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Retratos da medicina acadêmica brasileira

Estudo identifica primeiro registro bibliográfico de obras médicas usadas por professores e estudantes de medicina no país no século XIX

Prédio da antiga Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, atualmente uma unidade da UFRJ, onde o mineiro Francisco Xavier da Veiga (1831-1868) elaborou tese com a primeira sistematização de obras médicas e cirúrgicas publicadas ou conhecidas na cidade após a criação da escola de medicina | Crédito: WikiCommons

No dia 20 de dezembro de 1851, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, na presença do imperador dom Pedro II (1825-1891) e de sua mulher, a imperatriz Teresa Cristina (1822-1889), conferiu o grau de doutor em medicina a 33 estudantes. Entre eles estava o mineiro Francisco Xavier da Veiga (1831-1868), em cuja tese consta o que talvez seja a primeira sistematização de obras médicas e cirúrgicas publicadas ou conhecidas na cidade após a criação da escola de medicina.

Até então pouco conhecido, esse inventário foi agora resgatado e analisado pela historiadora Amanda Peruchi, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Em artigo publicado em julho na Revista Brasileira de História da Ciência, ela apresenta uma transcrição completa de seu conteúdo, de modo a contribuir com futuras pesquisas em história da medicina.

Catálogos e listas sobre a literatura médica produzida ou consumida por médicos, professores e estudantes das faculdades de medicina demoraram algum tempo até começarem a ser publicados no Brasil.

Apenas em 1877, aproximadamente um quarto de século após o trabalho de Xavier da Veiga, tornou-se pública a primeira relação de obras em medicina, farmácia e cirurgia existentes na escola médica da corte. Outro catálogo dessa natureza foi publicado em 1916, acrescentando as publicações produzidas entre 1900 e 1915.

Intitulado Ensaio da Bibliografia Médica do Rio de Janeiro posterior à criação da Escola de Medicina, o registro de Xavier da Veiga pode ser considerado “um trabalho pioneiro sobre as obras de medicina conhecidas no Rio Janeiro, particularmente nas três últimas décadas da primeira metade do século XIX”, destacou Peruchi.

Fac-símile da capa da tese defendida por Francisco Xavier da Veiga (1831-1868), defendida em 1851 | Créditos: Amanda Peruchi (USP)

“Sua análise nos permite ter um panorama da natureza dos trabalhos médicos produzidos à época no país e das principais preocupações da incipiente medicina acadêmica nacional”, escreveu a autora da pesquisa.

Inventário e comentários sobre as obras

O estudo de Xavier da Veiga encontra-se dividido em duas partes. Na primeira, o médico apresenta uma lista cronológica composta de 37 título em medicina publicados entre 1831 e 1851. A maioria dos autores é nacional, embora também apareçam algumas obras de estrangeiros erradicados no Brasil.

Curiosamente, nenhuma tese médica ou trabalho de conclusão de curso da Faculdade de Medicina foram contemplados, “talvez porque tenham sido produzidos por alunos, não possuindo, assim, a precisão teórica e metodológica encontrada em obras mais renomadas”.

O futuro médico começa seu trabalho com Semanário de Saúde Pública, impresso de 1831 a 1833, e termina com Observações acerca da epidemia da febre amarela do ano de 1850 no Rio de Janeiro, colhidas nos hospitais e policlínica pelo Dr. Roberto Lallemant, de 1851.

“Tal recorte”, explicou Peruchi, da USP, “coincide com um período em que os médicos no Brasil, impulsionados pela criação das escolas de medicina, começaram a defender com mais empenho sua autoridade acadêmica em oposição às variadas e costumeiras práticas populares de barbeiros, curandeiros, feiticeiros etc.”

Fac-símile da primeira página do inventário organizado por Xavier da Veiga | Créditos: Amanda Peruchi (USP)

Um dos recursos utilizados foi justamente a publicação de periódicos científicos, muitos dos quais produzidos por associações médicas e voltados não apenas a profissionais da área, mas também a públicos mais amplos.

“O objetivo dessas publicações era apresentar e discutir as novidades na área médica e evidenciar a importância dos conhecimentos ditos acadêmicos para um efetivo tratamento das doenças”, destacou a historiadora. “Muitos estudos relacionavam as doenças com o estado sanitário das cidades e apontavam medidas que poderiam ser implementadas a fim de higienizar o espaço público e diminuir o contágio.”

Em sua segunda parte, o inventário produzido por Xavier da Veiga apresenta pequenos comentários sobre doze das obras catalogadas, além da descrição de dicionários de medicina e formulários de medicamentos com suas respectivas aplicações.

Tais escritos foram instrumentos de divulgação de práticas e saberes aprovados pelas instituições médicas oficiais para o cuidado de populações situadas nas regiões rurais do Brasil — o número de brasileiros formados e de estrangeiros habilitados ainda não era suficiente para atender a demanda médica da época, sobretudo em áreas mais distantes dos centros urbanos.

“Trata-se de um catálogo bastante completo das obras que eram conhecidas e estavam disponíveis aos alunos, professores e demais interessados envolvidos com a área médica no Brasil na primeira metade do século XIX”, afirmou Peruchi.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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