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12.11.2025 Comunicação

Comunicar ciência para fortalecer a saúde pública

Avanços em tecnologia, alimentação, genética e saúde mental exigem informação de qualidade para proteger direitos, orientar decisões e ampliar o acesso ao cuidado

Representação de DNA e outras moléculas com imagem alusiva ao corpo humano A informação científica em saúde gera parâmetros que orientam escolhas e decisões, cujas consequências observamos em todas as esferas da sociedade | Imagem: Julien Tromeur | Unsplash

A ciência se relaciona com a saúde pública de múltiplas formas. Da regulação de algoritmos usados em diagnóstico de diferentes doenças ao que colocamos no prato; da prevenção de sofrimentos psíquicos à incorporação de terapias genéticas avançadas. 

Essa amplitude foi trazida no curso de Divulgação Científica para Comunicadores e Jornalistas, realizado de 1º de setembro a 3 de novembro pela Universidade de São Paulo (USP), por meio da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Superintendência de Comunicação Social (SCS) e do Instituto de Estudos Avançados (IEA). 

Ao participar como aluno do curso de divulgação científica da USP, com diversas aulas e especialidades, decidi analisar um recorte de cinco aulas apresentadas por professores convidados. 

Essa é uma escolha narrativa, orientada pela ideia central da aula inaugural, ministrada pelo linguista Carlos Vogt: a Espiral da Cultura Científica. Quando a ciência circula e se torna, ela mesma, parte da cultura, ela protege vidas. 

Por isso, discutir a espiral com olhar voltado para divulgação científica, inteligência artificial, alimentação saudável, genética e saúde mental é discutir também o que sustenta ou fragiliza a saúde de uma população.

Professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Vogt explicou que a ciência só exerce todo o seu potencial quando consegue representar como se dá seu próprio processo de comunicação social e quando se torna “forma de presença social e cultural realmente muito mais fortes”.  

A saúde de uma sociedade depende de muito mais do que pronto-socorro, medicamentos e ferramentas de diagnóstico. Ela começa na informação que orienta escolhas, previne riscos, reduz desigualdades e permite compreender tecnologias que, cada vez mais, determinam nossas vidas. 

Cultura científica

Na palestra de Vogt, “vivemos em uma sociedade na qual um dos traços fundamentais é exatamente a presença constante, forte e persistente da ciência”. Essa presença, porém, só se converte em bem-estar quando se transforma em cultura; quando a população compreende seu significado

Por isso, Vogt lembra que, sem comunicação, não há ciência, afinal, é ela o eixo que estrutura o desenvolvimento da cultura científica. 

Ele explica que a espiral da cultura científica – que nos permite entender sua trajetória – nasceu como esforço de organizar, sistematizar e visualizar o fenômeno da comunicação da ciência sob vários aspectos, incorporando uma visão em que a divulgação se torna elemento estruturante do mundo contemporâneo, “apreendendo as transformações pelas quais passou o mundo todo, com o conhecimento científico tendo papel fundamental”.

Essa compreensão ganha urgência diante da aceleração tecnológica analisada por Glauco Arbix, professor do Departamento de Sociologia da USP, na aula Desafios da inteligência artificial no século XXI

Para ele, a inteligência artificial está aí para ficar, para o bem e para o mal. “O mais razoável é abraçar a inteligência artificial e deixar a nossa marca nela”, afirma o professor, para quem não há mais esferas livres dessa tecnologia, nem uma plataforma de mídia digital, tampouco um sistema bancário que não seja movido por inteligência artificial.

Em saúde, na qual “pode estar em jogo a vida de pessoas”, a incorporação tecnológica esbarra na opacidade dos sistemas. Arbix aponta justamente essa dificuldade ao comentar que as engrenagens computacionais que influenciam diagnósticos e decisões médicas não são compreensíveis para quem delas depende. 

