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17.10.2023

Dispêndios do Parkinson

Tomadores de decisão precisam saber a fundo os custos da doença a fim de elaborar novas políticas públicas

Imagem: Shutterstock

Todos sabemos que a população mundial está envelhecendo. A expectativa de vida na maioria dos países está aumentando e aqui no Brasil isso não é diferente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número e a proporção de pessoas com 60 anos ou mais na população estão aumentando em um ritmo sem precedentes e se acelerará nas próximas décadas, principalmente nos países em desenvolvimento como o Brasil.

Em 2019, o número de pessoas com 60 anos ou mais era de 1 bilhão ao redor do mundo – e esse número deve aumentar para 1,4 bilhão, em 2030, e para 2,1 bilhões em 2050. Aqui serão quase 90 milhões de idosos, o que é um número bastante expressivo. Isso torna a saúde do idoso um importante foco de atenção.

Por ser um país de dimensões continentais, com diferenças na sua colonização favorecendo características peculiares para as regiões, as condições de vida nos diversos territórios brasileiros são muito diversas, criando múltiplas expectativas de vida, influenciando no contexto do envelhecimento populacional.

No entanto, se envelhecer sem doença crônica é uma exceção, isso não significa exclusão social. Se o idoso consegue permanecer ativo na sociedade, mantendo uma qualidade de vida que lhe permita ter sua “autoestima em alta”, muitas vezes ele é considerado “saudável” pelos estudiosos. Disso resulta que a atenção à saúde do idoso seja primordial para preservar a sua autonomia pelo maior tempo possível. Assim, atualmente ser considerado idoso com 60 anos de idade é algo muito relativo.

Voltando para o foco da saúde, a doença de Parkinson – que sempre foi considerada uma doença da terceira idade, afetando de forma geral indivíduos acima dos 60 anos, e cujo crescimento entre 1990 e 2015 superou a doença de Alzheimer, aumentando globalmente 118% – teve seu número estimado em 6,2 milhões de pessoas. A projeção para 2030, é que este número fique entre 8,7 e 9,3 milhões de pessoas afetadas por essa enfermidade. Como no Brasil não há necessidade de notificação compulsória para o Parkinson, então, números não oficiais sugerem que 220.000 pessoas tenham a doença.

O envelhecimento da população é claramente notado nos sistemas de saúde pública, muitas vezes não estruturados para atender à crescente demanda desse segmento etário, que frequentemente apresenta moléstias crônicas e múltiplas, perdurando anos, como a doença de Parkinson. Isso gera um consumo de recursos da área de saúde com tratamentos complexos e onerosos que, infelizmente, nem sempre são corretos e específicos para a faixa etária.

Devido à má distribuição do acesso aos serviços de saúde no Brasil e ao aumento da expectativa de vida, muitos idosos têm os cuidados iniciais num estágio já avançado da doença.

Isso pode resultar na ampliação dos períodos de incapacidade e dependência, o que poderia ser evitado (pelo menos em parte), caso houvesse maior interesse por parte dos tomadores de decisão na melhor alocação de recursos já tão escassos nos últimos tempos – e, que não estão relacionados à economia de verbas, mas sim com eficiência, efetividade e segurança das intervenções avaliadas.

Com certeza, os desafios que a pessoa com Parkinson enfrentaria poderiam ser minimizados e, como consequência, sua qualidade de vida poderia ser melhor, embora saibamos que o Parkinson seja uma doença neurodegenerativa e progressiva e, claro, cada caso deve ser avaliado de maneira individual.

Progressão variável

Essa enfermidade é bastante peculiar, pois há pessoas que a desenvolvem e se mantém “estáveis” por muitos anos. Outras, no entanto, em pouco tempo estão acamadas ou completamente debilitadas, demonstrando que a taxa de progressão é altamente variável entre os indivíduos.

Existem formas mais lentas ou mais rápidas de desenvolvimento, que dependem de vários fatores, como os sintomas apresentados e/ou resposta à medicação ou ainda podem ser o resultado de influência genética. No entanto, uma de suas características é ter uma complexa linha do tempo, incluindo a fase prodrômica, outra motora e, por fim, a fase paliativa.

