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#Entrevistas

Eventos climáticos extremos precisam estar no centro da estratégia nacional de ciência

À frente da 5ª Conferência Nacional de CT&I, ex-ministro Sérgio Rezende fala das expectativas para o evento, adiado para julho devido às enchentes no Rio Grande do Sul

Para Sergio Rezende, "a urgência de um plano de prevenção e mitigação dos efeitos de eventos climáticos extremos será uma das principais pautas" da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação | Imagem: Luara Baggi (ASCOM/MCTI)

Após 14 anos, o Brasil voltará a promover uma Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). A primeira aconteceu em 1985 e as outras três em 2001, 2005 e 2010. A 5ª Conferência reunirá pesquisadores, estudantes, autoridades, empresários e representantes da sociedade para refletir sobre os desafios e o futuro da CT&I no Brasil. O objetivo é produzir diagnósticos e recomendações que possam subsidiar políticas públicas e ações de governo nos próximos 10 anos.

À frente da preparação do evento como secretário-geral está o físico Sergio Machado Rezende, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ex-ministro da Ciência e Tecnologia (entre 2005 e 2010), Rezende coordenou em 2022, ao lado de outros pesquisadores, um grupo encarregado de formular políticas de CT&I para os 100 primeiros dias do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que tomou posse em 2023.

Na entrevista ao Science Arena, Rezende faz um balanço das reuniões preparatórias, organizadas nos últimos meses, para coletar sugestões da sociedade para a conferência nacional e ajudar na construção de uma nova estratégia nacional de CT&I. Também fala sobre suas expectativas para a conferência nacional, prevista para ocorrer entre os dias 4 e 6 de junho, mas que foi adiada em razão das enchentes que atingem o Rio Grande do Sul.

Science Arena – A 5º Conferência Nacional de CT&I estava programada para acontecer em Brasília entre os dias 4 e 6 de junho de 2024, mas foi adiada. O que aconteceu?

Sergio Machado Rezende – Foi adiada por conta das enchentes que atingem o Rio Grande do Sul. No início da semana passada, começamos a receber mensagens de colegas gaúchos dizendo que não sabiam se conseguiriam viajar para Brasília para participar do encontro. A Anac [Agência Nacional de Aviação Civil] suspendeu as operações de pouso e decolagem no aeroporto de Porto Alegre por tempo indeterminado, de modo que eles não teriam como se deslocar.

Muitos colegas se solidarizaram com a situação e sugeriram o adiamento. Nossa primeira reação foi a de querer manter a conferência porque o centro de convenções já tinha sido reservado e pago para os dias 4, 5 e 6 de junho, mas consultamos a ministra [da Ciência, Tecnologia e Inovação] Luciana Santos e ela achou uma boa ideia adiar o evento.

Já há uma nova data?

Sim, será nos dias 30 e 31 de julho, e 1º de agosto. Estamos confiantes de que a situação no Rio Grande do Sul esteja melhor até lá.

As enchentes no Rio Grande do Sul expuseram a vulnerabilidade das cidades brasileiras a eventos extremos associados à crise climática. Como esse tema será abordado na conferência?

A urgência de um plano de prevenção e mitigação dos efeitos de eventos climáticos extremos associados às mudanças climáticas será uma das principais pautas da conferência nacional e já vinha sendo debatida nas reuniões temáticas preparatórias e conferências estaduais e municipais.

As consequências dos temporais e enchentes no Rio Grande do Sul estarão no centro do debate sobre ciência e clima durante a 5ª conferência nacional.

Também teremos várias sessões para discutir os riscos das mudanças climáticas nas cidades brasileiras e na Amazônia, a transição energética, a importância de ouvir a ciência para conter o agravamento da crise climática, entre outros temas. A intenção é discutir e propor elementos para criar uma estratégia nacional com políticas permanentes nessa área.

Como avalia os eventos preparatórios para a conferência nacional?

Superaram todas as expectativas. Definimos desde o início que haveria reuniões preparatórias temáticas porque não seria possível discutir a ciência e tecnologia brasileira em apenas três dias de conferência nacional. Inicialmente, seriam 15 reuniões temáticas, mas acabaram sendo 18. No entanto, as pessoas continuaram a propor outras reuniões sobre diferentes temas. Não tínhamos como acompanhar, organizar e financiar cada proposta, mas encorajamos sua realização e que as propostas fossem encaminhadas para a conferência nacional. Esses eventos passaram a ser chamados de conferências livres.

