
Rastros da poluição no cérebro
Pesquisadores buscam entender como a exposição a poluentes pode atuar no desenvolvimento de doenças como Alzheimer e Parkinson

A poluição do ar pode afetar o cérebro, desde o desenvolvimento do feto, passando pela infância, até o aparecimento de doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer. Pesquisadores usam até um nome para o campo de pesquisa que faz esse tipo de associação: a ‘ciência expossômica’, ou seja, uma área que tem como objeto de investigação o expossoma.
O expossoma, por sua vez, é um conceito que se refere à totalidade de exposições a uma variedade de fatores externos e internos, incluindo agentes químicos, agentes biológicos ou radiação, desde a concepção, durante toda a vida.
“A expossômica baseia-se em enormes bancos de dados sobre a distribuição de toxinas ambientais, respostas genéticas e celulares e padrões de comportamento humano”, explica a jornalista Sherry Baker em reportagem publicada no portal de jornalismo científico OpenMind.
De acordo com a publicação, “existe uma grande quantidade de informação para analisar, então os pesquisadores dessa área estão se voltando para outra ciência emergente, a inteligência artificial, para dar coerência a isso tudo.”
Em artigo publicado em novembro de 2023, um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos sugere que a pesquisa em expossômica coloca em contraste o genoma e a genômica, “fornecendo uma análise complementar e tão compreensiva quanto a dos condutores não-genômicos da biologia, que afetam a população assim como o indivíduo.”
A relação entre poluentes e Parkinson é fruto do trabalho da geógrafa Brittany Krzyzanowski, especialista em epidemiologia espacial e interação humano-ambiente no Instituto Neurológico Barrow, nos Estados Unidos.
Em um estudo do ano passado, publicado na revista Neurology, o grupo de Krzyzanowski demonstrou que cidades localizadas no vale dos rios Mississipi e Ohio, nos Estados Unidos, têm habitantes com 56% mais risco de desenvolver Parkinson quando o nível de poluição é considerado médio.
A comparação foi feita com aqueles que vivem em regiões com o menor nível de poluentes no ar. O estudo mostrou, de modo geral, que pessoas que moram no oeste do país, menos poluído, têm um risco menor de desenvolver a condição do que o resto do país.
Partículas finas
Neste e em outros estudos, chama a atenção dos pesquisadores as chamadas PM 2,5, isto é, partículas finas, com tamanho inferior a 2,5 micrômetros (um micrômetro equivale à milésima parte do milímetro).
As partículas finas podem afetar pulmões e coração e são fortemente associadas a danos cerebrais.
Incêndios florestais são grandes geradores destes poluentes. Um estudo de 2021 mostrou que pesticidas, tintas, produtos de limpeza e de higiene pessoal são grandes – e pouco reconhecidas – fontes de partículas finas e podem aumentar o risco de desenvolvimento de uma série de problemas de saúde, incluindo acidente vascular cerebral (AVC).
Os dados sobre Alzheimer também são um alerta para a relação entre condições neurológicas degenerativas e poluentes.
Ainda que portadores de uma variante genética específica tenham maior propensão a esta forma de demência, ela não é um fator determinante.
Os pesquisadores sugerem que o que pode fazer essas pessoas desenvolverem a doença esteja também no ar que respiram. Um estudo que acompanhou 1.100 homens desde os 56 anos de idade apontou que, aos 68, aqueles expostos a altas taxas de partículas finas tiveram os piores níveis em fluência verbal.
Os pacientes que tiveram mais contato com dióxido de nitrogênio (NO2), poluente resultante da queima de combustíveis fósseis, foram associados a uma piorada memória episódica, aquela de experiências pessoais passadas que ocorreram em um determinado momento e local.
Pautar a agenda científica
Por conta de resultados como estes, pesquisadores das universidades do Sul da Califórnia e Duke, nos Estados Unidos, propuseram, em 2019, o “Exposoma do Alzheimer”, a fim de pautar a agenda científica sobre os fatores ambientais que interagem com os genes para causar demência.
A ideia é que a expossômica possa ajudar no que os medicamentos “falharam” até agora, como apresentando o que pode ser alterado na exposição das pessoas que possa prevenir a doença.
Sabe-se, por exemplo, que toxinas do ambiente podem perturbar mecanismos de proteção e de reparo celular no cérebro. Fatores como obesidade e estresse, por sua vez, contribuem para inflamação crônica, que pode danificar a capacidade dos neurônios de funcionar e se comunicar.
Em entrevista à revista OpenMind, Rosalind Wright, professora de pediatria e codiretora do Instituto para Pesquisa em Expossômica da Icahn Escola de Medicina Monte Sinai, em Nova York, e uma das pioneiras nesse tipo de estudo, pontua que fomos programados para ser resilientes.
“O problema ocorre quando as exposições a fatores ambientais são crônicas e cumulativas e superam nossa capacidade de adaptação”, disse Wright. “Não vamos consertar tudo, mas se eu sei mais sobre mim mesma do que antes, isso me dá poder para pensar.”
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