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29.03.2024 Saúde Única

O que a natureza pode fazer por sua saúde mental?

Contato com paisagens naturais, espaços verdes e o canto dos pássaros pode ajudar no enfrentamento de transtornos como ansiedade e depressão

Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus): A abundância de pássaros na vizinhança tem sido também associada com menor prevalência de depressão, ansiedade e estresse | Imagem: Shutterstock

Vamos começar este texto com alguns números. Estados depressivos são bastante comuns. Estima-se que mais de 300 milhões de pessoas, de todas as idades sofram com esse transtorno. No Brasil, os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que 5,8% da população brasileira sofre de depressão, o equivalente a 11,7 milhões de brasileiros, sendo um dos cinco mais elevados do planeta.

Em relação à ansiedade não é diferente; infelizmente, com dados mais alarmantes. O Brasil tem a população com a maior prevalência de transtornos de ansiedade do mundo, considerada como uma epidemia, na qual aproximadamente 18,6 milhões de brasileiros (equivalente a 9,3% da população) convivem com este transtorno. 

Transtornos mentais geram, ainda, perdas de US$ 1 trilhão por ano para a economia global.

Mas vamos lá, nem tudo são más notícias. O Brasil também é o país com a maior biodiversidade do mundo. São mais de 116.000 espécies animais e mais de 46.000 espécies vegetais catalogadas, espalhadas pelos seis biomas terrestres e três grandes ecossistemas marinhos. Sem falar sobre o quanto ainda desconhecemos. E o que esses números de áreas que parecem diferentes, mas que na realidade não o são, têm a ver uns com os outros?  

Se pensarmos em termos de Saúde Única, já temos a resposta. A partir de 2023, inclusive, passamos a ter o Dia Nacional da Saúde Única, celebrado no dia 03 de novembro, justamente com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre a relação indissociável entre as “saúdes” animal, humana e ambiental.

As pessoas, normalmente quando se sentem estressadas, buscam a natureza para relaxar, se recompor, se “reenergizar”, para sentirem-se revigoradas. O que parece ser algo intuitivo, desde a década de 1960 já era alvo da psicologia, com a criação da Hipótese da Biofilia, disseminada nos anos 1980 pelo biólogo norte-americano Edward Wilson (1929-2021), segundo a qual os seres humanos têm uma afinidade com o mundo natural, porque a espécie Homo sapiens também faz parte da natureza.  

É também daquela década (1980) um estudo clássico publicado na revista Science, que demonstrou que pacientes cirúrgicos com vistas para áreas verdes receberam alta hospitalar mais precocemente e necessitaram de menos analgesia, quando comparados com aqueles que tinham vista para edificações.

As experiências na natureza são diversas e podem ocorrer mediante o contato “real” com ambientes naturais, mas também têm resultados observáveis a partir de vistas de janelas, representações (como fotografias de paisagens) ou simulações (por exemplo, por realidade virtual).

Essas experiências decorrem de percepções e/ou interações dos indivíduos com estímulos do mundo natural (desde vasos de plantas e jardins privados até espaços verdes públicos mais amplos e áreas selvagens, clima e movimentos do sol) por meio de uma variedade de estímulos sensoriais (visão, audição, paladar, tato e olfato), além de sentimentos de conexão, de apreciação estética e de experiências prévias e positivas na natureza.

Atualmente, sabe-se que adultos que foram mais expostos à natureza quando crianças têm melhor saúde mental em relação aos que não foram. O bem-estar psicológico de uma população tem sido relacionado a atividades como viver próximo de espaços verdes, espaços azuis (ou seja, ambientes aquáticos e marinhos) e árvores em ruas ou jardins privados.

O contato com a natureza tem sido visto como recurso útil para controle de déficit de atenção e transtorno de hiperatividade (TDAH).

Evidências atestam, ainda, que em comparação com a experiência urbana, a experiência com a natureza se traduz em benefícios afetivos, dos quais, além da diminuição da ansiedade, depressão e agressividade, há uma redução também da ruminação mental, de estados de humor negativos com preservação ou aumento dos positivos.  

Também há benefícios cognitivos como aumento do desempenho da memória de trabalho, que é a nossa memória operacional usada para desempenhar nossas atividades no cotidiano.

Fadiga mental

Há uma teoria chamada de Teoria da Recuperação da Atenção, que busca explicar como a natureza reduz nossa fadiga mental. Essa mesma fadiga mental que só aumenta quanto mais tempo ficamos na frente das telas tecnológicas (drenos de atenção e energia).

A atenção não dirigida que ocorre, por exemplo, quando caminhamos na natureza, e nossa atenção se volta ao canto de um pássaro, à beleza de uma flor, a um perfume no ar, nosso cérebro se recupera do desgaste mental, conferindo à natureza o status de ambiente restaurador. 

Estar próximo à natureza foi fator determinante para melhorar a saúde mental, com redução do estresse e aumento de bem-estar, durante a pandemia de Covid-19. Isso variou desde maior duração das visitas ao quintal, porque as pessoas passaram a procurar utilizar mais os espaços naturais imediatamente disponíveis para regulação emocional, até aqueles que moravam em áreas urbanas e buscaram refúgios mais naturais durante aqueles tempos difíceis, dos quais muitos nem retornaram pós pandemia.

Ah, e os pássaros! Sim, o canto dos pássaros é um dos elementos mais citados na literatura científica sobre a percepção nos ambientes naturais que melhoram significativamente os benefícios restauradores percebidos. A abundância de pássaros na vizinhança tem sido também associada com menor prevalência de depressão, ansiedade e estresse.

Voltando aos números, em um país que tem 1.825 espécies de aves, muitas delas vivendo em espaços urbanos, com certeza ao menos 20 espécies são vizinhas de qualquer pessoa. É, portanto, uma questão de apenas prestar atenção, ouvir seu canto, respirar fundo e sentir o bem-estar que a natureza pode te proporcionar.

Eliseth Leão é pesquisadora sênior do Hospital Israelita Albert Einstein e líder do Grupo de Pesquisa e-Natureza: estudos interdisciplinares sobre conexão com a natureza, saúde e bem-estar (CNPq).

 

 

Os artigos opinativos não refletem necessariamente a visão do Science Arena e do Einstein.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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