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06.05.2024 Inovação

Diversidade tecnológica como caminho para inovar na universidade

Estudos de Bruno Brandão Fischer, da Unicamp, mostram que políticas de fomento não devem se concentrar apenas nas tecnologias em evidência

Bruno Brandão Fischer (Unicamp) afirma que o descompasso entre pesquisa de ponta e atividade econômica no Brasil é um gargalo para o upgrade tecnológico da matriz produtiva do país | Imagem: Antonio Scarpinetti/Unicamp

O ambiente acadêmico é heterogêneo e deve haver um balanço na promoção de atividades de inovação e empreendedorismo que abarque a pluralidade inerente ao contexto acadêmico. A afirmação é de Bruno Brandão Fischer, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre a Organização da Pesquisa e da Inovação (Lab-GEOPI) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Fischer é autor de estudos sobre sistemas regionais de inovação e ecossistemas de empreendedorismo em universidades. Um de seus trabalhos mais recentes, publicado na revista científica Research Policy, sugere que, para promover um crescimento econômico inclusivo, as políticas de inovação não devem se restringir ao fomento de tecnologias emergentes – ou seja, aquelas que “estão na moda” –, mas sim compreender conjuntos abrangentes, desenvolvendo combinações de políticas com diferentes objetivos, requisitos e arranjos institucionais.

Em outro estudo, publicado no periódico Science and Public Policy, Fischer e colegas analisaram os impactos que as universidades com atividade intensiva de pesquisa geram nos ecossistemas locais de inovação.

Com modelo aplicado em São Paulo, observaram que as universidades públicas têm um impacto positivo nos seus respectivos ecossistemas de inovação.

Além disso, identificaram que os fundos qualificados para pesquisa e a existência de uma estrutura de apoio (incubadoras e parques científicos e tecnológicos) potencializam significativamente os impactos gerados por universidades intensivas em pesquisa.  

Em entrevista ao Science Arena, Fischer, que é doutor em Economia e Gestão da Inovação pela Universidad Complutense de Madrid, na Espanha, fala sobre estes dois estudos e outros aspectos relacionados com inovação e empreendedorismo do ecossistema das universidades, enfatizando o contexto brasileiro.

Science Arena – Considerando o perfil econômico brasileiro, qual é o modelo de inovação e empreendedorismo sustentável nas universidades que se mostra mais inclusivo para o país?

Bruno Brandão Fischer – É difícil pensar em um modelo único para inovação e empreendedorismo sustentável em universidades brasileiras. Não só aqui, mas em qualquer país, as instituições de ensino, pesquisa e extensão são bastante heterogêneas entre si, são bastante heterogêneas internamente; e estão inseridas em ecossistemas com dinâmicas, perfis e níveis de maturidade muito distintos.

Sobre o primeiro ponto, é comum termos comparações a partir de rankings que simplificam realidades complexas sobre as capacidades e recursos disponíveis nas instituições, bem como à sua própria cultura organizacional. Neste sentido, o caminho de fomento às atividades de inovação e empreendedorismo sustentável precisa necessariamente levar em conta este contexto institucional.

Acerca da heterogeneidade interna, este é um aspecto ainda menos discutido, inclusive na literatura, ainda que seja algo bastante intuitivo para quem vive o ambiente universitário.

Há diferentes perspectivas, orientações e culturas dentro da instituição, muitas vezes demonstrando diferenças entre faculdades e institutos, mas também frequentemente ocorrendo dentro das próprias unidades em função de perspectivas dos departamentos, grupos de pesquisa e indivíduos.

Quais as consequências de se deixar de lado este aspecto da heterogeneidade?

Imprimir iniciativas que ignorem estas peculiaridades tende a ser contraproducente ao gerar uma matriz de incentivos que não leve em conta que atividades de inovação e empreendedorismo não devem ser obrigatórias para as atividades acadêmicas.

Claro, são desejáveis em diversos casos, mas isto não deve criar um ambiente em que o acadêmico “tradicional” se veja pressionado a produzir algo que não é do seu interesse ou do seu escopo profissional.

Neste sentido, deve haver um balanço na promoção de atividades de inovação e empreendedorismo que abarque a pluralidade inerente ao contexto acadêmico.

