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04.06.2023 Câncer

Caminhos para o diagnóstico precoce

Pesquisadores encontram biomarcadores que podem indicar presença de tipo de tumor agressivo e raramente diagnosticado nas fases iniciais

Pesquisadores identificam microRNAs que circulam no sangue de pacientes com câncer de cabeça e pescoço | Crédito: Kiko Ferrite

Um grupo de pesquisadores do Einstein e de outras instituições descreveu uma série de biomarcadores que podem estar associados à presença de tumores de cabeça e pescoço, tipo de câncer normalmente descoberto em fase avançada e de difícil tratamento.  Os resultados foram publicados na revista Scientific Reports e abrem caminho para o diagnóstico precoce da doença, fator essencial para a recuperação do paciente. 

“Encontramos, em duas linhagens de tumores, uma série de microRNAs [pequenos RNAs não codificantes, mas capazes de regular a expressão dos genes] que também circulam no sangue de pacientes com câncer de cabeça e pescoço”, explica a bióloga Patrícia Severino, pesquisadora do Einstein e coordenadora do estudo. “Isso abre uma perspectiva de diagnóstico por meio de exames de sangue.”

Os tumores de cabeça e pescoço normalmente são detectados por meio de complexos exames de imagem, que podem demandar internação. Não raro, esse tipo de câncer é diagnosticado em estágio bastante avançado. “Dependendo onde o tumor se encontra, o paciente pode começar a apresentar sintomas quando já está com metástase local”, informa Severino.

Mesmo quando o tratamento é bem-sucedido, a cirurgia pode trazer sequelas graves. Muitas vezes, é necessário remover a língua e outras partes da cavidade oral do paciente, trazendo dificuldades para comer, falar e até mesmo respirar. 

O estudo mostrou que estruturas microscópicas, conhecidas como vesículas extracelulares, carregam alguns microRNAs que podem estar ligados à atuação dos tumores no sistema imune. Por isso, têm potencial de servir como biomarcadores desse tipo de tumor e possibilitar o diagnóstico precoce e de forma não invasiva, a chamada biópsia líquida. 

“As vesículas extracelulares são responsáveis por uma série de funções, mesmo em células saudáveis, atuando principalmente na comunicação celular. Por isso, queríamos saber se seria possível associar a ocorrência dos tumores de cabeça e de pescoço ao conteúdo dessas vesículas”, relata a pesquisadora.

Células dendríticas alteradas

Para chegar aos resultados, os pesquisadores usaram duas linhagens de tumores, uma extraída da língua e outra da hipofaringe, área de entrada para o esôfago por onde os alimentos ingeridos passam até alcançarem o estômago. Em seguida, foram coletadas as vesículas extracelulares que se formaram no meio de cultura.

Para saber o papel dessas estruturas na defesa contra os tumores, o grupo tratou células dendríticas com as vesículas extraídas das duas linhagens tumorais. As células dendríticas são importantes na defesa do organismo porque expressam receptores que reconhecem moléculas que podem causar doenças e, por sua vez, produzem citocinas que podem combatê-las.

Usando diferentes técnicas de microscopia, os pesquisadores confirmaram que as vesículas extracelulares advindas dos tumores atuam para prejudicar o sistema imune, permitindo que o tumor avance. 

Em um dos testes, foi observado que as vesículas coletadas dos tumores foram incorporadas pelas células dendríticas. Como consequência, estas tiveram uma significativa redução da sua viabilidade quando comparadas com outras que não receberam o tratamento de vesículas extracelulares. 

Além disso, as células tratadas tiveram uma migração muito menor, demonstrando mais uma vez como as vesículas advindas dos tumores podem prejudicar o funcionamento das células que deveriam defender o organismo. 

Por fim, as células dendríticas obtidas na presença das vesículas não amadureceram, como mostrou a expressão alterada das moléculas de superfície CD14 e CD209. Dessa forma, elas não podem desempenhar o papel de defesa do organismo.

Biomarcadores

Cabia aos pesquisadores, portanto, estudar o conteúdo dessas vesículas para tentar entender o que, de fato, estava causando prejuízo às células dendríticas e, consequentemente, à capacidade do sistema imune humano de combater o câncer.

Usando uma técnica de biologia molecular conhecida como microarray, os pesquisadores buscaram dentro das vesículas extracelulares microRNAs que poderiam estar regulando as células dendríticas de forma a não combaterem o câncer adequadamente. 

Foram encontrados 96 microRNAs advindos das vesículas extracelulares da linhagem tumoral de hipofaringe e outros 68 do tumor da língua. Destes, 31 estavam nas duas linhagens. 

Um dos objetivos do trabalho era justamente verificar se microRNAs circulantes no sangue de pacientes com esse tipo de câncer são os mesmos presentes no tumor. O resultado foi que 51 microRNAs da linhagem de hipofaringe e 24 do de câncer de língua já haviam sido detectados anteriormente no sangue de pacientes. Essa relação, portanto, indica uma possibilidade de futuramente alguns desses microRNAs serem usados como biomarcadores.

“No futuro, esperamos ter um conjunto bem definido de microRNAs que, quando em excesso, podem indicar com grandes chances de certeza a presença do tumor. Com isso, laboratórios clínicos com os equipamentos que já existem hoje poderiam realizar exames e proporcionar o diagnóstico precoce, facilitando o tratamento”, diz Severino.

Para Rinaldo Wellerson Pereira, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Genômicas e Biotecnologia da Universidade Católica de Brasília, que não participou da pesquisa, o artigo é uma contribuição relevante para compreender como as células tumorais se comunicam com o sistema imune.

“Um dos pontos positivos foi o fato de usar duas linhagens de células tumorais, o que dá mais robustez aos dados”, diz Pereira. “Num próximo passo, seria interessante que o grupo coletasse vesículas extracelulares também no sangue dos pacientes e verificasse se os microRNAs presentes são os mesmos encontrados nas vesículas dos tumores e circulando livremente no sangue. Elas poderiam ainda ser usadas para tratar as células dendríticas e verificar o efeito causado, como foi realizado com as vesículas dos tumores”, sugere.

O estudo teve ainda colaboração de pesquisadores da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e do Hospital Heliópolis.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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