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Proximidade física é essencial para a colaboração científica

Estudo mostra que o principal fator a impulsionar a formação de parcerias entre pesquisadores é a (pouca) distância entre eles

Imagem: Daniel Bueno/Estúdio Voador Imagem: Daniel Bueno/Estúdio Voador

Os avanços das tecnologias de informação e comunicação não parecem ter sido fortes o suficiente para derrubar os efeitos da distância na hora de semear parcerias científicas, essenciais para o progresso da ciência. Pelo contrário, a proximidade física ainda é o principal fator a impulsionar a formação de novas colaborações em todas as áreas do conhecimento.

A conclusão é de um grupo internacional de pesquisadores do Instituto Universitário de Lisboa, em Portugal, e da Universidade de Hong Kong, na China.  

Sob coordenação do sociólogo português Hugo Horta, da Faculdade de Educação da Universidade de Hong Kong, eles analisaram os fatores que levam os cientistas a iniciarem novas colaborações, e a mantê-las ao longo do tempo.

Para isso, fizeram um amplo levantamento dos autores correspondentes de papers publicados entre 2010 e 2016 em periódicos de diversas áreas indexados na base de dados Scopus, da editora holandesa Elsevier — os autores correspondentes são aqueles que assumem a responsabilidade global sobre o paper, ou o último nome da lista, em geral o líder do grupo de pesquisa. 

Os autores, então, os convidaram a responder um questionário on-line com perguntas que abrangiam uma série de variáveis ​​identificadas na literatura como determinantes para um fenômeno da sociologia conhecido como homofilia, o qual sugere que indivíduos com valores e experiências semelhantes têm uma tendência inerente de se relacionar entre si.

A essência desse fenômeno vai além das interações sociais, impregnando-se também nos relacionamentos profissionais, inclusive aqueles no âmbito da pesquisa, moldando a maneira como os cientistas escolhem e interagem com seus pares. 

“A homofilia cria uma camada adicional de complexidade nos estudos sobre colaborações”, esclarece Horta, autor principal de um artigo publicado em fevereiro na revista científica Scientometrics apresentando os resultados do levantamento.

“A maioria dos estudos se concentra na propensão dos cientistas a colaborar, nos padrões dessas colaborações e em outros aspectos relacionados ao processo colaborativo, ao passo em que a influência da homofilia nas relações colaborativas de pesquisa é menos analisada.” 

Proximidade física é determinante 

Horta e seus colegas se debruçaram sobre esse fenômeno com base nas respostas de 4.855 participantes de diversas áreas do conhecimento e na análise de suas colaborações. De modo geral, verificaram que o principal determinante para a formação de novas colaborações é a proximidade física, e não variáveis organizacionais ou o compartilhamento de agendas científicas estratégicas, como se pensava até então.

“Indivíduos que compartilham atributos geográficos, isto é, que trabalham na mesma universidade, cidade ou país, colaboram mais entre si, apesar dos esforços das agências de financiamento em estimular parcerias internacionais”, comenta Horta, em entrevista ao Science Arena, acrescentando que a geolocalização também é um componente importante para a manutenção de parcerias de longo prazo. 

O sociólogo e sua equipe já haviam identificado esse fenômeno na área das ciências sociais, “o que nos parecia fazer sentido, uma vez que os estudos nessa área costumam tratar de questões próprias das realidades locais e regionais, o que pressupõe parcerias mais localizadas”, diz o pesquisador.

O que Horta e sua equipe observaram agora é que esse fenômeno parece se manifestar em todas as áreas, inclusive nas ciências físicas, tradicionalmente marcadas por grandes projetos cooperativos e interdisciplinares, como os desenvolvidos no Grande Colisor de Hádrons (LHC), o acelerador de partículas da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern), na fronteira da França com a Suíça. 

Idade e gênero

Outros dois fatores que favorecem a formação das chamadas colaborações homofílicas são idade e gênero. “Em geral, os pesquisadores tendem a colaborar com colegas do mesmo grupo etário e do mesmo gênero”, diz o sociólogo português.

“Ou seja, cientistas seniores, com carreiras mais consolidadas, tendem a colaborar mais com colegas nas mesmas condições, muito provavelmente porque conhecem e reconhecem suas qualidades e competências, ao passo que aqueles em início de carreira colaboram mais com outros colegas de nível equivalente”, destaca o pesquisador.  

O achado, sinaliza Horta, contradiz duas narrativas amplamente aceitas na comunidade científica. A primeira é a noção geral de que estudantes de doutorado — em geral, mais jovens — colaboram mais com os seus orientadores, mais velhos e experientes. A segunda é que investigadores menos conhecidos tendem a gravitar em direção àqueles com mais prestígio — provavelmente mais velhos — e a colaborar com eles para avançar na carreira. 

Da mesma forma, cientistas homens parecem colaborar mais com outros homens, enquanto cientistas mulheres colaboram mais com outras mulheres, sobretudo nas áreas multidisciplinares, das ciências naturais, sociais e humanidades. 

Cenário se repete no Brasil 

A cientista política Elizabeth Balbachevsky, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), explica que fez um estudo, com metodologias diferentes, e já havia identificado esse fenômeno no Brasil.

“Observamos à época que as redes de colaboração de muitos pesquisadores restringiam-se à sua própria instituição, muitas vezes ao seu próprio departamento”, afirma Balbachevsky, estudiosa da profissão acadêmica.  

Outro estudo, mais recente, publicado por pesquisadores da USP e da Universidade Federal do ABC (UFABC) no Journal of the Association for Information Science and Technology com base em dados de mais de 1 milhão de currículos acadêmicos da Plataforma Lattes, também constatou que as colaborações entre pesquisadores brasileiros ainda são significativamente influenciadas pela proximidade geográfica dos parceiros

Segundo o estudo, uma distância de 100 quilômetros entre dois pesquisadores brasileiros reduz a probabilidade de colaboração em 16,3% em média, ao passo que um aumento de 300 quilômetros na distância diminuiria a probabilidade de cooperação em 41,3%.

“O estudo de Horta mostra que esse fenômeno se manifesta inclusive em países com sistemas de pesquisa mais consolidados”, destaca Balbachevsky. 

Na sua avaliação, é compreensível que as colaborações se formem a partir de afinidades entre pesquisadores e da confiança que um tem no outro, ou mesmo da proximidade física.

“No entanto, penso que esse fenômeno, se perpetuado indefinitivamente, pode contribuir para manter os cientistas em sua zona de conforto e a tornar a ciência mais conservadora no que diz respeito aos seus objetivos, abordagens e metodologias”, conclui a pesquisadora da USP. 

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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