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Circulação internacional pode melhorar a pesquisa 

Mobilidade acadêmica, especialmente fora do país, ajuda a aumentar a produtividade científica 

Circulação internacional melhora a pesquisa Na lista das 20 primeiras nações com mais movimento de cientistas, o Brasil aparece na vigésima colocação | Imagem: Kyle Glenn/Unsplash

O físico César Mansueto Giulio Lattes (1924-2005) – que dá nome à Plataforma Lattes, principal banco de currículos de pesquisadores do Brasil – talvez não chegasse perto de ganhar o Prêmio Nobel duas vezes por conta da descoberta da partícula méson-pi, se não tivesse tido acesso a grandes laboratórios do mundo, mais precisamente em Bristol, na Inglaterra, e em Chicago, nos Estados Unidos, nos anos 1940.

Até mesmo no Brasil, na segunda metade do século passado, muitos dos avanços da física gestados por Lattes em instituições como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e o Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp) precisaram da colaboração com pesquisadores japoneses, que atravessaram o mundo para fortificar a ciência brasileira. 

Assim como o exemplo de Lattes existem milhares de outros, talvez menos conhecidos, que poderiam ser citados. Mas o fato é que, desde pelo menos 1920, o mundo científico assiste à circulação de cérebros pelo mundo, o que geralmente ajuda a acelerar a produção de conhecimento.

Publicado em fevereiro no Journal of Informetrics, o paper “International mobility characteristics, effects of, and effects on elite scientists”, assinado por quatro pesquisadores chineses, analisou os processos migratórios que ocorreram na ciência ao longo de cem anos, entre 1920 e 2020. 

A análise dos dados feita pelo grupo chinês sobre 78.815 cientistas revela que a migração, de forma proporcional, foi maior entre 1920 e 1960. Passou por um platô e, nas últimas duas décadas, decaiu.

Durante o período investigado, cerca de 57% (44.798) dos cientistas mudaram de país em pelo menos um momento em suas carreiras. Entre eles, 9.697 cientistas migraram em definitivo e 18.344 retornaram aos seus países de origem acadêmica até o final do período analisado. 

Para definir o país de cada autor, a pesquisa obteve dados da plataforma de revistas científicas Scopus. O funil definitivo para a lista de nomes usada no trabalho surgiu a partir da definição, feita pelos autores do paper, do grupo de “cientistas de elite”. Ou seja, nomes que entram no primeiro 1% do índice-h de cada ano.

Essa métrica é determinada pelo número de artigos publicados e citados pelo mesmo cientista em um determinado período, no caso específico durante o mesmo ano.

Por exemplo, um valor de índice-h de 10 indica que o acadêmico recebeu pelo menos 10 citações para cada um dos 10 artigos publicados durante 12 meses. Para aumentar o valor do índice-h de 10 para 15, o mesmo acadêmico deve receber pelo menos 15 citações aos 15 artigos publicados também durante o mesmo ano. 

Mais países participam da mobilidade internacional 

Quando o processamento dos dados saiu do campo dos nomes e passou para o de países, a tendência observada ao longo dos cem anos analisados mudou.

Nas duas últimas décadas, houve aumento no número de países participantes da mobilidade internacional.

De um lado, a América do Norte e alguns países da Europa Ocidental ainda atuam como centros de ciência de alto nível – desde os tempos do jovem Lattes, que cruzou o Atlântico rumo a Bristol aos 22 anos.

Do outro, as economias emergentes também se tornaram importantes centros de mobilidade desde 2000. O fluxo dominante, neste caso, é formado por cientistas que retornaram aos seus países de origem no intervalo de até dois anos. 

Neste foco mais voltado para a geografia das movimentações de cérebros, os resultados mostram que 199 países estiveram envolvidos em 965.761 processos migratórios entre 1921 e 2020. O estudo identificou o país listado no primeiro artigo de um autor registrado no Scopus como seu país de origem acadêmica.

Na lista das 20 primeiras nações com mais movimento de cientistas, o Brasil aparece na vigésima colocação. Nas cinco primeiras posições estão Estados Unidos, China (que recebeu 17.023 visitantes entre 2001 e 2020), Reino Unido, Alemanha e Itália.  

Os resultados da análise das redes de mobilidade acadêmica, segundo os autores do artigo, confirmam ainda mais a tendência de “multicentros” espalhados pelo mundo, mostrando uma centralidade de intermediação decrescente por parte dos países desenvolvidos ou com uma grande população.

Índia e Rússia, assim como o Brasil, aparecem com maior importância no fluxo registrado pela pesquisa. 

“A mobilidade internacional é muito vantajosa, sendo relatada de várias formas na literatura”, afirma Samile Vanz, professora do Departamento de Ciências da Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Segundo a pesquisadora, a participação em projetos internacionais, além de ser benéfica por si só, também permite a aprendizagem de novas e diferentes técnicas, possibilitando o contato com novas metodologias científicas.