Tivemos 157 conferências livres, um número muito maior do que poderíamos imaginar. Também tivemos 27 conferências estaduais, cinco regionais e dez municipais. O conjunto de eventos prévios foi surpreendente. Mais de 70 mil pessoas participaram desses encontros preparatórios, um número recorde na história do evento.

Quais desafios se destacaram nas reuniões temáticas?

A ciência e tecnologia para o desenvolvimento social pautou grande parte das conferências livres. Foram mais de 80 tratando desse assunto. Outro tópico amplamente discutido foi o de políticas públicas de inovação, capazes de fazer com que as empresas invistam em pesquisa e desenvolvimento como contrapartida dos investimentos públicos que recebem.

O setor industrial do Brasil é conservador, voltado à fabricação de produtos primários, mais simples e que demandam pouca inovação. O país chegou a criar alguns mecanismos para mudar esse cenário, como a Lei da Inovação, de 2004, arcabouço legal que estimula a inovação e a pesquisa científica e tecnológica em diferentes setores da economia, e a Lei do Bem, de 2005, que concede benefícios fiscais a empresas que realizam aportes de investimentos em projetos de pesquisa.

Contudo, como não temos uma política industrial, esse arcabouço jurídico foi menos explorado do que poderia. Ainda estamos muito atrasados nesse sentido. É uma questão cultural, e não se pode mudar isso de uma hora para outra.

Um relatório preliminar divulgado no mês passado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) constatou que cada vez menos estudantes de graduação têm interesse em seguir a carreira acadêmica. Como esse tema tem sido abordado nas reuniões preparatórias?

Tivemos três eventos prévios tratando desse tema, e teremos uma sessão na conferência nacional que será coordenada pela atual presidente da CAPES, a professora Denise Carvalho, discutindo os caminhos da pós-graduação no Brasil e o que fazer para atrair os jovens para a pós-graduação. Um ponto em comum a todas as discussões que acompanhei sobre esse tema é a necessidade de expandir as opções de trabalho para os doutores.

As universidades públicas não dão conta de absorver o contingente de novos doutores que se formam todos os anos. Um caminho seria estimular a absorção desses profissionais pelas empresas.

A indústria brasileira ainda emprega um número pequeno de doutores. Temos esperança de que, com o aumento da interação entre universidades e empresas, mais empresas passem a valorizar a pós-graduação.

Como as propostas serão organizadas e apresentadas na conferência nacional?

Cada conferência regional e livre contou com uma comissão de documentação e sistematização responsável por organizar os documentos, sugestões e recomendações que surgiram e enviá-los aos debatedores que as apresentarão na conferência nacional.

A última conferência nacional foi em 2010. Por que a demora na realização de uma nova edição?

A primeira conferência aconteceu em 1985, quando da criação do Ministério da Ciência e Tecnologia, e as duas seguintes em 2001, ano de criação dos fundos setoriais, principal fonte dos recursos do FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], e em 2005, com a ideia de que seria importante realizar esses encontros a cada quatro anos.

Conseguimos seguir com esse plano e realizar a 4ª conferência nacional em 2010, mas nos anos seguintes o Brasil mergulhou em uma crise política e econômica que resultou no impeachment da presidente Dilma [Rousseff] e em oscilações no financiamento à CT&I.

A situação se agravou com a eleição de [Jair] Bolsonaro, e seu governo anticiência, e com a pandemia. As coisas já melhoraram razoavelmente com a eleição do presidente Lula, que ajudou a criar as condições necessárias para a realização da 5ª conferência. Uma das recomendações será a de que ela passe a acontecer quadrienalmente.

Como essas recomendações respaldam estratégias e políticas públicas para a área?

Assim como nas últimas conferências, apresentaremos as recomendações em um livro-resumo. A ideia é ajudar a orientar o governo para que ele possa elaborar um plano de ação para os próximos 10 anos, para recuperar a capacidade científica do país, combater a desindustrialização, aumentar os investimentos em pesquisa em áreas como saúde, energias renováveis, biotecnologia, inteligência artificial, semicondutores, entre outras, e promover o desenvolvimento social.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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