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17.11.2025 Carreira

Transição de carreira: um espaço liminar

Quando seguimos em direção a novas perspectivas profissionais, a complexidade do desconhecido exige diferentes enunciados e conclusões

Mulher com mochila frente ao desafio de atravessar um terreno desconhecido Uma transição profissional exige coragem e cuidado, mas a habilidade para mudar de caminho e direção é essencial para manter o rumo nessa nova jornada| Imagem: Holly Mandarich| Unsplash

Recentemente, dispus de pouco menos de três mil caracteres para descrever minha carreira. Foi um desafio e tanto comprimir 25 anos em pouco mais de 400 palavras. Precisei da metade delas só para os últimos seis meses. Por causa daquele texto, fui convidado para escrever este ensaio sobre transição de carreira.

Depois do convite, revisitei aquele meu texto e olhei mais demoradamente as transições, e não a carreira. Relembrei das muitas mudanças ocorridas no passado e pensei em como mudei minha trajetória – e a mim mesmo –  tantas vezes, neste processo. 

Tentei reviver aqueles dias e percebi quanta ambiguidade uma transição nos impõe. Transitar é mais uma experiência do que um experimento, já que as regras não estão todas postas.

O termo transitar evoca, de sua origem latina, a mesma ideia de atravessar algo. É ir de um estado para outro, por meio de alguma coisa. E é dessa alguma coisa que vou falar.

Afinal, se você quer mesmo mudar de caminhos, inclusive dentro de uma mesma carreira, é esperado que sinta alguma insegurança, e busque clareza. É entre esses dois extremos que você vai navegar. 

E lembre-se, não existem receitas simples para situações complexas – eu pelo menos desconheço. Aqui, podemos perceber que a transição implica o que se chama “espaço liminar”.

Segundo a antropologia, o espaço liminar é o lugar simbólico de transição entre dois mundos. Como a arrebentação das ondas numa praia é um espaço liminar entre a areia e o mar, este espaço não é um limite a romper, mas uma experiência pela qual passar.

À medida que acumulamos experiências e expertises nas nossas áreas, muito da complexidade vai se condensando em processos complicados e mais bem definidos, sobre os quais temos algum domínio.  

Se você é um cientista experiente, por mais complicados que os processos sejam, eles são bem claros: orientar uma pesquisa, elaborar uma tese, desenvolver um projeto e submetê-lo para a apreciação por pares, disputar verbas, obter bolsas, aprovar publicações, apresentar relatórios. 

Enfim, os parâmetros estão dados e tudo faz sentido. Espera-se apenas que o cientista bem treinado alinhe os elementos numa sequência lógica e competente

Contudo, quando nos aventuramos em direção ao incerto, a complexidade emerge. Mais do que simples análise e resposta, ela exige diferentes enunciados e conclusões, frequentemente obtidos por tentativa e erro. 

Ambientes complexos

David Snowden, pesquisador britânico e ex-executivo da IBM, é o criador da Cynefin, uma estrutura conceitual usada para auxiliar na tomada de decisões em ambientes complexos. 

Ao apresentar sua metodologia, ele propõe três tipos de sistemas primários: 

1. ordenado (o óbvio e o complicado);
2. complexo e 
3. caótico

E é exatamente na intersecção desses sistemas que encontramos os espaços liminares, através dos quais os elementos transitam, e onde os impactos da transição são acomodados. 

Snowden diz que um estado liminar pode ser desorientador e ansiogênico, mas também é onde emergem as oportunidades e opções. A beleza da transição está em saber navegar esta ambivalência.

Essa área liminar entre o complexo e o complicado é uma prática iterativa por natureza. 

Aqui, somos capazes de suspender parcialmente nosso juízo, manter nossas opções abertas e permitir a emergência do novo. É como atravessar um rio tateando as pedras no fundo, sem saber exatamente onde pisar.

Porém, ao contrário do que ocorria antes, hoje, na construção de uma carreira, pode-se mudar de caminho e de direção, sem necessariamente descarrilhar. 

Imagino que, se você veio até aqui comigo, esteja pensando – você mesmo –  em fazer uma transição de carreira. Mas o que ofereço daqui para o final é apenas minha companhia, enquanto reflito um pouco sobre o que funcionou comigo. 

De forma geral, não aja precipitadamente. Não se aventure sem antes olhar com atenção o mundo ao redor. Tente desapegar-se das suas certezas (e das suas expectativas) boas e ruins. Use seus sentidos para experimentar as sensações. 

Pergunte aos que já transitaram sobre suas experiências. Depois, pense no que você já conquistou, não em como te nomearam. 

Afinal, não são as classificações ou as nomenclaturas que vão garantir seu sucesso, quiçá sua sobrevivência. Esse talvez seja o mais difícil dos exercícios para profissionais que atuam em ambientes de profunda dedicação especializada

A questão é: quais são as chamadas “habilidades transferíveis” que você carrega de onde você está que te levarão para onde você quer chegar? 

Que habilidades você está disposto a desenvolver? 

Infelizmente, fala-se mais dos sucessos e dos insucessos do que do processo de transição. O risco não está no desfecho, mas no processo. 

Por isso, tentei convocar suas emoções, seus receios e seus sonhos, porque eles são o aspecto menos falado quando tratamos de carreiras. 

Transições profissionais, como qualquer transição na vida, passam por desconfortos, excitações, nostalgias. São erráticas, raramente binárias. 

Ainda assim, estamos em constante transição em nossas carreiras, apenas nem sempre admitimos, mas mudamos de escopos, de funções, de papéis, e não apenas de áreas. 

Por fim, quero dizer que, dentre tantas emoções, a solidão não precisa ser uma delas. Procure outras pessoas, um mentor, um amigo, um sponsor. Apoie-se, abrigue-se. 

Se pretende trilhar um caminho pelo qual outros já foram, pergunte e vá. Se não, tenha compaixão por si e vá com calma, abrace suas falhas e aprenda com elas. 

Busque conforto quando precisar, mas ouse também. Abrace o novo e questione-se:

Há vários motivos por que alguém queira desistir de um processo previsível em construção e fazer outra coisa. 

Se é pelo interesse pela coisa nova, eu chamo isso de motivo positivo, da vontade. Se é para se afastar de algo que já não inspira, de um lugar tóxico ou de uma decepção, por mais que seja legítimo, é um motivo evitativo – que eu chamo de negativo.

Após perguntas e respostas, você não será mais a mesma pessoa do outro lado, mas novamente um novato naquela área, e tem que chegar inteiro. 

Cuide-se, nos vemos do outro lado.

Andre Bressan é médico pediatra, com dez anos de experiência na indústria farmacêutica. Atualmente é CMIO na rapha.health, que desenvolve soluções digitais para conectar pacientes e profissionais de saúde, e atua como consultor, mentor e palestrante de Medical Affairs e saúde digital. 

Os artigos opinativos não refletem necessariamente a visão do Science Arena e do Einstein.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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