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06.09.2023 Saúde Pública

Cerca de 350 crianças morrem por ano de sífilis congênita no Brasil

De acordo com estudo, mortes poderiam ser evitadas com tratamento simples e barato durante a gestação

Ilustração da bactéria Treponema pallidum, causadora da sífilis congênita quando transmitida da mãe para o feto através da placenta ou durante o nascimento | Imagem: Shutterstock

Entre 2011 e 2017, morreram cerca de 350 crianças por ano de sífilis congênita no Brasil, uma doença que pode ser evitada pelo tratamento da infecção na mãe grávida com penicilina. Entre as crianças que nascem com a doença, o risco de morte foi quase 2,5 vezes maior do que nas demais. Os números foram compilados a partir de dados do Sistema Único de Saúde (SUS) e apresentados em artigo publicado na revista Plos Medicine.

“É um número absurdamente alto, considerando que o tratamento da mãe é relativamente simples e barato”, disse ao Science Arena a epidemiologista Enny Paixão Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na Bahia, uma das autoras do artigo. Ela observa que, no Reino Unido, onde atua como pesquisadora visitante na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, o número de mortes não passa de 10 por ano.

A sífilis congênita é causada pela transmissão da bactéria Treponema pallidum, da mãe para o feto através da placenta ou durante o nascimento. Geralmente, a mãe contrai a doença pela relação sexual desprotegida ou pelo contato com sangue contaminado. As crianças que nascem podem apresentar sintomas graves, como má formação óssea, surdez, atraso no desenvolvimento mental, entre outros problemas, ou nascer sem sintomas aparentes e desenvolvê-los nos primeiros dois anos.    

Os pesquisadores verificaram que entre janeiro de 2011 e dezembro de 2017 nasceram cerca de 20 milhões de crianças no Brasil. Destas, cerca de 93,5 mil foram diagnosticadas com sífilis congênita ao nascer e 2,5 mil morreram. A maior parte das mortes (33%) aconteceram no período neonatal, até 28 dias após o nascimento; de um mês a um ano foram 11% das mortes; e de 1 a 4 anos 3%.

O risco de morte em relação aos bebês sem a doença foi quase 9 vezes maior em crianças que nasceram com alta concentração de anticorpos contra a bactéria da sífilis, indicando infecção aguda, e cerca de 7  vezes maior naquelas que já nasciam com sintomas.

Para chegar a esse resultado, os pesquisadores cruzaram três bancos de dados do SUS: o SINASC, que registra os nascimentos, o SIM, com informações sobre falecimentos e o Sistema de Informação de Agravos de Notificação, ou SINAN. O levantamento foi possível porque a sífilis congênita é uma das doenças que os postos de saúde devem informar ao SINAN quando identificam um caso.

“O estudo é bastante sofisticado, por envolver bases de dados complexas”, afirma a professora de enfermagem Mellina Yamamura Calori, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que não participou do estudo.

Calori concorda que o dado é alarmante e afirma que o problema deve ser atacado em múltiplas frentes. “É preciso facilitar o transporte das mães e seus companheiros, ampliar os horários de atendimento e  combater o estigma”, defende.  

O prejuízo real causado pela doença, no entanto, é ainda maior do que o calculado pelo estudo. Como  o SINASC registra apenas o nascimento de bebês vivos, o número total de mortes calculado no estudo não inclui os abortos e bebês que nascem mortos.

Falhas de atendimento

As causas do número alto de mortes são variadas. Uma delas, segundo Cruz, é que o resultado do exame que detecta a presença de anticorpos contra a bactéria causadora da sífilis, conhecido como VDLR, aplicado rotineiramente em gestantes, pode demorar cerca de três meses para sair. Assim, muitas vezes, o resultado chega depois do prazo para início do tratamento, que deve começar até um mês antes do parto.

Mesmo quando o diagnóstico é feito no prazo e a grávida é tratada, nem sempre o parceiro adere ao tratamento, o que pode causar reinfecção. Embora o estigma da doença possa contribuir para afastar os homens, o horário dos postos de saúde, que atendem apenas entre 8:00 e 17:00, dificulta o tratamento daqueles que trabalham o dia todo.

Quando o bebê nasce, surge outro problema: as dificuldades de diagnóstico da doença. O resultado do teste VDLR no bebê não é uma indicação segura de sífilis congênita, pois os anticorpos transferidos da mãe podem permanecer no sangue mesmo na ausência de infecção no recém-nascido. A tendência é que a concentração seja maior em caso de infecção e menor quando ela já foi eliminada, mas não há como ter certeza.

Por isso, o resultado do exame de sangue é interpretado à luz de outras informações, especialmente se a mãe foi tratada no prazo e se o bebê nasceu com sintomas — alguns deles, como icterícia e secreção nasal, não são específicos da sífilis congênita, mas podem contribuir para o diagnóstico. Em alguns casos, no entanto, sintomas como baixo peso e problemas respiratórios só aparecem ao longo dos dois primeiros anos.

Além disso, de 2014 a 2016 a fabricação da penicilina, usada no tratamento da doença, foi interrompida por ser um medicamento barato e que não é tido como prioridade pelas farmacêuticas, segundo Cruz. “O principal fator de risco é o nível baixo de educação, ser mulher solteira e a situação socioeconômica”, diz ela. 

Outro problema é que a penicilina pode causar anafilaxia, um tipo de reação alérgica aguda, que é tratada com adrenalina. Muitas vezes, por precaução, os postos de saúde que não têm o medicamento não aplicam o tratamento. “O percentual de problemas causados pela penicilina é pequeno, enquanto a falta de tratamento pela sífilis congênita causa um prejuízo enorme”, ressalta Cruz.

Calori, da UFSCar, concorda que o número de mortes é excessivo e assinala que, com o desmantelamento das políticas públicas de saúde durante a pandemia, pode aumentar nos próximos anos. “As gestantes e seus parceiros não foram devidamente tratados nesse período”, afirma.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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