SOBRE
#Notícias

Mortes decorrentes do Alzheimer aumentam no Brasil e desafiam a pesquisa

Doença deve ser um dos principais problemas de saúde pública no mundo, sobretudo em países de baixa e média renda, sobrecarregando sistemas de saúde e famílias de pessoas afetadas

O Brasil registrou mais de 211 mil mortes por complicações associadas à doença entre os anos 2000 e 2019 | Ilustrações: Rafaela Pascotto/Estúdio Voador

O Brasil registrou um aumento expressivo da taxa de mortalidade por doença de Alzheimer nas últimas duas décadas, e é provável que essa tendência se intensifique nos próximos anos, de acordo com um levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Centro Médico da Universidade Columbia, nos Estados Unidos.

Eles se debruçaram sobre dados de óbitos associados à doença registrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) entre 2000 e 2019, e os analisaram por região, sexo e diferentes faixas etárias. A doença em si não mata, mas contribui para o agravamento das condições de saúde dos indivíduos afetados, o que pode matá-los.

“Pessoas com Alzheimer em estágio avançado têm dificuldades para engolir, podendo aspirar pequenas quantidades de alimentos de forma involuntária”, explica o bioquímico Sérgio Teixeira Ferreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estudioso das causas do Alzheimer. “Esse conteúdo pode parar nos pulmões e causar infecções.”

Muitos têm dificuldade para andar, podem cair e sofrer lesões graves. Para evitar esse risco, ficam acamados ou na mesma posição por longos períodos, o que favorece o surgimento de escaras, que também podem causar infecções fatais.

Ao todo, o Brasil registrou mais de 211 mil mortes por complicações associadas à doença entre os anos 2000 e 2019. Ao avaliar a distribuição dessas mortes ao longo do tempo, os autores identificaram uma evolução crescente da taxa de mortalidade em todas as variáveis analisadas.

O aumento mais significativo foi observado em indivíduos com 80 anos ou mais. Em 2001, a taxa de mortalidade por Alzheimer em pessoas nessa faixa etária era de pouco mais de 500 para cada um milhão de habitantes. Em 2019, saltou para quase 4 mil por milhão.

No estudo, publicado na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, os pesquisadores também identificaram um crescimento acentuado na taxa de mortalidade entre mulheres, sobretudo aquelas com 80 anos ou mais vivendo nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Os achados estão em linha com estudos internacionais. Um deles acompanhou quase 17 mil pessoas na Suécia e constatou que mulheres a partir dos 80 anos tinham maior probabilidade de serem diagnosticadas com Alzheimer do que homens. Uma das possíveis explicações é que as mulheres, em geral, vivem mais.

“Um dos principais fatores de risco associado ao desenvolvimento de Alzheimer é a idade, de modo que quanto mais velho se é, maior será a probabilidade de desenvolver a doença”, explica o neurologista Paulo Caramelli, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Essa, no entanto, não é a única explicação.

Para Caramelli, da UFMG, a alta prevalência do Alzheimer entre mulheres também pode estar ligada a uma combinação de fatores genéticos, hormonais e sociais, os quais ainda estão sendo estudados.

O Brasil também vem registrando um aumento no número de hospitalizações por Alzheimer. Um estudo publicado em junho de 2023 na revista Arquivos de Neuro-Psiquiatria por pesquisadores da Universidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, constatou que o número de internações por Alzheimer passou de 847 em 2010 para 1.212 em 2020, resultando em um aumento dos custos para atender esses pacientes.

Em 2010, eles somaram pouco mais de R$ 1,8 milhões. Em 2020, esse número chegou a aproximadamente R$ 2,9 milhões.

Problema de saúde pública

A doença de Alzheimer deverá ser um dos principais problemas de saúde pública no mundo nas próximas décadas, sobrecarregando os sistemas de saúde e as famílias das pessoas afetadas. Países de baixa e média renda deverão ser os mais afetados, sobretudo em razão do envelhecimento crescente da população.

Da esquerda para a direita, de cima para baixo, os 12 fatores de risco para o desenvolvimento de Alzheimer segundo estudo publicado na The Lancet: (1) baixa escolaridade, (2) perda auditiva, (3) lesão cerebral causada por trauma, (4) hipertensão, (5) consumo de 21 unidades de álcool por semana, (6) obesidade com IMC maior que 30, (7) tabagismo, (8) depressão, (9) isolamento social, (10) falta de atividade física, (11) diabetes e (12) poluição do ar.

