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08.05.2024 Neurociência

Inteligência artificial pode aumentar precisão do diagnóstico de TEA

Algoritmo em desenvolvimento que associa alterações cerebrais tem potencial de tornar mais preciso o diagnóstico de autismo

Imagem: Shutterstock

Uma equipe de matemáticos, físicos, médicos e neurocientistas do Brasil e da Alemanha desenvolveu um algoritmo capaz de estimar o risco de transtorno do espectro autista (TEA) com base no mapa das redes neurais de uma pessoa, elaborado a partir de imagens de Ressonância Magnética Funcional (fMRI).

No estudo, que avaliou apenas casos classificados como “mais graves”, o diagnóstico do algoritmo teve uma precisão de 99%, segundo artigo publicado na revista Scientific Reports. A ferramenta, ainda em desenvolvimento, não deverá substituir o exame clínico, mas fornecer dados que podem ajudar equipes multidisciplinares a fazer o diagnóstico.

O TEA é uma condição no desenvolvimento neurológico diagnosticada de acordo com o nível de necessidade de suporte que cada paciente necessita. A escala vai de 1 a 3, e aumenta conforme a pessoa precisa de ajuda para realizar tarefas do dia a dia.

Desde a publicação do manual de diagnóstico da Associação Psiquiátrica Americana de 2013, o DSM-5, e da 11ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2022, os especialistas têm preferido usar essa escala em vez de classificar os casos como leves, moderados ou graves. Os dados usados pelos pesquisadores precedem essa mudança, por isso, a terminologia usada ainda reflete a classificação anterior dos casos de TEA.

“Uma das principais vantagens do algoritmo será prevenir erros de diagnóstico [evitando a confusão do] autismo com transtornos de sintomas semelhantes, como transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno opositivo desafiador (TOD) e transtorno de ansiedade social (TAS)”, explicou ao Science Arena o físico Francisco Aparecido Rodrigues, da Universidade de São Paulo (USP).

O diagnóstico do transtorno do espectro autista é baseado em uma avaliação subjetiva e não há um exame que forneça um resultado preciso.

O algoritmo foi desenvolvido com dados de 500 pacientes de 7 a 64 anos de idade, extraídos da iniciativa Autism Brain Imaging Data Exchange (Abide), uma base de dados aberta para compartilhamento de imagens de fMRI e outras informações de pacientes com casos de autismo considerados mais severos.

O primeiro passo foi transformar as imagens — que destacam as regiões do cérebro com maior atividade ao longo do tempo — em mapas de rede neural.

Para fazer isso, os pesquisadores selecionaram 122 regiões do cérebro. Quando a imagem de fMRI mostrava que duas dessas regiões tinham picos de atividade no mesmo instante, os investigadores inferiam que esses dois pontos estava se comunicando entre si. Dessa forma, todos os pontos foram conectados, formando uma rede complexa, assim como uma malha viária ou a internet.

Alimentando o algoritmo

Em seguida, os pesquisadores alimentaram o algoritmo com os mapas — 242 de pessoas com TEA e 258 sem o diagnóstico — que, automaticamente, procurou padrões que identificassem o cérebro da pessoa com autismo — processo conhecido como aprendizado de máquina.

“Depois do treino inicial, testamos o algoritmo com dados de pacientes que não foram usados no treino, e ele acertou o diagnóstico na maioria dos casos”, relata a física Caroline Lourenço Alves, da USP.

“A rede neuronal do autista têm um padrão de conexões diferente de pessoas sem autismo”, explica a neurologista Patricia Maria de Carvalho Aguiar, pesquisadora do Hospital Israelita Albert Einstein.

De acordo com ela, algumas áreas são hiperconectadas e outras têm conexões mais fracas, alterando o fluxo de informações. Aguiar ajudou a interpretar as imagens fMRI que eram analisadas pelo algoritmo, avaliando se o diagnóstico era compatível com as alterações observadas na imagem.

“O principal diferencial da ferramenta é que ela explica o resultado, indicando as alterações das redes neuronais que serviram de base para o diagnóstico”, ressalta o cientista da computação João Paulo Papa, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que não participou do estudo.

Segundo ele, a maioria das ferramentas de inteligência artificial funciona como “caixa preta”, fornecendo o resultado sem nenhuma explicação de como ele foi obtido. “O resultado sem a justificativa tem pouco valor clínico”, observa Papa.

De acordo com dados apresentados no artigo, algumas das principais conexões alteradas da amostra envolviam o cerebelo, região posterior do encéfalo responsável pelo controle motor. Os pesquisadores notaram, por exemplo, uma conexão mais fraca entre essa região e o córtex visual, que processa a visão, e entre ela e o sistema límbico, envolvido na resposta emocional e controle do comportamento.

“Sabemos hoje que o cerebelo tem papel importante na cognição e no processamento visual, muitas vezes afetados no autismo”, explica Patricia Aguiar, do Einstein.

Alterações no córtex pré-frontal, típicas do autismo, que afetam as funções executivas, como organização e planejamento, não aparecerem na amostra. “Isso pode ter acontecido porque os casos de autismo eram graves e muito variados, com diferentes comorbidades”, diz Aguiar.

Na avaliação da pesquisadora, seria importante repetir o estudo com pacientes sem comorbidades, para entender melhor como essas regiões afetam o autismo.

Ajuda ao diagnóstico

A neurologista do Einstein não acredita que esse tipo de ferramenta vá substituir a avaliação clínica, segundo ela mais refinada do que os modelos matemáticos. “Mas os modelos da rede neural poderiam ajudar a entender o fluxo de informações do cérebro autista, servindo como base para terapias que ajudem a modificar esse fluxo”, diz Aguiar.

A principal limitação da ferramenta é que ela não foi testada em casos “mais leves”, que geralmente são os mais difíceis de diagnosticar. “Ainda precisamos testar o algoritmo em populações maiores e de regiões diversas, incluindo casos leves,”, diz Aguiar.

O algoritmo pode ser rodado em computadores comuns: basta instalar o programa e fornecer as imagens de fMRI. No entanto, a coleta de dados pode ser mais difícil.

“Os dados obtidos por fMRI são muito sensíveis. Se a pessoa se mexer, isso pode afetar completamente o resultado do exame”, pontua Francisco Rodrigues, da USP. “A pessoa precisa ficar absolutamente parada, em um ambiente sem barulho ou movimentos.”

O pesquisador ressalta que ainda levará vários anos para aperfeiçoar a técnica de coleta de dados.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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