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20.06.2025 Saúde Pública

CPI das Bets, influenciadores: apostas online expõem desafios de saúde e regulação

Plataformas digitais de jogos de azar avançam globalmente e já afetam a vida de milhões de pessoas, com impactos econômicos e na saúde mental

Rapaz sentado no sofá assistindo a um jogo de futebol na televisão e, usando um smartphone, acessa uma plataforma de apostas esportivas Com o crescimento global das apostas online, especialistas alertam para os impactos sociais e à saúde, como vício, problemas financeiros e desestruturação familiar | Imagem: Shutterstock

Com movimentações bilionárias e alcance global, as apostas online deixaram de ser entretenimento marginal para se tornarem um fenômeno que mistura marketing agressivo, vício em expansão e riscos à saúde pública. No Brasil, esse cenário ganhou contornos ainda mais preocupantes a partir da legalização das chamadas apostas de quota fixa, sancionada pelo então presidente Michel Temer, em dezembro de 2018, por meio da Lei nº 13.756. A norma autorizou a operação comercial desse tipo de jogo, criando brechas para a proliferação de plataformas digitais.

Desde então, mais de 2 mil casas virtuais de apostas passaram a atuar no país, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. Muitas dessas empresas estão sediadas em paraísos fiscais e operam localmente por meio de sócios brasileiros ou representantes contratados. Com isso, boa parte da arrecadação escapa da tributação nacional e não oferece contrapartidas públicas.

O impacto financeiro sobre a população é enorme. A previsão é de que os consumidores brasileiros perderão até R$ 1,2 trilhão em apostas até 2030. Já o mercado global de jogatina online deve movimentar cerca de US$ 700 bilhões (R$ 4 trilhões) até 2028.

Os custos sociais, porém, vão muito além dos números.

Epidemia silenciosa: vício, falência e rupturas familiares

Especialistas alertam para uma sequência de danos que não se limita ao aspecto financeiro. O vício em jogos de azar online aumenta o risco de suicídio, de violência doméstica, falência e desestruturação familiar. Esses efeitos, como mostram relatórios científicos e políticos, podem se estender por gerações, criando ciclos difíceis de romper.

Dados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets no Senado revelam que, só em 2024, cerca de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família destinaram R$ 3 bilhões a plataformas de apostas, deixando de consumir itens básicos como comida, roupas e remédios.

Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo aponta que 23% dos jogadores deixaram de comprar roupas, 19% deixaram de comprar alimentos e 19% cancelaram viagens por conta do jogo.

“Se demorarmos, os jogos de azar e os danos que eles causam se tornarão um fenômeno global ainda mais arraigado e muito mais difícil de enfrentar”, adverte relatório da The Lancet Public Health, que analisa o impacto mundial dessa indústria em ascensão.

Fenômeno global em expansão

Segundo o estudo publicado na The Lancet e coordenado pela pesquisadora Heather Wardle, da Universidade de Glasgow, na Escócia, 448,7 milhões de adultos em todo o mundo apostam online, sendo que 80 milhões já estão viciados.

A pesquisa mostra que as apostas estão presentes em mais de 80% dos países e têm crescido especialmente em regiões vulneráveis.

O cérebro dos jogadores responde aos ganhos com descargas de dopamina; pessoas impulsivas ou com baixo autocontrole estão mais suscetíveis a desenvolver dependência
O cérebro dos jogadores responde aos ganhos com descargas de dopamina; pessoas impulsivas ou com baixo autocontrole estão mais suscetíveis a desenvolver dependência | Imagem: Shutterstock

As plataformas são projetadas para estimular jogadas rápidas, frequentes e repetidas, com uso intensivo de publicidade e design comportamental. “O marketing e a tecnologia tornam mais fácil começar a jogar — e mais difícil parar”, destaca o relatório.

No Brasil, o Instituto Locomotiva estima que 52 milhões de adultos já apostaram online e 25 milhões iniciaram esse comportamento apenas em 2024.

Entre eles, 45% tiveram prejuízos financeiros e 37% utilizaram recursos que seriam destinados a outras prioridades.

Entendendo o comportamento de risco

Estudos apontam que o envolvimento em apostas problemáticas resulta da combinação de fatores neurológicos, psicológicos e ambientais. O cérebro dos jogadores responde aos ganhos com descargas de dopamina, semelhante ao que ocorre em outros tipos de vício.

Pessoas impulsivas ou com baixo autocontrole estão mais suscetíveis a desenvolver dependência.

Além disso, a constante exposição a propagandas e a presença de influenciadores que normalizam ou até glamourizam o jogo contribui para uma cultura de banalização.

Jogadores que apostam em mais de dois tipos de jogos ou que jogam com frequência mensal superior a quatro vezes já apresentam risco elevado de sofrer danos.

Caminhos para regulação e enfrentamento

Diante do avanço das apostas e seus efeitos colaterais, o relatório da CPI das Bets propõe:

A recomendação é clara: o setor exige uma regulação mais robusta, transparente e ética, com fiscalização ativa e instrumentos modernos de controle.

Saiba mais clicando nos tópicos a seguir:

A escala global dos jogos de azar online

Estatísticas globais:

  • 448,7 milhões de adultos apostam online; 80 milhões estão viciados.
  • 46,2% dos adultos e 17,9% dos adolescentes jogaram no último ano, com 10,3% dos adolescentes utilizando plataformas online.

Impactos regionais:

  • Disponibilidade em mais de 80% dos países, incluindo regiões pobres da África Subsaariana.
  • Acesso facilitado por marketing sofisticado e design que incentiva jogadas repetidas.

O impacto no Brasil

Números brasileiros:

  • 52 milhões de adultos já apostaram online; 25 milhões começaram em 2024.
  • 45% relataram prejuízos financeiros; 37% usaram dinheiro destinado a outras prioridades.

Legislação e crescimento:

  • Apostas regulamentadas desde 2018 pela Lei nº 13.756.
  • Mais de 2 mil casas virtuais de apostas operam no país, muitas delas sediadas em paraísos fiscais.

Fatores de risco e comportamento problemático

Causas biológicas e psicológicas:

  • Envolvimento de circuitos cerebrais ligados à dopamina.
  • Impulsividade e baixa capacidade de autocontrole.

Influências ambientais:

  • Oferta abundante, publicidade intensa e histórico familiar de apostas.
  • Risco aumentado para quem joga mais de quatro vezes por mês ou participa de múltiplos tipos de apostas.

Estratégias da indústria

Associação com esportes:

  • Patrocínio de equipes esportivas e apostas ao vivo durante partidas.
  • Aumento na frequência e intensidade das apostas.

Jogos online:

  • Projetados para serem mais rápidos e intensivos, atraindo públicos amplos.

Danos sociais e à saúde

Principais consequências:

  • Risco aumentado de suicídio, violência doméstica, falência financeira e ruptura familiar.
  • Impactos intergeracionais e aumento de criminalidade.

Projeções econômicas:

  • Até 2030, perdas estimadas de US$ 205 bilhões globalmente.
  • Crescimento da indústria projetado para US$ 700 bilhões até 2028.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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