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18.12.2024 Genética

Esforço colaborativo para desvendar a síndrome de Down

Com foco na medicina personalizada, biólogo argentino Joaquin Espinosa detalha como avanços na pesquisa podem antecipar riscos e melhorar a vida de pessoas com Down

Joaquin Espinosa, diretor-executivo do Linda Crnic Institute for Down Syndrome, participou de evento no Brasil, onde apresentou avanços do Human Trisome Project e destacou a inclusão do país na pesquisa | Imagem: Moura Leite Netto

Em encontro com pesquisadores brasileiros no Centro de Ensino e Pesquisa Albert Einstein – Campus Cecília e Abram Szajman –, em São Paulo, o biólogo argentino Joaquin Espinosa destacou as novas descobertas e oportunidades terapêuticas relacionadas à síndrome de Down.

Espinosa é diretor-executivo do Linda Crnic Institute for Down Syndrome, um dos principais centros de pesquisa em Down do mundo, sediado na Universidade do Colorado, nos Estados Unidos. Fundado em 2008, o instituto é responsável por plataformas translacionais de pesquisa, abrangendo desde a pesquisa básica até a ciência aplicada, incluindo ensaios clínicos e assistência médica.

Durante a visita, foi oficializada a participação do Brasil, por meio do Einstein, no braço latino-americano do projeto global Human Trisome Project, liderado por Espinosa e vinculado ao programa INCLUDE, com apoio dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. O estudo é aberto, com dados disponíveis no site TrisomExplorer.

O objetivo do Human Trisome Project é melhorar a qualidade de vida de pessoas com Down, condição causada por uma cópia extra do cromossomo 21 (trissomia 21), abordando fenótipos comuns e condições associadas.

Apesar de alterações cromossômicas geralmente serem incompatíveis com a vida, a trissomia 21 permite que a maioria das pessoas tenha uma vida plena e autônoma, desde que receba estímulos e suporte clínico desde cedo.

O sequenciamento do cromossomo 21 em 2000 identificou 225 genes e revelou um perfil clínico único:

De acordo com Espinosa, a cópia extra do cromossomo 21 modula a aparência e a gravidade das principais condições médicas.

“O entendimento desta condição resultará em uma abordagem médica personalizada, que incluirá terapias para as pessoas que são afetadas por qualquer uma das muitas condições médicas moduladas pela trissomia 21”, explica o pesquisador.

Entre os estudos em andamento, investiga-se o uso do medicamento tofacitinibe em doenças imunológicas de pele.

“A trissomia 21 causa sinalização hipersensível de interferon [um tipo de sinalizador químico que inibe a multiplicação de vírus e ativa células de defesa no organismo], o que leva à desregulação imunológica”, esclarece Espinosa.

A partir disso, o grupo liderado por ele testou um inibidor da Janus quinase (JAK) – uma proteína intracelular fundamental nos processos inflamatórios – para mitigar a resposta de interferon, agindo nas condições de pele causadas por desregulação imunológica e em outras condições comuns na síndrome de Down, como hipotireoidismo e comprometimento cognitivo.

Em entrevista ao Science Arena, Joaquin Espinosa falou sobre a amplitude do Human Trisome Project, a inclusão de países da América Latina e os avanços na medicina personalizada para a Síndrome de Down.

Clique nos tópicos para saber mais:

Prevalência Geral de Condições Autoimunes

60% dos adultos com Síndrome de Down têm pelo menos uma condição autoimune.

Doenças Autoimunes da Tireoide

50% apresentam doenças autoimunes da tireoide (AITD), como hipotireoidismo ou hipertireoidismo.

Condições Autoimunes da Pele

35% das pessoas têm condições autoimunes da pele.

Doença Celíaca

10% são diagnosticados com doença celíaca.

Outras Condições Autoimunes

  1. Alopecia areata: 7,7%
  2. Dermatite atópica: 27,9%
  3. Psoríase: 6,1%
  4. Vitiligo: 1,9%
  5. Foliculite: 20,6%

Fonte: Human Trisome Project

Science Arena – No campo das análises multiômicas, para quais perguntas o seu grupo está buscando respostas?

