles acreditam incorretamente que o Alzheimer e demências em geral são uma parte ‘normal do envelhecimento’.

Além disso, mais de um quarto das pessoas no mundo todo acredita incorretamente que não há nada que possamos fazer para prevenir a demência, com esse número aumentando de 20%, em 2019, para 37% em 2024 em países de baixa e média renda.

O relatório da Alzheimer’s Disease International alerta que a falta de compreensão sobre a doença pode atrasar o diagnóstico e o acesso ao tratamento.

Para Cominetti, é surpreendente como algumas pessoas que têm a confirmação da doença em estágio inicial mantêm uma vida ativa. “Elas sabem que têm o diagnóstico e vão contornando; se esquecem uma palavra, usam outra parecida”, conta a pesquisadora.

“É bonito ver como as pessoas lidam com a demência sabendo que a têm, como encontram estratégias para continuar vivendo o mais ativamente possível e o melhor que puderem.”

No começo da doença, os pacientes são hábeis para dar opiniões e tomar decisões, “Acham que quando a pessoa tem demência, é o fim, mas não. A pessoa ainda tem opiniões e sentimentos. O que acontece é que, na fase mais grave, fica difícil de interpretar os sinais que ela dá sobre isso”, afirma a bióloga.

Uma trajetória moldada pela ciência

Cominetti é fascinada pelo estudo do envelhecimento, mas nem sempre foi assim. No início de sua carreira, logo após sua formatura na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 1998, trabalhou com biologia celular em um projeto com camarões.

No doutorado, já na UFSCar, a catarinense estudou serpentes venenosas. “Existem várias moléculas no veneno das serpentes que produzem hemorragias e inibem a proliferação de algumas células, o que tem relação com o câncer, que nada mais é do que uma proliferação descontrolada de células em diferentes tecidos”, conta.

Márcia Cominetti e sua mãe, Maria Ivone, um ano após receber o diagnóstico de Alzheimer: “Ela continua ótima, animada e feliz”, conta a filha | Imagem: Arquivo Pessoal

A pesquisa sobre a função dessas moléculas em casos de câncer a levou a viver por um ano em Paris, na França, onde enfrentou dificuldade com o idioma, mas viveu uma experiência marcante – assim como na Irlanda, onde dominou mais facilmente o inglês e fez parte do Global Brain Health Institute (GBHI) na Trinity College.

De volta ao Brasil em 2006, continuou a pesquisa com uma bolsa de pós-doutorado por cerca de três anos, até passar em um concurso para lecionar no curso recém-inaugurado de gerontologia na UFSCar.

“Acho que ninguém sabia direito o que era isso”, brinca.

Com a missão de ensinar disciplinas básicas sobre o envelhecimento, Cominetti precisou também estudar. “Como bióloga, eu entendia as bases do envelhecimento, mas tive que aprender muita coisa que estava fora da minha rotina”, relembra.

E quando ela começou a entender mais sobre envelhecimento, apaixonou-se. “Acho que a gente não faz o caminho, mas o caminho vai fazendo a gente, nos moldando.”

Prestes a completar 50 anos e com quase 25 de conhecimento acumulado sobre biologia, células, proteínas e envelhecimento, Cominetti espera conseguir preparar sua família para o que está por vir com o avanço do Alzheimer de Maria Ivone, sua mãe.

“Faço com ela tudo o que falo nos meus cursos que deve ser feito: atividade física, estimulação cognitiva – levei materiais de estimulação cognitiva que usamos no laboratório para ela – e digo para ela continuar indo ao supermercado”, diz a pesquisadora, que mora longe da mãe, mas se faz presente e divide o trabalho do cuidado com sua irmã.

“Acho que facilita as coisas, porque eu sei os próximos passos, mas também fica mais difícil porque eu sei”, reflete.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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