Desafios contemporâneos 

No cotidiano mais básico, mas igualmente decisivo para a saúde da população, Carlos Monteiro, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS) da USP, apresentou a revolução dos ultraprocessados como uma disputa por informação, durante a aula Informação nutricional, escolhas alimentares e saúde pública

Para ele, o que define a saúde é o padrão alimentar, pois “a gente não come nutrientes, nem alimentos isolados. A gente faz refeições, combinações de alimentos”. 

O problema, conforme suas pesquisas, é que essa autonomia de escolha foi reduzida pela modernidade. “Até recentemente, escolher os alimentos adequados não se constituía um grande problema. Isso mudou com a modernidade e os ultraprocessados”, afirma o professor.

Em sua aula Avanços da genética e seus impactos na contemporaneidade, Mayana Zatz, professora do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da USP, lembrou que o estudo conduzido por ela com mais de 100 mil pessoas de famílias com doenças genéticas possibilita prevenção, diagnóstico e aconselhamento genético. “Os pacientes são protagonistas do conhecimento. Eles originam novas descobertas e as novas descobertas ajudam os pacientes”, comenta. 

Ela destaca, ainda. a linha do tempo da evolução da genética, em que as revoluções recentes incluíram a clonagem da ovelha Dolly, o Projeto Genoma Humano, a reprogramação de células-tronco e a tecnologia CRISPR, que permite modificar sequências de DNA com precisão.

Ao olhar para o futuro, a geneticista antecipa que “a medicina de precisão vai permitir envelhecimento saudável, terapia celular, bioengenharia de tecidos e novos desafios éticos com a inteligência artificial”. 

Nesse cenário, a comunicação torna-se indispensável para garantir que o avanço científico não aprofunde desigualdades e que a inovação chegue como tratamento, não como privilégio.

Como último recorte desta análise, a aula Crise psíquica na sociedade contemporânea, ministrada por Christian Dunker, do Instituto de Psicologia da USP, mostra que “nossa cultura é de uma sociedade anti-luto, que não gosta da morte e de elaborar coletivamente a perda”. 

Segundo ele, quando o mal-estar perde lugar na linguagem e no vínculo, a dor se converte em adoecimento. “Quando nossas narrativas de sofrimento são pobres ou não conseguimos articular do que sofremos, o sofrimento banal pode se transformar em sintoma clínico”, observa o psicanalista. 

Dunker afirma também que “abandonamos práticas de recomposição psíquica, como o luto coletivo e a educação que acolhe a subjetividade”. 

Cinco aulas com diferentes temáticas que, em comum, revelam que a comunicação é parte da boa ciência e da vida saudável. 

Informar não é apenas transmitir dados. É habilitar escolhas alimentares conscientes. É explicar riscos e benefícios de tecnologias que já decidem vidas. É democratizar avanços genéticos que redesenham o futuro. É proteger quem sofre em silêncio, nomeando e dando sentido para o sofrimento. 

Em um mundo em que a desinformação viraliza mais rápido do que qualquer medicamento, comunicar ciência com rigor, empatia e responsabilidade pode ser entendido como uma vacina cultural contra manipulações e injustiças.

O curso da USP proporciona um elo entre jornalismo, ciência e saúde, promovendo educação. A saúde do futuro, seja ela física, emocional ou genética, será moldada não apenas nos laboratórios, mas nos espaços onde o conhecimento se transforma em cultura

Para isso, é necessário ir além dos muros das universidades, com entrega e comprometimento, furando, de fato, qualquer bolha elitista. Invadir redações, escolas, redes sociais, encontros comunitários e o cotidiano de todos. 

Comunicar ciência é um compromisso social.  

Moura Leite Netto é jornalista graduado pelo UNIFIEO, pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero, mestre e doutor em Ciências com ênfase em Oncologia pelo A. C. Camargo Cancer Center. Atualmente, é pesquisador de pós-doutorado da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP), onde é também professor convidado. É diretor/fundador da SENSU Comunicação e ex-presidente da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência).

Os artigos opinativos não refletem necessariamente a visão do Science Arena e do Einstein Hospital Israelita 

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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