Daí a importância de entender que as universidades estão inseridas em ecossistemas com dinâmicas, perfis e níveis de maturidade distintos?

Precisamos ter claro que o papel da universidade é relevante para o desenvolvimento econômico e social sustentável, mas isto é moderado pelas características do ecossistema de inovação e empreendedorismo em que ela se insere.

O modelo de uma universidade inserida em um ambiente industrial pujante não deve ser transposto para a realidade de universidades localizadas em regiões economicamente periféricas.

Os desafios e demandas são distintos e a contribuição da universidade para o desenvolvimento regional deve ser pautado por isso.

Quais são as principais tecnologias emergentes (que estão “na moda”) e as mais tradicionais no ecossistema das universidades? E o que faz com que o melhor caminho esteja na diversificação dessas tecnologias?

Esta é uma questão bastante complexa, porque está atrelada às orientações de linhas de pesquisa e capacidades de cada universidade. O que notamos em anos recentes é um protagonismo óbvio do desenvolvimento de inteligência artificial. No entanto, há avanços notáveis nas áreas de química, farmacêutica e biotecnologia, apenas para nomear alguns casos que conheço no contexto da Unicamp.

Logicamente, o “buzz” causado por tecnologias emergentes facilita o acesso a recursos financeiros, seja de empresas, seja de agências de fomento. É um movimento que retroalimenta certas tendências de mercado com o ambiente de pesquisa e vice-versa.

Não necessariamente o melhor caminho aqui é uma diversificação da pesquisa em si. Este é um ponto em que acredito estarmos muito bem, ao menos nas instituições paulistas. O maior desafio é transpor estes desenvolvimentos para a matriz produtiva e fomentar, assim, a diversificação de tecnologias no âmbito industrial.

O descompasso entre pesquisa de ponta e atividade econômica no Brasil vai encontrar, logicamente, casos de exceção, mas no agregado é um gargalo para o upgrade tecnológico da nossa matriz produtiva.

Há exemplos de políticas adotadas no Brasil e em outros países, voltadas para desenvolvimento tecnológico, que, de fato, já resultaram em maior celeridade na inovação e atualização sustentável, impulsionando o crescimento econômico local?

No Brasil, temos exemplos de iniciativas que não funcionaram – que, ao menos, não alcançaram o que se propunham. Foi o caso, por exemplo, de investimentos na construção de capacidades tecnológicas nacionais na indústria naval, ou mesmo investimentos no setor automobilístico.

Houve problemas de implementação, claro, mas também problemas de leitura, a meu ver, acerca dos setores prioritários. Não foram consideradas capacidades pré-existentes na indústria nacional, o que gerou desafios que se mostraram intransponíveis. Intransponíveis no curto prazo ao menos. Este é outro problema. Dificilmente pudemos perceber iniciativas que se mantiveram ao longo do tempo. Há muita instabilidade nas orientações estratégicas.

Os casos de sucesso mais recentes, obviamente, são provenientes da China. Mas seguem um padrão muito similar ao que já havia sido observado na Coreia do Sul e mesmo no Japão. São países – até pelas características dos seus sistemas políticos e traços culturais – que internalizaram bem uma visão de longo prazo sobre o processo de criação de capacidades internas.

O salto tecnológico chinês passa por décadas de aprendizado com atividades produtivas de baixo valor agregado até se chegar à criação de conglomerados industriais com protagonismo em indústrias de alta tecnologia.

Vimos isso ocorrer em microeletrônica, veículos elétricos e, mais recentemente, no próprio setor de aviação. Há lições a serem aprendidas, mas é um modelo baseado em aspectos contextuais bastante diversos daqueles observados no Brasil.

Mas os pontos principais que se aplicam, a meu ver, são: geração cumulativa de capacidades a partir de uma base pré-existente (princípio de relatedness) e visão de longo prazo.

Seu grupo mapeou, com base em dados de patentes, a dinâmica do conhecimento tecnológico de 96 países, explorando taxas de crescimento e a importância tecnológica dos clusters de cada uma destas nações. Há países que mais se destacam negativa ou positivamente e qual seria o paralelo destas realidades com o cenário brasileiro?

