
Apoio à pesquisa é central para aprimorar serviços de saúde
Definição de prioridades e incorporação de resultados científicos ajudam a direcionar ações e a fortalecer sistemas de saúde no Brasil

A busca pelo uso de resultados de pesquisas para fortalecer os sistemas de saúde ao redor do planeta, promovendo sustentabilidade e reflexos diretos nas condições de vida e saúde das pessoas, não é recente.
Incorporar resultados de pesquisas em serviços e nos sistemas de saúde é de interesse de todos: pesquisadores, agências de fomento e sociedade. No entanto, isso ainda não é uma tarefa simples.
Desde a década de 1970, com o avanço da medicina baseada em evidências, pesquisadores de várias partes do mundo vêm se debruçando sobre maneiras de promover a incorporação dos resultados de pesquisas não somente para a tomada de decisões clínicas, mas também para a elaboração, aprimoramento e implementação de programas e políticas de saúde.
Um movimento muito forte se desenvolveu a partir do Canadá e deu o tom sobre nossas expectativas em relação à tradução do conhecimento, um conceito reconhecido para além da comunicação de resultados de pesquisas, como um processo dinâmico, interativo e iterativo que envolve produção e síntese do conhecimento, sua contextualização, comunicação e aplicação ética, visando o benefício da população.
Atualmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vem trabalhando fortemente nessa área, tendo lançado em 2021 um guia para a tomada de decisões informadas por evidências, chamado de Evidências, Políticas e Impacto.
Nesse guia, é apresentado de forma detalhada todo o ciclo de tradução do conhecimento, que compreende:
- Interação entre pesquisadores e tomadores de decisão;
- A priorização de problemas em saúde;
- A produção do conhecimento por meio de sínteses de evidências ou estudos primários.
Além disso, também é feita a contextualização desse conhecimento ao local onde será aplicado, bem como a democratização do conhecimento e a implementação dele.
Importante destacar que tudo é permeado por uma lente de equidade, para que os resultados de pesquisas não aumentem as desigualdades e vulnerabilidades da população, e promovam a sustentabilidade no uso das evidências científicas. A questão é tão importante que até uma agenda de pesquisa na área de tradução do conhecimento e decisões informadas por evidências vem sendo desenvolvida na OMS.
Incorporação de resultados
No Brasil, os processos de incorporação de resultados de pesquisa também vêm sendo buscados. Nas últimas chamadas públicas para fomento de pesquisas na área da saúde feitas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), todas as propostas têm que apresentar um plano de tradução do conhecimento.
Ou seja, informar já na submissão como pesquisadoras e pesquisadores pretendem entregar seus resultados para que possam ser incorporados por diversas áreas de governo.
Isso vem incentivando e fazendo crescer na comunidade científica uma reflexão importante sobre a finalidade das pesquisas realizadas, especialmente as financiadas com recursos públicos. Em São Paulo, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) também vem ampliando em suas chamadas públicas a necessidade de inclusão de informações sobre a incorporação dos resultados das pesquisas, como em seu Programa de Pesquisa em Políticas Públicas (PPPP), por exemplo.
Esse movimento é importante para a sociedade como um todo, que pode se beneficiar com resultados de pesquisas que promovam a resolução de problemas, garantam maior efetividade nos tratamentos e eficiência dos serviços e fortaleçam a gestão do sistema de saúde.
Outro bom exemplo desse movimento é o Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS), uma iniciativa de fomento à pesquisa do Ministério da Saúde que, desde 2004, apoia pesquisas cujos resultados possam ser incorporados para o fortalecimento do sistema de saúde.
Essa ação é inovadora em vários aspectos. São 27 programas, um em cada unidade federativa, e cada um deve envolver atores dos próprios estados em uma gestão compartilhada do programa. Parte do recurso é proveniente do Ministério da Saúde e parte é das Fundações de Amparo à Pesquisa, as FAPs, em cada unidade.
