
Calor extremo: pesquisadores explicam os impactos das altas temperaturas na saúde humana
Ondas de calor elevam o risco de hospitalização e mortalidade, com aumento de até 50% nos casos após períodos de temperaturas extremas

Suor, tontura, falta de ar. Mais do que um incômodo, o calor excessivo representa um risco real à vida – despertando o interesse de pesquisadores que investigam a relação entre clima e saúde. Quando os mecanismos de termorregulação são sobrecarregados, uma série de reações no organismo pode levar a complicações graves.
O corpo humano mantém sua temperatura interna entre 36°C e 37,5°C por meio de um equilíbrio delicado, regulado pelo hipotálamo – situado na base do cérebro.
“No entanto, temperaturas extremas podem desestabilizar esse sistema e desencadear uma cascata de problemas, especialmente em idosos, crianças e pessoas com doenças crônicas”, explica a médica e meteorologista Micheline Coelho, pesquisadora colaboradora do Laboratório de Patologia Ambiental e Experimental (Lapae) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e da Universidade Monash, na Austrália.
Um dos principais mecanismos de adaptação ao calor é a dilatação dos vasos sanguíneos, o que pode causar variações na pressão arterial e aumentar o risco de eventos cardiovasculares, como isquemia, disritmias cardíacas e acidente vascular cerebral.
Segundo um artigo publicado no The New England Journal of Medicine, essas condições estão entre os principais agravos relacionados às ondas de calor.
A respiração acelerada para dissipar o calor, combinada ao ar seco, também pode prejudicar as vias respiratórias, agravando quadros de asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
Além disso, a desidratação pode afetar ainda mais pacientes com problemas renais.
“A combinação do calor intenso com fatores como alta umidade do ar dificulta o resfriamento do corpo pela transpiração”, diz João Henrique Morais, do Centro de Inteligência Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
“Essa dificuldade é maior para aqueles que já têm comorbidades que afetam os mecanismos de termorregulação. Com isso, a temperatura corporal e a demanda cardíaca aumentam, elevando a pressão sobre o sistema circulatório e o risco de desfechos mais graves”, explica Morais.
Estudos e evidências
Para entender melhor a relação entre calor e mortalidade, Morais – que também é doutorando do Programa de Epidemiologia em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – analisou 466 mil registros coletados no Rio de Janeiro.
Seu estudo, publicado como preprint na plataforma MedRxiv, identificou que doenças hipertensivas, diabetes e Alzheimer foram algumas das condições mais afetadas pelo calor extremo.

“A termorregulação corporal também pode ser influenciada pelo uso de antipsicóticos, como no caso de pessoas com distúrbios neurológicos”, explica Morais.
O estudo também propôs uma nova métrica: a Área de Exposição ao Calor (AEC), que complementa índices já utilizados, como a temperatura média diária e o índice de calor.
Os modelos estatísticos aplicados indicaram que a mortalidade por certas doenças pode subir até 50% quando a temperatura ultrapassa 40°C por 6 horas, ou 44°C por 3 horas.
Efeitos ampliados do calor extremo
As altas temperaturas afetam diversas funções do organismo e podem impactar até a saúde mental. Um artigo publicado em 2024 no The New England Journal of Medicine apontou a relação entre ondas de calor e distúrbios neurológicos, como ansiedade, depressão e até aumento na taxa de suicídios.
Além disso, estudos sugerem que o calor pode estar ligado ao aumento de partos prematuros e homicídios.
De acordo com pesquisadores da Escola de Saúde Pública da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, o risco varia conforme a suscetibilidade individual, o tempo de exposição e fatores socioculturais.
Entre os grupos mais vulneráveis estão:
- Idosos;
- Crianças e bebês;
- Mulheres grávidas;
- Pessoas com doenças preexistentes (como obesidade e condições cardíacas);
- Trabalhadores ao ar livre e atletas.

Outro estudo, publicado este ano, analisou dados de 1.816 cidades brasileiras entre 2000 e 2019, e indicou que o calor extremo também pode aumentar o risco de hospitalização por doenças intestinais não infecciosas.
“A alta temperatura favorece a proliferação de microrganismos, o que pode ser potencializado por condições sanitárias precárias”, explica Micheline Coelho, coautora desta última pesquisa.
Além disso, ela explica, a homeostase é afetada e todo o processo enzimático para digestão pode ser alterado. “Vômitos podem ocorrer devido ao sistema digestório não estar em equilibro enzimático”, explica a pesquisadora.
A necessidade de adaptação
Coelho, que integra a rede internacional Multi-Country Multi-City, enfatiza que o impacto das ondas de calor é maior em países de média e baixa renda, onde a infraestrutura e os serviços de saúde são menos preparados para lidar com eventos climáticos extremos.
“Em países mais pobres ou em desenvolvimento, o impacto será maior, vão morrer mais pessoas. É preciso se adaptar às mudanças”, alerta Coelho.
A pesquisadora ressalta que algumas soluções para reduzir os impactos na saúde são simples e acessíveis.
“As implementações para evitar determinadas situações na área da saúde geralmente são muito simples. Nem sempre é preciso construir grandes obras de engenharia”, observa a pesquisadora da USP.
“Muitas vezes basta fazer uma adaptação do que já existe”, sublinha. Como exemplo, ela enumera alguns cuidados que podem ser replicados em diferentes lugares:
“É importante garantir que hospitais tenham sistema de ar-condicionado com a manutenção em dia. Escolas e outros locais de trabalho também precisam ter infraestrutura adequada para suportar fortes ondas de calor nos próximos anos.”
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