
“Saúde precisa ser força motriz na COP30”, diz diretor do Wellcome Trust
Para Alan Dangour, diretor de Clima e Saúde da fundação britânica, saúde tem de estar no centro das decisões da Conferência do Clima em novembro

Diante do agravamento da crise climática, a saúde pública se tornou uma das primeiras e mais evidentes formas de impacto sentidas pela população. Eventos extremos como ondas de calor, grandes inundações e secas prolongadas contribuem para a transmissão de doenças infecciosas e provocam aumento de internações e mortes por catástrofes e outras ameaças à saúde, como doenças cardiovasculares e respiratórias.
Para Alan Dangour, diretor de Clima e Saúde do Wellcome Trust (organização do Reino Unido de apoio à pesquisa biomédica) é fundamental que essa conexão entre clima e saúde seja mais do que reconhecida: ela deve guiar decisões estratégicas globais.
E a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (a COP30), que ocorrerá em novembro em Belém, no Pará, representa uma oportunidade decisiva, argumenta Dangour, que foi professor da London School of Hygiene and Tropical Medicine, na Inglaterra.
O Wellcome Trust é uma das principais fundações globais de fomento à pesquisa e atua de maneira estratégica para colocar a saúde humana no centro das ações contra as mudanças climáticas. Suas ações abrangem financiamento de pesquisas, apoio à formulação de políticas públicas e compromissos internos de sustentabilidade.
Em entrevista exclusiva ao Science Arena, Dangour fala sobre o papel das evidências científicas para influenciar políticas públicas, os desafios da pesquisa sustentável e os caminhos para fortalecer redes éticas e inclusivas, como o projeto Harmonize Brasil.
Science Arena – Qual é o principal propósito do Wellcome Trust ao apoiar pesquisas sobre clima e saúde?
Alan Dangour – O objetivo é que a pesquisa que apoiamos gere as evidências necessárias para elaborar políticas localmente relevantes e eficazes. Precisamos de ciência que não seja somente rigorosa, mas também ressonante e prática.
É preciso vincular os impactos climáticos a danos à saúde em tempo real, como os efeitos físicos do calor ou a expansão dos habitats de vetores de doenças infecciosas.
O Wellcome Trust priorizou o fortalecimento de redes de pesquisa no sul Global, como o projeto Harmonize Brasil. O que torna essas redes eficazes e justas?
Descobrimos que algumas das redes de pesquisa mais impactantes são aquelas lideradas e enraizadas em contextos locais. O projeto Harmonize é um ótimo exemplo de rede enraizada na pesquisa ética e no engajamento da comunidade. A iniciativa está estabelecendo um novo padrão para a justiça de dados em pesquisas sobre clima e saúde.
A saúde costuma ser a primeira e mais pessoal forma como as pessoas sentem os impactos das mudanças climáticas.
A proteção da saúde deve ser uma força motriz por trás da ação climática e esse compromisso precisa começar com a implementação real na COP30.
Estamos ansiosos para trabalhar com o governo brasileiro a fim de colocar a saúde no centro da ação climática.

As mudanças climáticas estão redesenhando o mapa das doenças infecciosas? De que forma?
Sabemos que muitas doenças infecciosas, como dengue, zika e cólera, são altamente sensíveis ao clima.
O aumento das temperaturas, das chuvas e dos eventos climáticos extremos está expandindo os habitats de vetores transmissores de doenças e interrompendo os sistemas de saneamento, tornando os surtos mais prováveis e difíceis de controlar.
No entanto, a relação é complexa e ainda não temos as ferramentas preditivas para antecipar onde e quando os surtos ocorrerão.
Como a ciência pode melhorar sua capacidade de prever e responder a futuras pandemias relacionadas a eventos climáticos extremos?
A ciência precisa se antecipar, integrando dados climáticos à vigilância de doenças para desenvolver ferramentas preditivas de surtos.
Investimos em novas plataformas digitais que combinam dados climáticos e de saúde para prever riscos de doenças e apoiar respostas de saúde pública mais rápidas e direcionadas.
Estamos com 24 equipes de pesquisa em 12 países, com a finalidade de modelar como eventos climáticos extremos impulsionam a transmissão de doenças, além de desenvolver sistemas de alerta precoce para surtos de cólera, dengue e outras doenças sensíveis ao clima.
Você argumenta que a ciência também precisa reduzir sua pegada ecológica. Quais mudanças concretas já estão sendo feitas e o que ainda precisa evoluir?
A condução precisa considerar a redução das emissões de laboratórios e viagens e incorporar a sustentabilidade às compras e infraestrutura.
Incentivamos os beneficiários a adotarem práticas mais sustentáveis, mas a mudança precisa ser mais profunda. A colaboração com outras disciplinas é essencial e, idealmente, será liderada por pesquisadores, governos e comunidades das regiões mais afetadas.
Com quais desafios vocês se deparam ao exigir práticas sustentáveis por parte das instituições apoiadas?
Mudar a cultura da pesquisa. Muitas instituições continuam no início de sua jornada rumo à sustentabilidade, e integrar a responsabilidade ambiental ao desenho de pesquisa ainda não é a norma.
Os pesquisadores agora devem considerar o impacto ambiental de seu trabalho, desde as emissões de laboratório até as viagens de campo – e explicar como o reduzirão em suas solicitações de financiamento. Também exigimos que os pesquisadores que trabalham em laboratório atendam aos padrões de sustentabilidade, como o LEAF ou o My Green Lab, até o final de 2025.
É uma grande mudança, mas essencial para que a ciência lidere pelo exemplo no combate à crise climática.
Como o Wellcome Trust vê o papel das comunidades locais e das populações vulnerabilizadas na construção de soluções para as crises climática e sanitária?
As comunidades locais não são somente afetadas pela crise climática. Elas são essenciais para resolvê-la.
Financiamos projetos que incorporam as vozes da comunidade desde o início, garantindo que as soluções não sejam apenas baseadas em evidências, mas também inclusivas, relevantes e acionáveis.
O que você diria aos jovens cientistas que desejam trabalhar nesta intersecção entre saúde, clima e justiça social?
Este é um espaço urgente e estimulante na saúde global. Há muita inovação na pesquisa sobre clima e saúde. É um campo novo, com enormes oportunidades para trabalhar nas intersecções entre várias disciplinas.
À medida que enfrentamos uma crescente emergência climática, trabalhar na intersecção entre clima e saúde é extremamente gratificante.
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