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14.04.2025 Recursos Humanos

Gestores de pesquisa: suporte vital para que a ciência avance

Profissionais de gestão ajudam a diminuir a sobrecarga de trabalho sobre pesquisadores por meio de apoio administrativo e de planejamento

Entre as atribuições de gestores de pesquisa, destacam-se: encaminhar protocolos e outros documentos a órgãos regulatórios; buscar editais de financiamento; realizar todo o processo de submissão de projetos a agências nacionais e internacionais; prestar apoio na descrição de métodos e em análises estatísticas (assegurando boas práticas de pesquisa), entre outras funções administrativas e financeiras | Imagem: Shutterstock

Nos Estados Unidos, na Europa e, em menor número, em países do Sul global, especialmente África e América Latina, as navegações no sistema de financiamento da ciência são gerenciadas por profissionais de gestão da pesquisa.

Gestores de pesquisa, geralmente com experiência em pesquisa e egressos de programas de pós-graduação stricto sensu, apoiam pesquisadores na identificação de oportunidades de recursos, na movimentação do complexo sistema de financiamento global e acompanhando a evolução das atividades de gestão em pesquisa.

As responsabilidades desses profissionais incluem questões regulatórias, de integridade científica e de acompanhamento de indicadores para avaliação do impacto social e acadêmico da produção científica.

Além disso, são responsáveis por garantir o cumprimento de processos institucionais adequados, como, por exemplo, procedimentos legais, financeiros e de recursos humanos, entre outros.

Financiamento da pesquisa

Em 2025, de acordo com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) prevê investimento de R$ 10,3 bilhões para financiamento de projetos de pesquisas não reembolsáveis.

Apesar de ser um valor avaliado como baixo pela comunidade científica brasileira, esse é o maior investimento da história desde a criação do FNDCT – um dos principais instrumentos federais de apoio à pesquisa e à inovação.

A distribuição desses recursos ocorre principalmente por chamadas públicas, divulgadas por editais e/ou notificações de financiamento, sendo adotada no Brasil e em outros países por agências, fundações, instituições privadas e entidades sem fins lucrativos que investem em pesquisa e desenvolvimento.

Normalmente, a candidatura às chamadas consiste no envio de propostas de financiamento (grant proposals) incluindo cronograma, relevância, impacto do tema e orçamento. Dependendo das expectativas da agência de fomento, outros itens podem ser exigidos.

Navegar no sistema de financiamento global exige tempo e habilidades que nem sempre são de domínio dos proponentes.

Entre os requisitos está a necessidade de entender regras e critérios de elegibilidade, elaborar documentos e orçamentos, e acessar plataformas de submissão.

Tais processos consomem dos pesquisadores um tempo que poderia ser dedicado exclusivamente às atividades de investigação científica.

Ademais, o acúmulo de tarefas administrativas e a carga burocrática podem afetar a saúde mental de pesquisadores, docentes e discentes.

Gestão da pesquisa

No Brasil, a presença de gestores de pesquisa ainda é escassa. Acredita-se que tal escassez deve-se à falta de conhecimento das atribuições desses profissionais pelos tomadores de decisão das organizações e, até mesmo, pelos próprios gestores de pesquisa, que, muitas vezes, exercem essa atividade, mas desconhecem a profissão.

Esse desafio também ocorre em outras partes do mundo. Na Europa, um projeto (RM-Roadmap) financiado pelo Programa Horizonte reúne gestores de 40 países para estabelecer uma rede capaz de promover o reconhecimento da profissão no continente.

A gestão da pesquisa ainda é pouco conhecida por muitos pesquisadores brasileiros que, mesmo sabendo de sua existência nas instituições, não a procuram.

Em muitos casos, mesmo aqueles que a conhecem tendem a vê-la como uma atividade secretarial, não como estratégica para sua pesquisa.

Tal fato é salientado em um editorial da revista Nature, no qual é mencionado que, em muitas culturas, o gestor de pesquisa não tem suas atribuições institucionalizadas, sendo visto como mero executor de atividades administrativas.

No entanto, gestores experientes acumulam expertises difíceis de serem adquiridas por profissionais não especializados na área.

As agências de fomento brasileiras entendem os gestores de pesquisa como contrapartida institucional. Com isso, não disponibilizam recursos financeiros para fomentar a gestão da pesquisa.

No exterior, porém, há agências de fomento, como o National Institute of Health (NIH), principal agência de apoio à pesquisa biomédica dos Estados Unidos, que disponibilizam uma porcentagem do valor do projeto para cobrir despesas com atividades de gestão.

Portanto, preveem apoio para a existência de profissionais dedicados a essa área.

Em muitas chamadas europeias, investir em estrutura de gestão da pesquisa é obrigatório. Recentemente, organizações, como a British Academy, passaram a lançar chamadas exclusivas para fomentar a gestão de projetos científicos.

Escritórios de apoio

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por exemplo, é uma das únicas agências brasileiras de fomento que endossa a necessidade de gestores de pesquisa nas organizações.

Além disso, a fundação promove treinamentos para esses profissionais.