“Demorou quase 150 anos para a proporção de idosos com 65 anos ou mais passar de 7% para 14% na França, ao passo que, no Brasil, essa transição deve ocorrer em pouco mais de duas décadas”, diz Caramelli, que é o atual coordenador do conselho consultivo da Sociedade Internacional para o Avanço da Pesquisa e Tratamento da Doença de Alzheimer da Alzheimer’s Association, que conecta cientistas dedicados a ampliar os trabalhos sobre o Alzheimer e outras formas de demência.

De acordo com ele, o pior controle de fatores de risco para a doença também deve contribuir para o aumento do número de novos casos.

Há ainda questões socioeconômicas. “Sabemos hoje que níveis mais baixos de escolaridade são importantes fatores de risco para o desenvolvimento de Alzheimer e outros tipos de demência, uma vez que diminuem o que chamamos de reserva cognitiva do cérebro”, explica o pesquisador.

Ele afirma que alguns estudos já indicam uma tendência de redução na incidência desse tipo de demência em países da América do Norte e da Europa, o que os cientistas atribuem ao aumento dos níveis de escolaridade e à maior oferta de tratamentos e prevenção de fatores de risco — uma pesquisa publicada há quatro anos na revista científica The Lancet constatou que 12 fatores de risco estão ligados a 40% dos casos de demência, incluindo Alzheimer, em todo o mundo.

Esses fatores são distribuídos ao longo da vida. “Na infância, a escolaridade reduz esse risco, ao passo que, na meia-idade, deficiência auditiva moderada a grave não tratada é outro fator ligado ao risco maior”, diz Caramelli.

“Há ainda outros fatores que perduram toda a vida, como hipertensão arterial e níveis altos de colesterol, obesidade e diabetes, sedentarismo, tabagismo, que se não forem evitados ou controlados podem aumentar significativamente o risco de desenvolvimento da doença”, completa Ferreira, da UFRJ.

Na avaliação da estatística Camila Bertini Martins, do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da Unifesp, uma das autoras do estudo na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, existe um grande potencial de prevenção da doença no Brasil.

“O acesso à educação, aos serviços e às políticas públicas de saúde de prevenção da demência poderia mudar o cenário da doença no país”, diz Martins, da Unifesp.

Compreender a extensão do problema é fundamental para que o país consiga se preparar e possa criar serviços adequados para atender às necessidades das pessoas acometidas. Até o momento, no entanto, não se sabe a exata incidência da doença nem a mortalidade no país.

“A subnotificação é alta e a maioria dos estudos epidemiológicos é feita nas regiões Sul e Sudeste”, diz a neurologista Sonia Brucki, coordenadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

Os pesquisadores estimam que quase 2 milhões de pessoas vivam com algum tipo de demência no Brasil, sendo o Alzheimer a causa mais comum, respondendo por até 60% dos casos.

Muitas sequer foram diagnosticadas, o que as impede de receber tratamento adequado para ajudar a controlar as alterações de memória, raciocínio, humor e comportamento que surgem com a progressão da enfermidade.

Para Caramelli, a dificuldade em se avançar no diagnóstico em parte está associada à falta de profissionais capacitados para identificar sintomas iniciais da doença na atenção primária.

“O problema também esbarra na falta de conhecimento da população, o que faz com que perdas de memória sejam vistas como um sinal normal de envelhecimento, o que nem sempre é verdade”, afirma Brucki.

“É preciso educar as pessoas e treinar os médicos e outros profissionais do sistema público, sobretudo o clínico geral, que em muitos lugares é quem tem o primeiro contato com o paciente, para identificar os sintomas, aplicar os instrumentos de diagnóstico e pedir os exames para identificar a doença o mais cedo possível.”

Estratégias de tratamento

O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa e progressiva causada pelo acúmulo no cérebro de duas proteínas, a beta-amiloide e a tau. Seus primeiros sintomas — falhas recorrentes na recordação de fatos recentes — surgem com mais frequência a partir dos 65 anos.

