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O outro lado da fuga de cérebros

Mobilidade de talentos pode ajudar na criação de redes de colaboração entre pesquisadores, afirma estudiosa da política científica brasileira

Estudo da Unicamp indica que mais de 70% dos professores e pesquisadores brasileiros com contrato permanente no exterior colaboraram com pelo menos um pesquisador brasileiro que está estabelecido no Brasil | Ilustração: Shutterstock

Entender a migração de pesquisadores brasileiros para outros países – a chamada diáspora científica – foi a proposta de um questionário aplicado recentemente pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que reuniu 1.200 respostas de brasileiros estudantes de graduação e pós-graduandos, pós-doutorandos, professores e pesquisadores atuantes no exterior.

A coordenação do projeto é da cientista social Ana Maria Alves Carneiro da Silva, doutora em Política Científica pela Unicamp, que em entrevista ao Science Arena mostra que a diáspora científica não deveria ser vista apenas como uma “fuga de cérebros”. Para ela, também há fatores que podem representar ganhos para a ciência brasileira, por meio de projetos de colaboração, partindo principalmente dos pesquisadores com posição consolidada no exterior.

Pegando como exemplo a contribuição de professores e pesquisadores brasileiros que atingiram o patamar de ter contrato permanente fora o Brasil, 62% deles mantêm contato frequente com pesquisadores que trabalham no país e 65% têm publicações em coautoria com colegas daqui.

Além disso, o levantamento do Nepp-Unicamp mostra que 63% dos respondentes colaboram em grupos de pesquisa com brasileiros, 60% participam eventualmente de eventos/bancas e 31% colaboram em atividades de comunicação, difusão e popularização da ciência com pesquisadores atuantes no Brasil.

Observou-se também que 28% receberam estudantes ou pesquisadores do Brasil para estágio de pesquisa, 24% compartilham boas práticas e 7% atuam no co-desenvolvimento de tecnologias.

Embora haja fatores positivos, a pesquisadora do Nepp reconhece que é extremamente importante entender o que faz cientistas deixarem o país e quais seriam as políticas capazes de criar um cenário mais propício para a sua permanência ou retorno ao Brasil. A pesquisa traz algumas possíveis respostas.

Science Arena – A diáspora científica costuma ser vista negativamente como “fuga de cérebros”. Podemos também falar em efeitos positivos?

Ana Maria Alves Carneiro da Silva – Vemos que a diáspora científica ajuda a estabelecer redes. Nosso estudo mostra que mais de 70% dos professores e pesquisadores com contrato permanente no exterior colaboraram com pelo menos um pesquisador brasileiro que está estabelecido no Brasil. Esse percentual cai para cerca de 60% entre os pesquisadores com contrato por tempo determinado e entre os pós-doutorandos.

Já entre os doutorandos, que ainda não têm redes de colaboração formadas, apenas quatro entre dez colaboraram com alguém aqui no país. No caso da competição internacional, esses brasileiros no exterior normalmente estão bem-posicionados e com acesso a recursos.

Quanto mais a carreira está consolidada lá fora, mais laços são estabelecidos com o Brasil. Isso desconstrói algumas ideias, como a de que seria preciso trazer todo mundo de volta.

Outra vantagem é que eles conhecem a cultura de onde estão vivendo e a do Brasil.

Além disso, são diferentes os tipos de cooperação, indo de projetos bem pontuais, como protocolos de ideias e informações, até o co-desenvolvimento de tecnologias envolvendo questões de propriedade intelectual.

Outro ponto importante é que esses pesquisadores também estabelecem parcerias com brasileiros que estão em um país diferente do dele, mostrando nosso potencial de contribuir com a ciência mundial.

Quando o Nepp-Unicamp começou a estudar a diáspora científica e qual metodologia vocês adotaram para atingir uma boa amostra de pesquisadores no exterior?