Atualmente, 187 instituições são cadastradas na FAPESP como  Escritório de Apoio Institucional ao Pesquisador, sendo que o Núcleo de Apoio ao Pesquisador (NAP) do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (IIEPAE) é um deles (vide reportagem na Revista Pesquisa Fapesp).

O NAP foi implementado na instituição pela gerência de planejamento e desenvolvimento de pesquisa do IIEPAE, e sua atuação inclui frentes como:

Outras importantes instituições brasileiras, entre elas Insper, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e as universidades Estadual de Campinas (Unicamp), Estadual Paulista (Unesp) e de São Paulo (USP) contam com escritórios de gestão da pesquisa e oferecem benefícios conforme as necessidades de seus clientes.

Fortalecimento

Algumas ações têm sido tomadas para promover a área de gestão da pesquisa no Brasil, como a criação, em 2015, da Associação Brasileira de Gestores de Pesquisa (Brazilian Research Administration and Management Association – BRAMA, na sigla em inglês), com a missão de unir gestores de pesquisa brasileiros e promover no país ações de desenvolvimento profissional na área.

A associação tem parceria com entidades internacionais de gestão da pesquisa, como International Network of Research Management Societies (INORMS), European Association of Research Managers and Administrators (EARMA), Southern African Research & Innovation Management Association (SARIMA) e Society of Research Administrators International (SRAI).

Raquel Salviati, presidente da BRAMA, chegou a explicar que a entidade ainda “patina” para crescer e atrair membros. Isso ocorre especialmente devido à falta de reconhecimento dos profissionais, atuando como gestores, que desconhecem a área – diferentemente das associações internacionais.

Além disso, há o fato de que não há uma cultura de participação voluntária em entidades representativas – uma visão compartilhada por Aline Pacífico, gerente de planejamento e desenvolvimento em pesquisa do Einstein e membro do conselho fiscal da BRAMA.

No entanto, com o apoio de associações como a BRAMA, algumas instituições nacionais têm promovido eventos voltados a área.

Em maio de 2024, a Fiocruz Paraná coordenou o II Encontro Internacional em Gestão da Ciência, que debateu a importância dos gestores de pesquisa. No mesmo ano, a Unicamp organizou o evento “Gestão da Pesquisa – Uma visão Estratégica”.

Internacionalmente, há oferta de cursos de mestrado na área e, em geral, parece haver maior compreensão do papel dos gestores de pesquisa.

O Brasil, contudo, ainda carece de ações de letramento sobre o impacto dos gestores de pesquisa para a cultura científica, bem como de programas de formação para gestores.

Tendências e oportunidades

Atualmente, um tema recorrente na área é a medição do impacto das pesquisas.

O objetivo não é apenas avaliar se publicações resultantes de estudos geram citações e/ou aumentam o índice-h dos pesquisadores (indicador que mede a produtividade com base nos artigos mais citados), mas mensurar o impacto real da pesquisa tanto para a sociedade quanto para a avanço da ciência.

Em algumas organizações de fomento, como a norte-americana Patient-Centered Outcomes Research Institute (PCORI), a relevância do tema nas chamadas é decisiva para o financiamento de projetos.

Tal medição é complexa, pois exige, em muitos casos, acompanhamento longitudinal e a inclusão de muitos fatores na análise.

Para Raquel Salviati, que também representa o Brasil no Grupo de Avaliação de Pesquisa da INORMS, a pesquisa de impacto deve ser concebida com o objetivo de atender às demandas da sociedade, o que não se encerra na publicação de artigos científicos.

Outro tema que é pouco difundido, principalmente  no Brasil, é a realização de ações institucionalizadas de escrita de propostas de financiamento (grant proposals) e sobre o funcionamento do processo de revisão delas, em especial, para pesquisadores em inicio de carreira que, em geral, aprendem tais ações por meio de diversas tentativas e erros. 

Atuar com gestão da pesquisa é uma oportunidade para mestres e doutores recém-formados que não pretendem seguir carreira acadêmica. Principalmente àqueles que tenham interesse em gestão, pois permite a participação em diversos projetos, com possibilidade de impactar múltiplas propostas em um curto espaço de tempo.

A gestão da pesquisa do futuro tem papel fundamental no aumento das parcerias globais.

Além disso, essa especialidade profissional pode facilitar a navegação de pesquisadores nas diversas áreas das instituições e na obtenção de financiamento, considerando que o ambiente da pesquisa, em constante transformação geopolítica, requer, cada vez mais, ações multilaterais.

José Belém de Oliveira Neto é bacharel em Letras (tradutor e intérprete) e atua na gestão da pesquisa (Pre-Award) no NAP do IIEPAE/SBIBAE. É mestre em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês e desenvolve pesquisa de doutorado sobre escrita de grant proposals na Universidade de São Paulo (USP), onde é tutor no Laboratório de Letramento Acadêmico. É professor convidado de Escrita para Fins Acadêmicos na Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein.

Os artigos opinativos não refletem necessariamente a visão do Science Arena e do Hospital Israelita Albert Einstein

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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A jornada do pesquisador é muito árdua e conseguir fomento à pesquisa é bem complexo. Fundamental valorizar e ampliar a atuação dos gestores de pesquisa. Excelente matéria publicada!

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