“Alguns estudos, no entanto, indicam que o desenvolvimento da doença no cérebro pode se iniciar até duas décadas antes”, diz Ferreira.

A doença ainda não tem cura, mas existem alguns medicamentos, disponíveis no sistema público de saúde, que ajudam a atenuar os sintomas, como a perda de memória.

São os chamados inibidores da colinesterase: donepezila, galantamina e rivastigmina, indicados para casos leves e moderados. Eles aumentam a disponibilidade no cérebro do neurotransmissor acetilcolina, importante para a cognição.

“Estudos observacionais sugerem que essas medicações no longo prazo podem alentecer o agravamento dos sintomas e reduzir a mortalidade”, comenta Caramelli.

Para a neurologista Sonia Brucki, da USP, é preciso oferecer mais treinamento a médicos e outros profissionais da saúde para que possam identificar os sintomas do Alzheimer, aplicar os instrumentos de diagnóstico e pedir exames a fim de identificar a doença o mais cedo possível | Imagem: Shutterstock

Para os estágios mais avançados, a opção é a memantina, que modula a ação de outro neurotransmissor, o glutamato, que, em altas concentrações, é tóxico para os neurônios.

Além de caros, esses medicamentos têm resultados modestos, reduzindo apenas moderadamente o ritmo do declínio cognitivo. “O paciente continua a piorar, mas de forma mais lenta”, diz Ferreira.

Em julho de 2022, a empresa farmacêutica norte-americana Eli Lilly anunciou os resultados da fase final de testes clínicos de um medicamento experimental contra a doença. O composto, um anticorpo monoclonal chamado donanemabe, mostrou-se capaz de retardar o declínio cognitivo em até 60% em indivíduos tratados nos estágios iniciais da doença.

A Eli Lilly já havia divulgado resultados parciais de seu estudo dois meses antes, mas alguns pesquisadores ainda tinham dúvidas sobre a segurança e eficácia do fármaco em determinados grupos de pacientes.

O anúncio da nova droga se deu poucas semanas após a agência regulatória de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos, a FDA, ter aprovado o uso de outro fármaco contra a doença, o lecanemabe, da farmacêutica japonesa Eisai.

Um terceiro fármaco, o aducanumabe, já havia sido aprovado para uso em 2021, mas será descontinuado no final deste ano. Todos eles agem da mesma forma no cérebro, eliminando aglomerados de beta-amiloide.

Obstáculos e otimismo

A chegada desses medicamentos marca um ponto de virada no que tem sido um longo e árduo caminho para se encontrar maneiras de retardar o Alzheimer, “uma doença complexa, desafiadora, com ações biológicas ainda não totalmente conhecidas, o que torna tudo muito mais difícil”, diz Ferreira.

O problema dessas medicações é que, além de caras, podem causar uma condição chamada “anormalidades de imagem relacionadas à amiloide” (ARIA), a qual, ocasionalmente, desencadeia convulsões e hemorragia cerebral.

Cerca de um quarto dos participantes do estudo de fase 3 da Eli Lilly desenvolveu ARIA; três morreram em decorrência do problema. Os casos de ARIA foram mais comuns em participantes portadores da variação genética APOE4, que aumenta o risco de desenvolver Alzheimer.

Os indivíduos que carregam esse gene também se beneficiaram menos do donanemabe em comparação com os participantes que não tinham a variante.

Apesar dos obstáculos, Caramelli vê o cenário com otimismo. “Acho que é uma questão de tempo até surgirem novas medicações”, ele diz.

“Uma cura ainda deve estar distante, mas remédios que ajudem no controle dos sintomas e a tornar a evolução mais lenta, acredito que é algo a médio prazo que devemos conseguir.

A prevenção, com o controle dos fatores de risco já identificados, ainda é a melhor estratégia para prevenir a doença, segundo Caramelli, sobretudo pela possibilidade de atuar em diferentes mecanismos de doenças que causam demência e podendo ser integrada em programas de saúde pública de maior alcance populacional.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

Notícias

0 Comentários
Oldest
Newest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
Receba nossa newsletter

Newsletter

Receba nossos conteúdos por e-mail. Preencha os dados abaixo para assinar nossa newsletter

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!
Cadastre-se na Newsletter do Science Arena