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Cooperação ampliada

Pesquisadores e agentes comunitárias unem esforços no enfrentamento de problemas ambientais e de saúde na periferia urbana de São Paulo

Pesquisa na comunidade de Paraisópolis identifica problemas ambientais e de saúde na periferia Crédito: Jônatxs Moreira / Estúdio Voador

Com população estimada em 80 mil habitantes, a comunidade paulistana de Paraisópolis enfrenta desafios socioambientais em meio a um cenário de extrema complexidade. Problemas como abastecimento intermitente de água, ausência de esgotamento sanitário e acúmulo de lixo e entulho impactam não só o ambiente, mas também a qualidade de vida dos moradores. Para entender a situação local, pesquisadores paulistas e canadenses contaram com a participação de 29 agentes comunitárias da Unidade Básica de Saúde (UBS) Paraisópolis II na tarefa de reconhecer e mapear fatores ambientais que prejudicam a saúde na comunidade. 

Em artigo publicado na revista Estudos Avançados, os autores explicam que o diálogo estabelecido com as agentes permitiu ampliar a capacidade de análise do estudo. Isso porque as profissionais detêm conhecimento profundo da realidade local, afirma Francisco Nilson Paiva dos Santos, coautor do trabalho e enfermeiro da UBS Paraisópolis II, gerida pelo Einstein. “As agentes visitam regularmente as casas e têm contato direto com a população. Por isso, são fundamentais na prestação de serviços de atenção básica na rede pública de saúde.”

Por morarem em Paraisópolis e conhecerem como ninguém o território, as agentes comunitárias participaram ativamente da coleta e da análise de informações sobre áreas de risco ambiental e à saúde. “Elas contribuíram com suas percepções sobre problemas recorrentes, como o despejo de grandes quantidades de lixo em ruas e córregos.” 

Os depoimentos foram colhidos em encontros realizados dentro da comunidade, inspirados nos chamados Círculos de Cultura – um método de construção coletiva do conhecimento desenvolvido pelo educador Paulo Freire (1921-1997). Ao todo foram feitas quatro reuniões, com intervalos mensais, entre fevereiro e maior de 2019.

Um dos casos levantados pela pesquisa é o do córrego Antonico, que corta Paraisópolis e transborda frequentemente, especialmente devido ao acúmulo de resíduos e de esgoto doméstico em seu leito. Boa parte de suas margens é ocupada por habitações bastante precárias, o que coloca em risco a saúde dos moradores e das agentes comunitárias que atuam no local. 

“Nos encontros, um ponto levantado pelas agentes foi tentar entender por que parte da população descarta o lixo daquela maneira”, conta Santos. “Percebeu-se que muitas das situações de vulnerabilidade socioambiental estavam diretamente relacionadas à insuficiência de gestão e de planejamento urbano na região.”

Outros determinantes socioambientais identificados no decorrer das reuniões foram o abandono de animais domésticos e a detecção de focos de larvas do mosquito Aedes aegypti, transmissor dos vírus causadores de doenças como dengue e chikungunya. De acordo com os pesquisadores, os altos índices de violência e de criminalidade também prejudicam significativamente a vida dos moradores, com prejuízos inclusive à saúde mental.

As agentes comunitárias visitam regularmente as casas e têm contato direto com a população. Por isso, são fundamentais na prestação de serviços de atenção básica na rede pública de saúde

Embora interrompido pela pandemia e a sobrecarga de trabalho que isso trouxe para o trabalho de todos os trabalhadores do segmento da saúde, as ações junto às agentes comunitárias de saúde vêm sendo retomadas aos poucos. De qualquer forma, a intenção é de que as informações levantadas sirvam para aprimorar de forma contínua o trabalho dessas profissionais e qualificar todas as atividades de promoção à saúde no local. Além disso, os produtos desenvolvidos na comunidade têm potencial para o aperfeiçoamento da governança local, incluindo a integração de parte das soluções aos planos de desenvolvimento urbano e até mesmo do Plano Diretor da cidade. 

Para embasar as discussões, os pesquisadores utilizaram alguns instrumentos de participação, entre eles os chamados “mapas-falantes”. Por meio de painéis, as agentes representaram, por meio de desenhos, fotos e palavras-chaves, os problemas ambientais e de saúde que percebem no território. O mapeamento, explica Santos, contou com o auxílio de ferramentas de georreferenciamento, que ajuda a estabelecer com mais clareza a relação entre saúde e as condições socioambientais do local, bem como permite fornecer alternativas para melhores soluções de planejamento urbano a partir dos condicionantes identificados junto ao território.

Senso comum

Uma das preocupações dos pesquisadores foi assegurar a participação das agentes comunitárias em todas as etapas do estudo, destaca a bióloga Renata Ferraz de Toledo, da Universidade São Judas Tadeu, também autora do artigo. “Elas se envolveram desde o planejamento do trabalho até a interpretação dos resultados obtidos nos Círculos de Cultura.”

Toledo recorda que, durante os encontros, as participantes deixaram transparecer um sentimento de “culpabilização” em suas falas, tanto pelo possível descuido de alguns moradores quanto por suposta ignorância deles. “Relataram que informações por elas passadas eram frequentemente ignoradas pela comunidade. Isso mostra que havia expectativa por parte das agentes, habituadas com ações educativas unidirecionais, como se apenas elas soubessem o que era melhor para a população local.” 

Ao falarem abertamente sobre isso, as profissionais da saúde lançaram um olhar crítico sobre a forma como vinham interagindo com os moradores. “Passaram a entender a importância de abordagens baseadas no diálogo, a fim de ampliar a mobilização local e estreitar a interlocução com o poder público”, diz Toledo. Na visão da bióloga, métodos de pesquisa participativa são capazes de articular diferentes vozes em processos de busca por soluções para problemas cada vez mais intrincados, como os de saúde ambiental. 

“O diálogo é primordial em pesquisas participativas com vistas a conectar e ressignificar conhecimentos e práticas locais, o que chamamos de senso comum”, afirma Toledo. “Isso é possível em atividades de aprendizagem colaborativa, em que pesquisadores e outros atores sociais trocam saberes populares e especializados.”

Para Santos, estabelecer contato com o senso comum é fundamental para romper barreiras que geralmente reforçam a exclusão cognitiva de saberes comunitários em processos de tomada de decisão. “Existe uma hegemonia da produção de conhecimento dissociada de grupos sociais tidos como marginalizados. Reconhecer a importância dos saberes locais é fundamental para a efetivação de políticas ambientais e de saúde na comunidade.”

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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