É bastante complexo apontar casos de destaque positivo ou negativo. Isto pode acabar gerando simplificações sobre as trajetórias destes países – que não se restringem exclusivamente à questão tecnológica.

Entendo que o principal ponto aqui é entender que a diversificação tecnológica importa e é não-neutra. Os domínios tecnológicos apresentam capacidades distintas de contribuição para o desenvolvimento socioeconômico e isto não pode ser negligenciado.

Em períodos recentes, o Brasil apresenta especialização em tecnologias distantes da fronteira – o que chamamos de tecnologias defasadas e tecnologias estabelecidas. Para países de renda média, tal especialização sinaliza um futuro bastante limitado em termos de avanço de renda. Precisaríamos nos tornar internacionalmente competitivos em tecnologias de ponta.

Identificamos, por exemplo, as áreas de biotecnologia e tecnologias médicas como setores em que temos amplas capacidades científicas nas universidades, mas que não transbordam para o setor empresarial.

A análise levou em conta o patenteamento destes 96 países em um período de quatro décadas (1980 a 2021) e teve a proposta de identificar os fatores pelos quais alguns países passaram de renda baixa para renda média ou renda alta e outros não. O que foi possível observar?

O principal ponto é que a atividade tecnológica é um vetor central para o desenvolvimento econômico. Não há salto de renda sem envolvimento produtivo com desenvolvimento de tecnologia de ponta. E não há atalho para isso.

É necessário observar onde está a fronteira do conhecimento tecnológico, concatenar isso com as capacidades pré-existentes na matriz produtiva do país, e avançar em iniciativas e incentivos para fomentar áreas com maior potencial de impacto para o desenvolvimento socioeconômico.

Os recursos públicos ou privados são limitados, então é necessário priorizar. E priorização é algo que precisa ser sistematizado, há ampla literatura lidando com isso, mas isto é frequentemente ignorado no debate e na formulação de políticas.

O que acabamos vendo é uma pulverização de recursos que minam o potencial de programas para gerar impactos reais. E aí, ainda por cima, temos programas que não se mantém ao longo do tempo.

Haver fundos qualificados, incubadoras e parques científicos e tecnológicos potencializa, de fato, o impacto da pesquisa gerada na universidade? Como?

Potencializam se forem bem geridos. Para onde estão sendo destinados estes fundos? Eles estão gerando uma massa crítica necessária para o desenvolvimento de pesquisa e desenvolvimento tecnológico de fronteira? Vemos iniciativas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) neste sentido, mas é algo sem paralelo no Brasil. De fato, no estado de São Paulo, temos possibilidades que se aproximam mais da realidade de países desenvolvidos do que da dinâmica observada na maioria dos países em desenvolvimento.

Isso vale para incubadoras e parques científicos e tecnológicos. Trabalhei inclusive com o desenvolvimento de uma metodologia de classificação e avaliação de parques científicos e tecnológicos para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e algo que ficou bastante evidente é que há muita heterogeneidade na forma que estes ambientes são geridos.

Tão importante quanto, onde estes ambientes estão localizados? Eles tendem a funcionar como catalisadores de ecossistemas pujantes, mas acabam tendo impactos reais mais modestos em localidades periféricas.

Neste sentido, precisam ser usados como instrumentos complementares a políticas e contextos econômicos mais amplos, não como “balas de prata” para estruturação de ecossistemas – o que acaba sendo observado com certa frequência devido à visibilidade política que geram.

O histórico de Florianópolis, em Santa Catarina, é muito interessante para ilustrar isso. Lá, parques e incubadoras foram utilizados de forma estratégica para propulsionar a retenção de capital humano e dinamização do ecossistema local, resolvendo um problema pontual e atendendo uma demanda latente. O caso do Porto Digital em Recife, Pernambuco, também é um ótimo exemplo.

Mas há um distanciamento entre universidades e empresas no Brasil ao longo do tempo. Isto é particularmente evidente para atividades intensivas em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Apenas 7,47% das empresas inovadoras em 2017 tinham relações com universidades. Dessas, 58,4% tinham foco em P&D. São números marginais.

Além disso, as universidades sequer são vistas pelo tecido empresarial como parceiros relevantes para a inovação. É uma situação que indica fragilidades quanto ao próprio modo de se pensar o sistema.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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