Começamos a estudar a diáspora científica brasileira em 2017, a partir de uma demanda da Embaixada do Brasil em Washington, nos Estados Unidos. Eles vinham desenvolvendo algumas atividades de engajamento com os membros da diáspora lá nos Estados Unidos e queriam conhecer um pouco melhor esse processo.

Depois, ampliamos o número de países e, agora em 2023, lançamos um questionário e enviamos para uma lista de e-mails e perfis na plataforma X (antigo Twitter), de pesquisadores brasileiros que sabidamente estavam no exterior. Checamos também em outras plataformas de mídias sociais e reportagens, verificamos os currículos na plataforma Lattes e tivemos a colaboração na divulgação de portais de instituições científicas e governamentais.

O questionário ficou disponível de 15 de março a 18 de julho. Com as perguntas que fizemos no survey, buscamos conhecer a diáspora brasileira, incluindo o perfil sociodemográfico, as motivações para deixar o Brasil e se o respondente já havia participado de projetos de cooperação internacional. Tivemos 1.200 respostas que se adequaram nos critérios de inclusão, de um total de mais de 1.800 acessos. 

Ana Maria Alves Carneiro da Silva, da Unicamp: “a diáspora científica ajuda a estabelecer redes” | Foto: Antonio Perri/Jornal da Unicamp

Caracterizar melhor esse fenômeno pode facilitar a criação de melhores políticas públicas para subsidiar a formação e a fixação de pesquisadores no Brasil?

O primeiro passo é conhecer as motivações por trás da diáspora científica, se ocorrem colaborações e como elas podem ser aperfeiçoadas. Além disso, saber se há intenção de voltar ao Brasil e o que seria decisivo para esse retorno ou para a permanência lá fora.

Entre os pós-doutorandos, cerca de 30% pretendem voltar em um período que vai de um a seis anos. Já entre os professores/pesquisadores com contrato permanente em instituições estrangeiras, 90% não têm qualquer previsão de voltar um dia.

Quanto maior é a consolidação e a estrutura encontrada no exterior, menos os pesquisadores brasileiros querem retornar ao país. Entretanto, isso não significa que eles não se preocupam em criar vínculos com seus pares residentes no Brasil.

Quais são os principais gargalos hoje no país que dificultam a manutenção de talentos hoje no Brasil?

Quando perguntamos quais foram as motivações para deixar o Brasil, as mais citadas foram, pela ordem, recebimento de oferta de trabalho ou pós-doutorado no exterior, busca por melhores condições de financiamento para pesquisa e outras atividades acadêmicas, melhor acesso à infraestrutura de pesquisa, melhor remuneração e qualidade de vida.

Os pontos de melhoria para reduzir os gargalos seriam o aumento do financiamento (com maior valor e a longo prazo). Não pode ser uma política restrita ao financiamento de curto prazo, sem a estabilidade que o pesquisador desfruta fora do país. Também é preciso valorizar mais a ciência e os pesquisadores (com melhor remuneração, plano de carreira e doutorado e pós-doutorado encarado como trabalho) e aumentar o valor e a qualidade das bolsas.

Ademais, cabe intensificar a internacionalização (com oportunidades de cooperação e acordos bilaterais e multilaterais), ampliar incentivos para publicação e preencher lacunas de educação relacionadas à fluência em inglês de estudantes e pesquisadores.

Como você observa a movimentação da atual gestão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) diante do fenômeno da diáspora científica?

Tem havido uma mobilização conjunta do MCTI, do Ministério da Educação e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), incluindo a ampliação da remuneração de bolsas para projetos de pesquisa.

São movimentações bastante auspiciosas e interessantes. É a ideia de que a ciência voltou e que essa história sombria e recente, que a gente viveu, ficou para trás. Foi um momento de ameaça à ciência, ao financiamento e aos cientistas.  Agora a ciência está sendo novamente valorizada e os cientistas estão sendo vistos com bons olhos e não com desconfiança, incluindo os membros da diáspora. Isso é fundamental.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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