
Intervenções na dieta podem ajudar a tratar doenças?
Boa alimentação é chave para uma vida saudável, mas novos estudos são necessários para encontrar dietas apropriadas para cada doença

Sabemos que a dieta à base de alimentos ultraprocessados, com excesso de açúcar e sal, piora a saúde e pode levar a quadros de doenças crônicas e cânceres. Também é sabido que uma boa alimentação ajuda a melhorar casos de doenças e, a depender do problema, pode ser tão efetiva quanto o tratamento medicamentoso.
Até hoje, as intervenções dietéticas demonstraram os benefícios mais diretos para doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2. Como ressalta um artigo publicado na revista Nature, há muitos estudos que comprovam a relação direta entre o que se come e esses dois tipos de doenças crônicas.
Em um deles, pesquisadores americanos demonstraram que a dieta DASH (sigla em inglês para Abordagens Dietéticas para Parar a Hipertensão) – que incorpora frutas, vegetais, grãos integrais e laticínios com baixo teor de gordura e elimina sal, gorduras saturadas e álcool – reduz significativamente a pressão arterial em relação aos resultados obtidos com outras intervenções, como a dieta mediterrânea, que permite quantidades moderadas de vinho tinto e sal.
A redução foi semelhante às observadas em estudos de terapias farmacológicas, como o uso do medicamento nitrendipina. Isso sugere que a dieta DASH poderia ser uma alternativa à medicação para pessoas com hipertensão em estágio inicial.
Em outro estudo, descobriu-se que uma dieta mediterrânea (suplementada com azeite extravirgem ou oleaginosas) reduziu os principais eventos cardiovasculares em comparação aos resultados obtidos com uma dieta de baixo teor de gordura em adultos de alto risco para esse tipo de doença.
O trabalho mostrou que essas intervenções reduziram as taxas de infarto agudo do miocárdio, de acidente vascular cerebral e até de óbitos.
Remissão de diabetes
Mudanças na dieta também podem beneficiar pessoas com diabetes. No Estudo Clínico sobre Remissão de Diabetes (DIRECT, na sigla em inglês), os pesquisadores testaram uma dieta de substituição total com restrição calórica em mais de 300 pessoas com diabetes tipo 2, após a remoção de todos os medicamentos.
Um número significativamente maior de pacientes nesta dieta conseguiu alcançar a remissão do diabetes em 12 meses em relação àqueles que receberam os cuidados das melhores práticas atuais.
A equipe de Naveed Sattar, da Escola de Saúde Metabólica e Cardiovascular, em Glasgow, no Reino Unido, que coordenou o estudo, também descobriu que a remissão foi mantida por 24 meses em mais de um terço dos participantes designados para a intervenção dietética.
“O diabetes tipo 2 tem mais evidências de ser modificado por intervenções dietéticas, uma vez que a perda de peso pode melhorar rapidamente os níveis de glicose”, disse Sattar à Nature.
As conclusões tiveram impacto direto nas políticas públicas daquela parte do mundo: o Serviço Nacional de Saúde (NHS) da Inglaterra e da Escócia passou a oferecer dietas pouco calóricas para pacientes com diabetes tipo 2.
“Está claro que precisamos de mais testes para saber o impacto de dietas que produzem uma perda de peso significativa em muitas outras doenças”, complementa Sattar, que também é presidente da iniciativa Obesity Mission, do governo britânico.
Lacunas
Apesar da promessa do “alimento como medicamento”, existem muitas lacunas nas evidências, especialmente para outras doenças que não as cardíacas e o diabetes tipo 2.
Sabe-se, por exemplo, que intervenções dietéticas podem ser eficazes em distúrbios endócrinos e outras condições que afetam principalmente mulheres, como a síndrome policística ovariana e a endometriose.
Uma alimentação saudável também pode reduzir o risco de osteoporose e fraturas em mulheres mais velhas e na menopausa. A obesidade muitas vezes coexiste com a síndrome dos ovários policísticos.
Um estudo encontrou associação entre a adesão a uma dieta mediterrânea e a redução da gravidade da doença. Recomenda-se dieta e exercício para mulheres com o problema, mas, até hoje, não se sabe exatamente qual é a dieta ideal para a síndrome.
Isso vale para casos de demências, muitas vezes associadas à hipertensão, ao diabetes tipo 2 e à obesidade. Se é possível tratar esses três problemas crônicos com dietas, logo, a demência também seria combatida de forma indireta.
O artigo ainda cita a possibilidade de estudos encontrarem dietas personalizadas para casos específicos, em especial quando se sabe que uma pessoa tem um determinado gene que pode levar a doenças e síndromes específicas, como o Alzheimer.
Desafios dos estudos
Um ponto que chama atenção é que existem muitos problemas envolvendo estudos com dietas. Desde a clássica falta de verbas até a dificuldade de fazer uma pessoa manter a dieta até o fim.
Outro desafio citado é a falta de grupos subrepresentados em ensaios de intervenções dietéticas.
No estudo DIRECT, por exemplo, a maioria dos participantes era branca, apesar de o risco de diabetes tipo 2 ser maior em outros grupos étnicos, como pessoas de ascendência sul-asiática.
Há, ainda, dificuldade de fazer esse tipo de estudo em larga escala, uma vez que muitos países de renda baixa e média ainda estão ocupados com estudos sobre a subnutrição.
Enquanto as pesquisas seguem sendo realizadas, Sattar argumenta que apenas os governos podem “mudar os ambientes alimentares para que as pessoas possam, sem muita consciência e esforço, escolher alimentos mais saudáveis”.
Tais mudanças foram implementadas em Singapura, que tributa bebidas açucaradas e álcool, mas também subsidia alimentos mais saudáveis, como produtos integrais.
Com a insegurança alimentar e nutricional generalizada em todo o mundo, e com milhões de pessoas sem acesso a alimentos saudáveis, os especialistas concordam que o acesso equitativo a esses alimentos é necessário para a gestão de doenças, melhoria da saúde e redução dos custos de saúde.
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