Joaquin Espinosa – As análises multiômicas são muito importantes, pois permitem decifrar fenômenos. No nosso caso, queremos entender quais são as mudanças biológicas produzidas pelo cromossomo extra. Usamos o transcriptoma, proteoma, metaboloma, entre outras ferramentas ômicas, para analisar pessoas de diferentes sexos e idades. Com a multiômica, o processo de descoberta se acelera. Colecionamos os dados sem uma hipótese pré-definida, simplesmente buscando diferenças.

Em que consiste o INCLUDE e quais são as principais contribuições na busca por marcadores associados ao cromossomo 21 e no entendimento da síndrome de Down a partir de análises com grandes coortes e pesquisa clínica?

O INCLUDE é um projeto financiado pelos National Institutes of Health [NIH], dos Estados Unidos, que investiga como ocorrem as condições que mais acometem, ao longo da vida, as pessoas com síndrome de Down.

No contexto do projeto INCLUDE, atuamos com o Human Trisome Project, que reúne cerca de 50 linhas de pesquisa voltadas para pesquisa clínica feita com grandes coortes de pacientes, para a identificação de marcadores que expliquem o comportamento biológico da síndrome de Down.

A síndrome de Down não é uma doença, e, portanto, não se fala em cura. Mas, ao pensar em melhorar a qualidade de vida das pessoas, quais são as descobertas e oportunidades terapêuticas mais recentes?

A expectativa de vida dos pacientes tem aumentado, graças aos cuidados médicos e à sua inserção na sociedade. Hoje, por exemplo, as cardiopatias congênitas podem ser corrigidas por cirurgia.

As pessoas com síndrome de Down crescem mais devagar e não alcançam o seu tamanho ideal por falta de hormônio do crescimento, que é produzido em menor quantidade, e a reposição surgiu como uma opção terapêutica.

Sabemos também que há transtornos do sono, como a apneia, que pode gerar falta de oxigênio e impedir o desenvolvimento, por exemplo, da capacidade cognitiva. Estamos buscando tratamento para essa condição.  

Por que a inclusão de países da América Latina no Human Trisome Project é importante?

Na América Latina há uma variabilidade etnográfica, não somente de diferentes raças, como também de diferentes culturas, dietas e geografias climáticas. Pode haver muitos fatores capazes de modificar o efeito do cromossomo a mais da síndrome de Down nesta população.

Estamos muito entusiasmados em colaborar com os colegas do Brasil e de outros países para entender como é a síndrome de Down nestas nações e quais são os aspectos similares e os distintos aos que vemos nos Estados Unidos.

Como se dará a parceria com o Brasil?

Teremos aqui uma equipe liderada pelas doutoras Ana Cláudia Brandão e Bruna Zampieri, ambas do Einstein, que irá contribuir com dados de 250 participantes com síndrome de Down.

Os dados vão compor um estudo que terá 1,5 mil participantes de toda a América Latina. Todas as amostras biológicas coletadas serão analisadas com um protocolo comum, o mesmo adotado nos Estados Unidos.

Há características peculiares. Por exemplo, no Brasil há certas doenças tropicais endêmicas que não se observam em outros países, como a dengue. Então, é muito importante a população brasileira estar incluída no projeto.

Poderemos fazer descobertas específicas para a população brasileira a partir dos dados clínicos, cognitivos, de imagem, cardiometabólicos e mutiômicos que compõe o projeto, cujo protocolo é único para todos os parceiros.

O que há mais de expectativa em relação ao projeto?

A expectativa é que, na prática, as pessoas com síndrome de Down não tenham que ir tanto ao médico. Que elas tenham autonomia, mais saúde. Queremos oferecer diagnósticos baseados em biomarcadores que indiquem, por exemplo, se uma pessoa está em alto risco de doenças como tireoide, obesidade ou condições metabólicas. 

Queremos fazer uma intervenção personalizada, entendendo quais fatores determinam o perfil específico de cada indivíduo e como a trissomia 21 se manifesta em cada caso.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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