
Inundações aumentam risco de violência contra mulheres, diz estudo
Pesquisa global mostra que mulheres expostas a eventos climáticos extremos têm 10,7% mais chances de sofrer violência por parceiro íntimo

Inundações provocadas por ciclones, tsunamis e chuvas intensas podem estar relacionadas a um aumento dos casos de violência física, sexual e psicológica contra mulheres, especialmente em países de baixa e média renda. A conclusão é de um estudo publicado na revista Nature Water.
Nos últimos anos, diversas pesquisas apontaram uma ligação entre eventos climáticos extremos — como secas, ondas de calor, terremotos e inundações — e o aumento de casos de violência por parceiro íntimo (VPI). Ainda assim, os dados eram muitas vezes inconclusivos.
O novo estudo avança nesse campo ao utilizar uma base populacional ampla e heterogênea.
Dados de mais de 340 mil mulheres
Conduzida por pesquisadores liderados por Renjie Chen, da Universidade de Fudan, em Xangai, na China, a pesquisa analisou dados de 340.955 mulheres entre 15 e 49 anos, de 31 países na África, Ásia, América Latina e Caribe. As informações foram obtidas por meio de entrevistas feitas entre 2008 e 2021 pelo programa Demographic and Health Surveys (DHS), financiado pela USAID.
Do total de entrevistadas, 31,1% foram afetadas por inundações nos 12 meses anteriores, e 88.460 relataram ter sofrido algum tipo de violência de seus parceiros no mesmo período. A violência física foi a mais prevalente (19,4%), seguida da emocional (16 %) e da sexual (6,1%).
“O risco de mulheres expostas a inundações sofrerem alguma forma de violência por parte de seus parceiros foi 10,7% maior do que o de mulheres não expostas a esse tipo de evento climático”, aponta o estudo.
Violência emocional teve o maior aumento
O risco de violência emocional apresentou o maior crescimento percentual (17,6%) entre as mulheres expostas a inundações. Em seguida vieram os aumentos relativos à violência sexual (13 %) e física (4,9%). A associação foi mais significativa em países africanos e menos intensa em países asiáticos.
De forma geral, os autores indicam que a prevalência de VPI tende a aumentar 3,8% a cada novo evento de inundação e 0,23% a cada dia adicional de exposição a esse tipo de desastre climático.
Análises estratificadas revelaram que mulheres mais jovens, com escolaridade inferior à de seus parceiros, moradoras de áreas rurais e pertencentes a famílias de baixa renda são mais vulneráveis à violência associada às inundações.
“Essa vulnerabilidade resulta de desvantagens sociais estruturais, que se intensificam em contextos de desastre”, escrevem os autores.
As inundações podem agravar o estresse doméstico e causar escassez de itens essenciais, tanto em áreas agrícolas quanto urbanas, o que eleva o risco de violência.
Em contextos como o casamento precoce, comum em alguns países asiáticos e africanos, as desigualdades entre parceiros também contribuem para esse cenário.
As inundações também podem prejudicar a oferta de serviços públicos e dificultar o acesso das vítimas a redes de apoio e mecanismos legais.
O isolamento durante esses eventos também faz com que as mulheres passem mais tempo com os parceiros, aumentando a exposição ao risco de violência.
Justiça climática em foco
Pesquisas recentes destacam que países em desenvolvimento — especialmente na África Subsaariana, sudeste asiático e América Latina — enfrentam impactos mais severos das mudanças climáticas.
A escassez de recursos, a infraestrutura inadequada e a má governança aumentam os danos causados por desastres naturais e sociais.
Nesse cenário, os autores do estudo defendem políticas voltadas à justiça climática e à equidade de gênero como medidas urgentes.
“A justiça climática precisa considerar as desigualdades estruturais que tornam mulheres em situação de vulnerabilidade ainda mais expostas aos impactos dos eventos extremos”, concluem os pesquisadores.
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