
Crise de reprodutibilidade atinge a biomedicina
Sete em cada dez biomédicos enfrentam dificuldades para reproduzir experimentos científicos, alerta estudo internacional com pesquisadores de 80 países

A confiabilidade da ciência está em jogo. Um novo levantamento global aponta que a biomedicina, área crucial para o desenvolvimento de tratamentos e diagnósticos, enfrenta um problema crescente: a dificuldade em reproduzir experimentos.
A reprodutibilidade, capacidade de refazer experimentos científicos obtendo resultados semelhantes, é fundamental para verificar dados e aumentar a confiança na ciência. Na biomedicina ela garante que novos tratamentos e diagnósticos funcionem como previsto em todos os pacientes.
Uma crise crescente
No entanto, segundo estudo publicado no final de 2024 na revista PLOS Biology e liderado pelo Instituto de Cardiologia da Universidade de Ottawa, no Canadá, cerca de 72% dos biomédicos consideram que a área passa por uma crise de reprodutibilidade e 27% avaliaram a crise como significativa.
Cerca de 62% dos participantes consideraram que a política do “publique ou pereça” [publish or perish] — a pressão para que pesquisadores publiquem em revistas de prestígio para avançar na carreira — é a principal causa do problema.
De acordo com a pesquisa, outros fatores que prejudicam a reprodutibilidade científica são:
- Estudos mal planejados;
- Fraudes;
- Revisão por pares de baixa qualidade;
- Falta de treinamento em reprodutibilidade de pesquisas.
Para escolher os participantes, os pesquisadores selecionaram todos os artigos indexados no Medline, site que reúne informações sobre artigos da área biomédica e de ciência da vida durante um ano, a partir de 1 de outubro de 2020, e selecionaram de modo aleatório 400 pesquisadores. Nos artigos, obtiveram nome e e-mail dos autores.
Os pesquisadores selecionaram 1.630 biomédicos de mais de 80 países, que responderam de forma anônima a uma pesquisa on-line sobre reprodutibilidade.
Cerca de 54% dos participantes disseram ter replicado um experimento próprio e 57% haviam replicado o estudo de outros pesquisadores.
Aproximadamente 62% revelaram que costumam ter dificuldade de reproduzir experimentos (de outros grupos ou de seu próprio laboratório).
Apenas 16% dos participantes indicaram que suas instituições incentivavam o aprimoramento da reprodutibilidade.
Para 67%, suas instituições valorizam mais pesquisas novas do que replicadas e 83% consideraram que seria mais difícil conseguir financiamento para pesquisas replicadas.
“A preocupação parece direcionada à biomedicina como um todo, mas foca especificamente a pesquisa clínica in vivo in vitro”, escreveram os pesquisadores no artigo.
Cerca de 11% dos participantes opinaram que mais de 80% dos artigos nessas áreas não são reprodutíveis.
Dados preocupantes
A crise de reprodutibilidade na biomedicina já havia sido detectada em estudo de 2016 publicado na revista Nature. Dos 1.576 participantes, mais de 70% afirmaram que não conseguiram reproduzir experimentos de outros pesquisadores e mais da metade não conseguiu reproduzir experimentos de seu próprio laboratório. Cerca de 83% dos participantes avaliaram que há uma crise de reprodutibilidade nas ciências biomédicas, e 53% afirmaram que a crise é significativa.
“Estudos que não puderam ser reproduzidos já causaram danos a pacientes”, alertaram os autores do artigo publicado na PLOS Biology.
Segundo eles, o estudo poderá ser usada para aperfeiçoar o treinamento em reprodutibilidade e auxiliar na formulação de políticas públicas que criem incentivos à reprodutibilidade – ajudando a disseminar uma cultura de pesquisa que valoriza a qualidade dos experimentos.
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