“Nessas experiências internacionais, os cientistas que atravessam as fronteiras podem também ampliar seus conhecimentos e desenvolver novas formas de ver um problema de pesquisa”, afirma Samile Vanz, da UFRGS.

Algumas áreas se beneficiam mais 

Por mais que os benefícios de conexões internacionais sirvam para todas as áreas, algumas delas se beneficiam mais do que outras.

De acordo com a pesquisa publicada no Journal of Informetrics, a matemática, apesar de um número absoluto pequeno de pesquisadores de elite analisados (846), é a que mais apresentou cientistas trocando de país (694 pesquisadores, ou 82% da amostra).

A área da física e da astronomia é a segunda que mais registrou circulação de cérebros pelo mundo (1.686 de um total de 2.130 pesquisadores analisados nesses campos do conhecimento). Já as engenharias aparecem em terceiro lugar, com 3.338 cientistas (de um total de 4.530) que fizeram ao menos um movimento internacional em suas carreiras. 

Como discutem os pesquisadores no artigo, cientistas altamente qualificados são portadores cruciais de conhecimento, o que faz com que as economias modernas se esforcem para investir em cientistas de elite a fim de ter vantagem competitiva.

Mesmo os pesquisadores mais experientes hoje recebem incentivos por meio de políticas públicas para viajarem ao exterior. O que faz também com que a troca de experiências de curto prazo seja uma forma consagrada de mobilidade internacional. 

Por um caminho distinto, pesquisas no Brasil também realçam a importância da circulação científica. “A contratação de professores com diplomas de doutorado da mesma instituição parece não prejudicar o desempenho acadêmico, principalmente para os acadêmicos que realizam uma experiência no exterior, como um doutorado sanduíche ou um pós-doutorado”, explica o engenheiro Denis Borenstein, professor da Escola de Administração da UFRGS.

“São resultados que vão na contramão das conclusões de pesquisas anteriores relacionadas ao inbreeding em vários países. Uma hipótese para isto talvez seja nosso jeito latino de realizar pesquisa, em que as relações pessoais pesam mais que a competência acadêmica”, diz ele.

Borenstein publicou, em maio de 2022, no mesmo Journal of Informetrics, um artigo analisando o chamado “inbreeding acadêmico”. O trabalho se baseou em dados de 76.521 cientistas brasileiros de todas as áreas do conhecimento que concluíram o doutorado entre 2000 e 2016 e que, na época do estudo, trabalhavam em alguma instituição de ensino e pesquisa brasileira, pública ou privada.

Endogamia acadêmica 

O fenômeno conhecido como “inbreeding acadêmico” ou “endogamia acadêmica”, no português, se refere à contratação de docentes que tenham se formado na mesma instituição que os emprega.

A longo prazo, ressalta Borenstein, o fenômeno pode levar ao que é conhecido na biologia como “depressão por endogamia”, ou seja, a redução de características relacionadas à aptidão dos descendentes de indivíduos em uma determinada população. 

Diversos autores publicaram artigos argumentando que a endogamia acadêmica pode gerar falta de diversidade na pesquisa, pensamento local em vez de global, e o reforço de práticas administrativas e acadêmicas questionáveis. Essa prática tem sido apontada como um problema potencial para as atividades acadêmicas, especialmente a pesquisa científica. 

No que diz respeito à produtividade acadêmica, os dois artigos, tanto o feito no exterior quanto o que se voltou para a realidade brasileira, apontam para a mesma direção: a circulação internacional aumenta a qualidade das pesquisas. A principal descoberta do artigo do grupo brasileiro, no entanto, é que os casos de endogamia são, em geral, mais produtivos e superam os não-endogâmicos em quase todas as medidas de produtividade acadêmica.  

“Além disso, descobrimos que os endogâmicos móveis – pesquisadores que trabalharam em outro lugar antes de ingressar em sua instituição de concessão de doutorado – são os mais produtivos no geral”, escrevem Borenstein e colaboradores nas conclusões do artigo.

“A mobilidade acadêmica pode impactar a produtividade e, juntamente com o resultado referente ao efeito positivo de um período de estudo no exterior, sugere que apoiar programas de intercâmbio, como pós-doutorados, é uma maneira eficiente de aumentar a produtividade científica geral.”

O que não significa, como avisa o próprio grupo, que a questão de endogamia não apresente ameaças pontuais principalmente a longo prazo, como problemas ligados ao nepotismo, “paroquialismo”, compadrio, favoritismo e discriminação.

“Todas as atitudes antiéticas, discriminatórias, ilegais e injustas que foram destacadas pela literatura de pesquisa sobre endogamia acadêmica devem ser fortemente combatidas pela comunidade científica”, ratificam os cientistas, não derrubando o fato de que a endogamia acadêmica continua sendo uma questão controversa.  

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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