O objetivo é financiar pesquisas em temas prioritários de saúde e de gestão do setor saúde em nível local, que possam dar respostas aos principais problemas de saúde da população, assim como dos sistemas e serviços, que necessitam do conhecimento científico para sua resolução.
Dessa forma, cada unidade define suas prioridades, avalia e contrata os projetos com recurso próprio e acompanha a chamada e os resultados dos estudos.
Para isso, além da FAP, são recrutados representantes das Secretarias de Estado da Saúde (SES), que devem apoiar e promover a definição de prioridades de pesquisa, avaliação e acompanhamento das pesquisas e incorporação de seus resultados nos sistemas, serviços e políticas de saúde em nível local.
Benefícios para o sistema de saúde
No estado de São Paulo, pelo PPSUS, já foram realizadas oito chamadas públicas desde 2004, com mais de 250 pesquisas realizadas e um investimento superior a 41 milhões de reais, com a SES-SP sendo representada pelo Instituto de Saúde desde 2006.
Os resultados do programa são bastante impressionantes:
- Elaboração de linhas de cuidado;
- Formulação de políticas;
- Implementação de programas;
- Sugestões de processos de avaliação do sistema de saúde e de formação de recursos humanos para o SUS;
- Desenvolvimento de produtos e inovações sociais, entre outras ações.
A expressividade desses resultados se dá pela condução do programa de forma muito alinhada entre todos os gestores do PPSUS e, especialmente, pela forma como a comunidade científica entende o programa e se dedica em apresentar propostas que possam trazer benefícios para o sistema de saúde.
Contudo, esse não foi um processo simples nem implantado desde a primeira edição do programa.
Essa cultura no desenvolvimento de projetos de pesquisa com possibilidade de incorporação dos resultados aos serviços ou ao sistema de saúde evoluiu por meio de ações que foram realizadas para agregar cada vez mais a tradução do conhecimento ao PPSUS.
Um exemplo disso é a busca pela aproximação de atores sociais como pesquisadores e gestores no desenvolvimento dos estudos, estimulada desde a formulação do projeto com a parceria entre a academia e uma instituição pertencente ao SUS. Outro exemplo é a presença de gestores das secretarias estaduais e municipais e representantes do controle social nos eventos do programa, em que os pesquisadores apresentam resultados dos estudos, e o diálogo sobre a implementação é estimulada.
Além disso, também há a participação de gestores nos processos de priorização das linhas de pesquisa que comporão as chamadas públicas.
Recentemente, foram realizadas duas oficinas para definição das prioridades da próxima chamada pública do PPSUS.
A primeira, para levantamento dos principais temas e problemas de saúde do estado, realizada somente com as Coordenadorias da Secretaria de Estado da Saúde.
A segunda, ampliada, contou com a participação de mais de cem pessoas, entre pesquisadores, gestores e representantes da sociedade, que levantaram 14 linhas de pesquisa para o novo edital.
Este exercício foi considerado sucesso como uma primeira aproximação entre esses atores sociais. O próximo passo será o lançamento do edital, que deve acontecer em breve, para o qual são esperadas propostas que possam realmente buscar respostas para os problemas levantados.
Ainda existem muitos desafios para a incorporação dos resultados de pesquisas em serviços e no sistema de saúde. Contudo, a aproximação com os processos de tradução do conhecimento tem sido fundamental para que as lacunas entre pesquisa e gestão sejam reduzidas.
Exemplo disso é o PPSUS em São Paulo, que tem demonstrado com sucesso como isso é possível.
Maritsa Carla de Bortoli é graduada em Nutrição (UFPR), mestre em Nutrição Humana Aplicada (USP) e doutora em Ciência dos Alimentos (USP), pesquisadora e diretora do Centro de Tecnologia de Saúde para o SUS/SP do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, onde coordena o Núcleo de Evidências – afiliado à Rede para Políticas Informadas por Evidências do Brasil (EVIPNet).
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