Por vezes, a doença afeta o indivíduo ainda na sua fase produtiva gerando incapacidade que aos poucos vai afetando sua qualidade de vida, podendo ocasionar dependência física, cognitiva e social comprometendo sua renda. Muitas pessoas com Parkinson necessitam de cuidadores, acarretando um ônus para a família.

No Brasil, na maioria das vezes é um familiar quem faz este cuidado, o que gera um impacto indireto, pois além das questões financeiras, o cuidador geralmente se afasta do emprego e a organização familiar como um todo sofre alterações. Além disto, a pessoa com Parkinson necessita de uma equipe multidisciplinar para seus cuidados.

O papel da fisioterapia, da fonoaudiologia e da nutrição é fundamental para o bem-estar do paciente, assim como o de outras terapias complementares. Há disponibilidade dessas terapias nos serviços públicos, porém nem sempre a pessoa tem acesso a eles: seja por falta de vagas, seja por conta distância ou até mesmo por falta de indicação de profissional.

As pessoas com Parkinson, assim como a maioria dos idosos que têm doenças crônicas, ampliam o número de visitas médicas. Mais consultas podem levar a maior consumo de medicações, mais exames complementares e hospitalizações.

O padrão de distribuição das necessidades em saúde segue o modelo da letra “J”: as pessoas (no início e particularmente no final da vida) apresentam mais problemas de saúde. A grande diferença é que as doenças da faixa jovem são agudas e, portanto, de custo menor, enquanto as dos idosos são crônicas e de alto custo.

Custos pessoais e necessidade de novas políticas

Falando ainda dos custos que a doença de Parkinson impõe, estão os custos pessoais, como a compra de medicamentos quando não disponíveis na rede pública (e nem todos os prescritos estão disponíveis), as alterações domiciliares, a compra de recursos para locomoção ou mesmo para melhorar seu conforto, como camas hospitalares, cadeiras de roda, andadores dentre outros. Sem falar, ainda, no custo do seu deslocamento para as consultas e/ou terapias, que muitas vezes são em outros municípios, acarretando gastos extras, inclusive com hospedagem e alimentação.

No Brasil, até agora, não havia nenhum dado que pudesse fornecer uma estimativa dos custos do Parkinson, no sentido de proporcionar subsídios para que novas políticas públicas pudessem ser adotadas em benefício das pessoas com Parkinson.

Desta forma, a tese de meu doutorado focou no custo médio anual da pessoa com Parkinson atendida pelo sistema público de saúde no Brasil e foi estimado o valor de aproximadamente R$21.000,00 entre custos diretos médicos e não médicos, indiretos e pessoais (lembrando que o período da coleta dos dados ocorreu durante a pandemia do coronavírus, o que pode ter subestimado este valor).

Considerando-se que a pessoa com Parkinson incluída no estudo (n=1.055) possuía uma renda mensal média de R$1.713,50, foi estimado que ela gasta quase 50% do seu rendimento para manter sua doença controlada.

A pesquisa foi realizada com pessoas que se utilizaram apenas dos serviços públicos, com baixa escolaridade (86,8% se autodeclararam entre sem instrução e até 12 anos de estudo) e de todas as regiões do país.

Apesar de ter mencionado acima que o Brasil tem diferenças regionais na sua forma de envelhecer, não foi constatada estatisticamente evidências de diferenças no custo total com a doença entre as regiões, demonstrando que a doença de Parkinson é uma doença que, apesar de ter leve predominância para o gênero masculino, é democrática, não faz distinção de raça, classe social ou credo.

Meu objetivo com os estudos sobre os custos do Parkinson, primeiramente na cidade de São Paulo, e depois no nível nacional (Brasil), foi alertar governantes e a sociedade em geral sobre a importância de conhecer profundamente os valores que estão envolvidos com a doença.

Espera-se que novos “olhares” sejam direcionados principalmente à população de idosos, pois foi o foco das pesquisas, e a outras também, com outras doenças neurodegenerativas que tanto comprometem a qualidade de vida e o bem-estar de pacientes e seus familiares.

Tânia Maria Bovolenta d’Almeida é biomédica e doutora em Ciências da Saúde pelo Einstein.

Os artigos opinativos não refletem necessariamente a visão do Science Arena e do Einstein.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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