
Shaolei Ren: “Ciclo global da água está desregulado”
Professor da Universidade da Califórnia, Riverside, investiga pegada hídrica e impacto ambiental de grandes modelos de inteligência artificial

Modelos de inteligência artificial (IA) têm se destacado na busca por soluções para desafios globais, incluindo as mudanças climáticas e a gestão do consumo energético. Partindo da premissa de que a água é um recurso finito, cresce o esforço para medir e compreender, de forma transparente, as pegadas hídrica e de carbono da IA.
Ao mesmo tempo, busca-se revelar o impacto ambiental gerado pelos próprios modelos de IA em termos de consumo de recursos naturais.
Pesquisas lideradas por Shaolei Ren, professor de engenharia elétrica e de computação na Universidade da Califórnia, Riverside, nos Estados Unidos, exploram a chamada “pegada hídrica secreta” desses sistemas.
De acordo com Ren, o treinamento de grandes modelos de IA pode consumir milhões de litros de água. No entanto, os mesmos avanços tecnológicos podem ser usados para reduzir esse consumo.
Com a proposta de descobrir a pegada hídrica secreta de modelos de IA, estudos liderados por Ren apontam que um grande modelo de IA pode consumir milhões de litros para treinamento.
Paralelamente, indicam quando e onde utilizar a própria IA para reduzir o consumo. “Para uma IA verdadeiramente sustentável, é preciso adotar visão holística sobre pegadas hídrica e de carbono”, explica Ren em entrevista exclusiva ao Science Arena.
Science Arena – Por que a pegada hídrica da IA ainda recebe menos atenção quando comparada, por exemplo, à pegada de carbono? O que pode ser feito para mudar esta situação?
Shaolei Ren –Quando queimamos combustíveis fósseis, além do carbono, geramos muita poluição atmosférica, que impacta diretamente a saúde pública. A água não é uma exceção. Precisamos educar a sociedade sobre o que realmente significa consumir água. Quando tomamos banho, usamos muita água, mas a maioria desta água vai ser reaproveitada em outras coisas. Então, nós não estamos realmente consumindo tanta água assim. Em uma residência, só consumimos ou evaporamos cerca de 10% da água.
Outro fator importante é o uso de água para a agricultura e a agropecuária. Para produzir um quilo de carne, consome-se muita água. Porém, 95% a 97% é água “verde”, contida na terra, usada pelas plantas que alimentam o gado.
Quando falamos de pegada de IA, estamos falando também de aquecimento e geração de eletricidade. A água para a computação de IA é principalmente “água azul”.
É a água fresca dos rios, dos lares, que humanos podem usar diretamente. As indústrias estão crescendo, o ciclo global da água está desregulado e precisamos conservar mais.

O treinamento do GPT-3 tem sido destacado em seus estudos. Pode explicar o impacto hídrico de grandes modelos de IA em grandes centros de dados?
Na metodologia adotada, estimamos a pegada hídrica total — considerando retirada e consumo — incluindo água operacional e água incorporada. Analisamos o GPT-3, um modelo com 175 bilhões de parâmetros usado para serviços de linguagem.
O treinamento do GPT-3 em data centers de última geração da Microsoft, nos EUA, pode consumir um total de 5,4 milhões de litros de água.
A preocupação é que esses números aumentem com o GPT-4, lançado em 2023. O GPT-3 é um modelo que foi treinado há alguns anos e que deixou de ser grande.
Mesmo nos modelos maiores de linguagem, cada inferência não requer muita energia ou água. Mas, considerando toda a demanda, o consumo total de água para a inferência é maior do que na fase de treinamento.
O GPT-4 pode prever o impacto futuro no consumo de recursos?
Ainda não há dados concretos suficientes sobre o GPT-4, mas podemos fazer projeções baseadas em modelos menores.
Por exemplo, o uso de energia hidrelétrica para que um sistema como o GPT-3 escreva um e-mail médio equivale ao consumo de uma garrafa de 500 mililitros (mL) de água.
Quais medidas podem reduzir a pegada hídrica dos modelos de IA? É possível equilibrar impactos hídricos e de carbono?
Primeiro, é preciso haver conhecimento. Precisamos saber sobre o que é consumo de água, para que possamos tomar uma decisão informada. A outra coisa é que também precisamos olhar para as diferentes regiões, considerando a escassez e eficiência da água. As empresas técnicas já estão fazendo computação inteligente de carbono.
Essencialmente, elas tentam mudar o desempenho para locais com melhor eficiência de carbono, para reduzir a emissão. E eles podem fazer a mesma coisa com a água. A água é um recurso regional.
Há uma maneira efetiva de balancear o impacto da água e do carbono ao mesmo tempo?
Entender tanto o impacto da emissão de carbono quanto do consumo de água precisa ser um objetivo comum. Para resolver o problema matemático, ambos precisam estar na equação. As comunidades locais precisam estar representadas na arena política para que a água não seja negligenciada. Em regiões como Uruguai e Arizona, onde há emergências hídricas, é essencial que a água receba a devida prioridade.
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