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Ferramenta verifica conflitos de interesse em bancas e poupa tempo

Conflitulus Lattes cruza informações do currículo de dezenas de candidatos e avaliadores e pode economizar muitas horas de trabalho dos organizadores

A ferramenta analisa os currículos Lattes dos participantes de bancas para encontrar possíveis conflitos de interesse | Imagem: Shutterstock

Uma das tarefas que mais consomem tempo quando se organiza bancas de concursos é verificar se há conflitos de interesse entre os avaliadores e as dezenas de candidatos. Os organizadores precisam comparar manualmente os perfis na plataforma Lattes, que reúne mais de 6 milhões de currículos acadêmicos e informações sobre linhas de pesquisa. Nesta tarefa, procuram identificar eventuais coautorias em artigos ou projetos em comum. Como, geralmente, pesquisadores da mesma área escrevem artigos que podem ter dezenas de autores, a incumbência é árdua e trabalhosa. 

O imunologista Helder Nakaya, pesquisador do Hospital Israelita Albert Einstein e professor da Universidade de São Paulo (USP), se viu diante desse drama quando foi convidado para avaliar 26 candidatos em uma banca.

“Para facilitar minha vida, desenvolvi um código capaz de fazer o trabalho automaticamente”, conta Nakaya, que usa linguagens de programação em suas pesquisas.

Para usar o Conflitulus Lattes, programa desenvolvido por Nakaya e sua equipe, o usuário deve primeiro baixar o currículo de todos os candidatos e avaliadores na plataforma do currículo Lattes, clicando no botão XML, que faz o download do arquivo comprimido em formato .zip.

Os arquivos, compactados ou não, podem ser carregados na plataforma Conflitulus Lattes depois de fazer o cadastro.

A ferramenta cruza os currículos e faz uma triagem inicial, listando todas as coautorias e projetos em comum entre cada avaliador e candidato, além de mostrar um gráfico ilustrando os possíveis conflitos.

Para uma banca com 3 avaliadores e 20 candidatos, o processo todo dura cerca de 10 minutos.

Nakaya desenvolveu o programa no Laboratório de Biologia de Sistemas Computacional (CSBL) que fica situado no Centro de Inovação da USP (Inova USP).  O aplicativo recebeu apoio do Hospital Israelita Albert Einstein e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Meu laboratório desenvolve ferramentas computacionais on-line ‘amigáveis’, então decidi transformar isso em algo útil para as pessoas”, diz Nakaya, que lidera o CSBL.

O Conflitulus Lattes cruza informações de candidatos e membros de bancas ou comitês avaliadores, com o objetivo de detectar rapidamente membros que têm publicações ou projetos em comum com os candidatos | Imagem: https://conflitulus.org/

Cruzamento de dados

“O sistema usa algoritmos genômicos que convertem informações como nome e data de nascimento, em sequências de DNA, usando as letras A, T, C e G”, explica o bioinformata José Deney Alves de Araújo, CEO da startup brasileira D2DNA, especializada em análise de dados na área de saúde, que desenvolveu a tecnologia de cruzamento de dados e foi ex-aluno de doutorado de Nakaya

Segundo Araújo, o sistema gera uma sequência de DNA para cada currículo, que é tratada como o DNA de um vírus ou bactéria, com mutações como erros, deleções e inserções. Um algoritmo chamado BLAST, usado para comparar informações de sequências biológicas, como aminoácidos ou DNA, identifica sequências similares, mesmo com erros.

“Alinhamos as sequências de DNA, ou seja, os nomes dos pesquisadores e suas publicações, para verificar se há coincidências”, conta Araújo.

Quando o sistema encontra repetições, acusa um possível conflito de interesse.

Tempo livre

Nakaya publicou em seu perfil do Instagram um cálculo de quanto tempo por dia sobra para um pesquisador fazer ciência. Depois das atividades de ensino, extensão e administração, sobrou uma média de duas horas para fazer experimentos, criar hipóteses, escrever artigos e debater resultados. 

“A tecnologia deve nos ajudar a liberar tempo para as coisas que realmente importam, seja fazendo ciência ou algo prazeroso e pessoal”, defende Nakaya, que é Chief Scientific Officer (CSO) da D2DNA. Para ilustrar essa filosofia, o aplicativo Conflitulus Lattes faz uma estimativa das horas de trabalho economizadas, que já passava de 24 mil horas, com quase 8.400 currículos cruzados até o momento da publicação desta reportagem.

O gráfico publicado por Helder Nakaya representa as 24 horas de um cientista médio. De acordo com o pesquisador, sobram poucas horas para “fazer ciência.” Para Nakaya, a inteligência artificial (IA) precisa ser usada a fim de “liberar mais tempo para se pensar e discutir, e passar mis tempo com a família e amigos.” | Imagem: Helder Nakaya

Nakaya estima que cruzar uma centena de currículos Lattes pode poupar 10 horas de trabalho ou mais. “Atualmente, os concursos têm mais candidatos e as pessoas publicam mais artigos, dificultando o cruzamento de informações”, ressalta Nakaya. 

Segundo o imunologista, a ferramenta foi elogiada por reitores, pró-reitores e professores que costumam organizar bancas. Segundo Nakaya, um único usuário usou a ferramenta 30 vezes e cruzou quase 1.500 currículos. “Hoje temos quase 2 mil usuários cadastrados de todo o Brasil”.

Uma das limitações do Conflitulus Lattes é a necessidade de baixar os currículos um a um. Isso acontece porque o site do Currículo Lattes usa uma ferramenta de autenticação chamada captcha, que bloqueia o acesso de robôs.

Nakaya argumenta que se o CNPq fornecesse acesso direto, o site poderia usar os dados diretamente de suas bases, o que tornaria o uso mais rápido e menos trabalhoso para o usuário. “Isso eliminaria a necessidade de baixar os arquivos – bastaria a lista de nomes”, diz Nakaya.

“Pretendemos integrar o Conflitulus Lattes com outras plataformas acadêmicas e bases de dados, o que ampliará ainda mais a capacidade de detectar conflitos de interesse em diferentes contextos”, diz Araújo. Segundo ele, o Conflitulus Lattes tem potencial para ser usado na detecção de fraudes e inconsistências de dados.  Araújo conta que, durante uma rápida verificação na base de currículos Lattes, ele e sua equipe encontraram milhares de erros de digitação em títulos em inglês. “Essas inconsistências podem causar muitos problemas, mas nossa tecnologia permite contornar esses erros de forma inovadora e eficiente”, diz ele.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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